EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
AUTORA, por meio de seus procuradores regularmente constituídos, consoante instrumento de mandato anexo, vem, respeitosamente, ajuizar AÇÃO DE CONHECIMENTO, DE NATUREZA CONSTITUTIVA NEGATIVA em face do ÓRGÃO AMBIENTAL, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, expõe.
1. RELATO DO CASO
A autora foi autuada por supostamente ter praticado a conduta de queima de palha de cana-de-açúcar, causando incômodo à população devido à emissão de fumaça e fuligem na atmosfera, durante o período de proibição estabelecido para uso de fogo.
Notificada, a autora apresentou defesa e informou ter combatido o fogo com pessoal e equipamentos seus, e que já possuía autorização do próprio órgão ambiental para uso de queimada controlada para a colheita, quando estaria a cana-de-açúcar madura para corte, a tornar explícito que o fato não lhe interessou, nem foi por ela provocado.
Frisou que além de não ter auferido proveito econômico com a cana queimada, porquanto o fogo atingiu cana em fase imprópria para corte, ter sofrido prejuízos pela queima da cana fora da época própria para colheita.
Por fim, demonstrou ser desproporcional a gradação da multa, porque aplicada em sua máxima expressão, além de fora do parâmetro estatuído em decreto, incidente à espécie por disciplinar os períodos de suspensão, proibição e permissão da queima de palha de cana no Estado.
Todavia, a defesa administrativa acabou rejeitada pela autoridade. Igual sorte teve o pedido de reconsideração. Nas razões fornecidas pelo Departamento Jurídico da Ré à autoridade que decidiu em última instância administrativa, colhe-se a equivocada aplicação da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade.
Ocorre que, não se pode admitir tal erro de direito quanto aos pressupostos da responsabilidade ambiental de índole administrativa prevalecer, de modo que a ação anulatória de auto de infração ambiental merece ser julgada procedente para declarar o auto de infração ambiental nulo.
Também será demonstrado que houve desvio de finalidade em se atribuir a “ocorrência de queima”, e sem constar expressamente do Auto de Infração Ambiental, ter o órgão ambiental justificado a autuação por suposto proveito econômico com a colheita da cana queimada.
E ainda, o ato administrativo é nulo, por não se ter indicado a área da infração em hectares, limitando-se a descrever o nome e fornecer as coordenadas do imóvel rural onde teria ocorrido, conforme passa a demonstrar.
2. DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – RESPONSABILIDADES ADMINISTRATIVA E CIVIL
Como se pode observar já de uma primeira e superficial leitura das decisões administrativas, a Ré utiliza, na aplicação de sanções administrativas, os princípios e regras próprias da responsabilidade civil por dano ambiental, como se dessa aqui se tratasse, e não da responsabilidade administrativa por infrações.
O fundamento da responsabilidade ambiental no Direito Brasileiro encontra-se inscrito na norma do art. 225, § 3° da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
A responsabilidade ambiental abrange, portanto, três aspectos: penal, civil e administrativo. A Lei Federal 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, disciplina, em seu Capítulo VI, a matéria relativa às infrações administrativas de caráter ambiental.
A responsabilidade administrativa tem por objeto infrações, e não dano, e se rege pelo princípio da tipicidade. Exige-se, para que seja aplicada a punição prevista no mesmo dispositivo, que a conduta do infrator se amolde total e especificamente à hipótese de incidência descrita na norma.
Há também que se relevar que, na responsabilidade administrativa ambiental, não basta a ocorrência de um resultado nocivo, mas é imprescindível a caracterização da prática de uma conduta dolosa ou, no mínimo, culposa – caso haja previsão expressa, ao contrário da responsabilidade civil, que por expressa disposição de lei (art. 14, § 1º, da Lei Federal 6.938/81) é de índole objetiva.
Dessa forma, repise-se, a existência de responsabilidade administrativa por alegado dano ambiental e a configuração da culpa ou do dolo justificadores da sanção estão condicionadas ao nexo causal entre conduta subjetivamente qualificada e o resultado ilícito.
2.1. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE AUTORIA PELO INCÊNDIO E QUEIMADA
A partir da vigência do novo Código Florestal (Lei 12.651/12), no momento da aplicação da sanção, deverá o agente público que lavrar a autuação proceder ao estabelecimento do nexo causal:
Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:
§3º. Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
§4°. É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
Tratou o novel diploma de adotar a teoria do risco criado em matéria de dano ambiental consistente em incêndio. A teoria do risco criado busca identificar, entre todas as causas, a necessária e suficiente ao dano ambiental. Perquire sobre a causa efetiva do dano, afastando as demais através de uma apuração realista dos fatos.
Por conseguinte, o legislador afastou a teoria do risco integral para condutas regidas pelo Código, caso do uso de fogo na agricultura. Porque excepcional, a teoria do risco integral só comporta aplicação quando for expressa sua adoção em lei.
Já sob a égide do Código Florestal de 1965, vigia a norma do § 3º do art. 72 da Lei Federal 9.605, que dispõe caber multa simples unicamente para as hipóteses em que o agente atua com “negligência ou dolo”, reconhecendo, portanto, que a responsabilidade ambiental é de índole subjetiva.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: I- Advertência; II – Multa simples;
§3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
Ocorre que, no caso dos autos, a autora está sendo penalizada por suposta conduta sem base em tais elementos obrigatórios. O Auto de Infração Ambiental, posterior ao novo Código, não descreve o nexo de causalidade entre o fogo e a conduta da Autora.
2.2. ÓRGÃO APLICOU A TEORIA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA OBJETIVA
O ÓRGÃO AMBIENTAL, aliás, expressamente fundamentou sua decisão por manter o Auto de Infração Ambiental nas seguintes considerações de sua assessoria jurídica: “Os danos ambientais decorrentes do plantio de cana- de-açúcar, portanto, são imputáveis ao agente, mesmo que tenha havido caso fortuito, força maior ou atividade de terceiro.”
Verifica-se, de plano, que a imposição da sanção fundamenta-se nos princípios e regras da responsabilidade objetiva. Neste sentido, a linguagem utilizada na motivação do ato impugnado: Auto de Infração Ambiental: “ocorrência de queima de palha de cana-de-açúcar, causando incômodo à população devido à emissão de fumaça e fuligem na atmosfera, durante o período de proibição”.
“Ocorrência de queima de palha de cana-de-açúcar”, e não prática de queima, fato que a Ré, em momento algum, imputa à autora. Não é sua a autoria do fato a gerar a infração e o dano ambientais.
O próprio vocábulo empregado, “ocorrência”, demonstra que o agente do órgão ambiental desconhecia a origem do fogo, tanto que o atribuiu a causa e sujeito indeterminados. As normas que instituem infração administrativa por uso de fogo, porém, não tipificam mera “ocorrência” de causa ignorada, e sim a conduta da prática da queima.
A imputação da “ocorrência” de queima – ou incêndio – à Autora, por desvelar desconhecimento do agente autuante quanto à causa do fato, denota não ter se tratado de prática culposa ou deliberada, ou seja, da conduta típica segundo as normas-sanção acima transcritas.
Apenar a autora pela “ocorrência”, desta sorte, é expediente para se lhe atribuir suposta prática, sem que haja, contudo, elementos que afirmem conduta dolosa ou culposa em fazê-lo. Cuida-se de ilegal aplicação de responsabilidade objetiva à esfera administrativa.
2.3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL
Em paradigmático acórdão, o Superior Tribunal de Justiça divisou os contornos de cada esfera, precisando que a responsabilidade administrativa ambiental tem pressupostos distintos da responsabilidade civil ambiental.
“AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[…]Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. O art. 14, caput, também é claro: “Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. Recurso especial provido.”
2.4. JURISPRUDÊNCIA ANÁLOGA AO CASO
Confira-se, na mesma esteira, acórdão da Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Egrégio TJ-SP, de relatoria do Eminente Desembargador Torres de Carvalho:
“(…) não se pode confundir a responsabilidade administrativa pela infração com a responsabilidade pela recomposição, ainda que em matéria ambiental a diferença seja atenuada de acordo com as circunstâncias específicas do caso. A responsabilidade pela infração administrativa, que resulta na autuação pelo órgão competente, é responsabilidade subjetiva que depende da culpa ou dolo do agente. ”
No mesmo sentido:
“MULTA AMBIENTAL. Bauru, Queima de capoeira e cerrado em estágio médio de regeneração. Responsabilidade. LF n° 4.771/65, 26, *e’ e 27. DF n° 99.274/90, art. 34, IV. – 1. Infração ambiental. Sanção administrativa. As infrações tipificadas no art. 27 da LF nº 4.771/65 e no art. 34, IV do DF n” 99.274/90 são comissivas. Não se sustenta a autuação se demonstrado que a embargante não deu origem, de modo direto ou indireto, ao fogo que adentrou sua propriedade. Causa e autoria do fogo ignoradas. – 2. Dano ambiental. Recomposição do dano. A obrigação de recompor o dano ambiental é objetiva e decorre da propriedade ou da atividade desenvolvida; mas dela não decorre, automaticamente, que o proprietário seja tido como infrator e responda pela multa se não contribuiu para a infração. – Procedência dos embargos. Recurso da Fazenda desprovido. ”
Eiva-se de vício, portanto, o Auto de Infração, ao se desviar do requisito imposto pelo art. 38, § 4º do Código Florestal e ao atribuir à autora, de forma indireta, conduta não apurada pelo agente público.
3. INCÊNDIO TEVE ORIGEM DESCONHECIDA
Não houve prática de queima da palha da cana-de- açúcar como método de colheita, e sim incêndio de origem desconhecida, oriundo de imóvel rural vizinho, como demonstrado no curso do processo administrativo.
A autora já era aderente, à época do fato, ao Protocolo Agroambiental. Dentre os objetivos do acordo: “a antecipação dos prazos de eliminação da queima da palha da cana, a proteção dos remanescentes florestais de nascentes e de matas ciliares, o controle das erosões e melhores práticas de uso do solo, o adequado gerenciamento das embalagens de agrotóxicos, além da redução de consumo de água na etapa industrial.”
O ônus de se provar que a autora utilizou fogo é redobrado. A correta interpretação do fato da “ocorrência” de queima que fala o Auto de Infração não é a de que se tratou de uso de fogo para fins agrícolas. Na verdade, houve destruição da lavoura de cana pelo incêndio, tendo o evento sido danoso à pessoa à qual o órgão ambiental houve por bem imputá-lo.
Embora o fogo sirva à preparação da lavoura para colheita – em fazendas onde não se emprega colheita mecanizada que o dispense – seu uso não é desregrado e a qualquer tempo.
A queima não programada – caso dos autos – gera prejuízo na medida em que produz contaminantes na cana-de-açúcar cuja proporção aumenta quanto maior o tempo entre a queima e o processamento. Esses contaminantes intensificam a cor e reduzem a filtrabilidade do açúcar, aumentando-lhe a viscosidade do caldo e do xarope e reduzindo a taxa de transferência de calor nos evaporadores e cristalizadores.
Fica diminuído o rendimento e a qualidade do açúcar e se aumentam as despesas com energia durante o processamento. De fato, quando a cana é submetida à usina tendo sido indevidamente queimada, trata- se de matéria-prima aquém dos padrões normais de processamento, o que demanda a aplicação mais acentuada de insumos paliativos com vistas a se buscar melhorar o aproveitamento.
3.1. AUSÊNCIA DE AUTORIA PELA QUEIMADA
Ocorre que o Auto de Infração Ambiental apresenta, como suporte fático, ocorrência de queima de palha de cana de açúcar em período de proibição. Motiva-se, como se percebe, na imputação do fogo à autora como se à atividade agrária fosse pertinente, isto é, como se se tratasse de queima (e não de incêndio) preordenada à colheita da cana.
Daí a conclusão dos agentes do órgão ambiental de que, praticada a queima para fins agropastoris, incidia a Resolução que o proibia durante certo período naquele ano, em razão de estiagem.
A interpretação do dispositivo de proibição de queima em determinado período, permite concluir que seu objetivo é coibir a utilização de fogo para fins agropastoris. Ou seja, a tradicional prática agrícola de se utilizar o fogo para o preparo da terra antes do plantio, ou para despalhamento da cana com vistas à colheita, com ou sem autorização do órgão ambiental competente.
A aplicação da norma proibitiva implica, portanto, apenas a forma comissiva de cometimento da infração. Assim, para que determinado fato seja enquadrado no tipo, é obrigatório tenha havido uso de uma determinada ação (atear fogo) com vistas a uma finalidade específica, qual seja, cultivo e colheita de cana-de-açúcar, motivo pelo qual se exige que a prática dessa atividade seja feita sob a chancela do órgão ambiental.
Ou, ainda, que tenha havido conduta culposa, no caso de queima autorizada pelo órgão ambiental que tenha escapado ao controle da empresa e atingido áreas não abrangidas pela autorização. Igualmente acidental, mas em tese punível, seria ato outro no curso da atividade agrária que tenha provocado incêndio no canavial.
Contudo, tal raciocínio não se enquadra na presente situação, pois a alegada queimada sabidamente ocorreu por causa desconhecida, talvez criminosa, e se espraiou devido às condições climáticas da ocasião.
É fato notório (art. 334, I do CPC) que a região há tempos sofre com o clima extremamente seco e quente, facilitando a formação de focos de incêndio e a propagação do fogo. Naquele ano, os jornais informaram que a estiagem já era a maior da série histórica na Região.
3.2. JURISPRUDÊNCIA QUE RECONHECE A AUSÊNCIA DE AUTORIA PELA QUEIMADA
A Câmara Reservada ao Meio Ambiente rejeitou a imputação de responsabilidade administrativa por incêndio em canavial sem nexo de causalidade com ato da empresa.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO MULTA AMBIENTAL QUEIMA DA PALHA DA CANA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA IMPUTADA À EMPRESA AUTUADA PROCEDÊNCIA RECURSO DA AUTORA PROVIDO PREJUDICADO O APELO DA RÉ. O ato administrativo goza, em princípio, de presunção de legitimidade e certeza. Uma vez refutado, abre-se a oportunidade de se comprovar a sua pertinência ou não, cumprindo ao agente público o ônus da provar a regularidade de seu proceder, nos termos do art. 333, II, do CPC. Diante dos elementos dos autos, que não demonstram ter sido a autora responsável pelo incêndio em plantação de cana de açúcar, ou que tenha dele se beneficiado, de rigor a procedência da ação proposta, para a desconstituição do auto de infração.”
O motivo da deflagração do incêndio objeto do Auto de Infração Ambiental é desconhecido, como o órgão ambiental reconhece ao lavrar Auto de Infração pela “ocorrência”, sem diretamente imputar a “prática”. Mais razoável é atribui-lo a caso fortuito ou a terceiros. Não houve qualquer contribuição ou participação da empresa para a sua ocorrência.
A Coordenadoria de Fiscalização Ambiental, órgão da Secretaria do Meio Ambiente, reconheceu, em recente julgamento de caso análogo ao presente, a nulidade de autuações lavradas com fundamento em uso de fogo quando para casos de incêndio acidental ou criminoso. Vale destacar as seguintes passagens da decisão:
“Pois bem, vencida algumas argumentações do recorrente, tratemos de analisar o ponto mais importante do fato ocorrido, o nexo causal. (…) Analisando o Laudo Pericial, resumidamente o laudo indica que no local próximo ao canavial, também atingido por um incêndio, o fogo se iniciou, em uma moita de bambuzal, e este teve a sua ignição face a ação humana, sem apontar claro a autoria. Ressalta também no laudo que havia uma baixa probabilidade de que tal foco de incêndio possa ter passado para o canavial, porém é fato que o laudo não é conclusivo em apontar a autoria do incêndio, bem como não há a certeza de 100% de que o foco não se iniciou com a transposição de alguma fagulha do bambuzal queimado. Está relatado no laudo é que o aceiro está dentro da medida e no local em questão há uma cerca que limita o acesso de terceiros, isto posto, são ainda que poucas, medidas de prevenção e proteção contra incêndios. Nesse diapasão mesmo que o incêndio seja criminoso, não há como apontar indícios mínimos de que o proprietário/responsável pela área não tivesse tomado as devidas medidas/cautelas para que tal situação se propagasse. (…) Vista esta situação inconclusiva do Laudo, principalmente quanto à falta de autoria e indícios de negligência ou imprudência por parte do responsável da área, insta mencionar o que trata o Art. 38, par. 3º e 4º, da Lei Federal 12.651/2012 – Código Florestal: Par. 3º. Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado. Par. 4º. É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares”
3.3. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO NEXO ENTRE A CONDUTA E O INCÊNDIO
Assim, em uma análise mais elaborada, verifica-se que a inexistência de nexo causal que indique que a autoria dos fatos é ligada ao proprietário/responsável, ou ainda que este foi negligente ou imprudente com as medidas de prevenção e combate a incêndios, é fundamental para análise do processo, sendo que por tal, voto pelo cancelamento do Auto de Infração Ambiental em todos os seus termos.
Cumpre repisar, de resto, que em razão da severa estiagem que reiteradamente assola a região, são incontáveis os casos de incêndio deflagrados de forma intencional ou acidental, já que a baixa umidade do ar e a velocidade dos ventos permite com que qualquer faísca às margens de canavial transforme-se rapidamente em incêndios de grandes proporções e difícil contenção.
Prova disso é o fato de que os incêndios vêm vitimando também as propriedades de vários órgãos estatais e áreas sob proteção dos Estados e Municípios.
Por qual razão incêndios de mesma natureza e características colocam os órgãos estaduais sempre na condição de vítimas e, por outro lado, os particulares, sempre na condição de infratores a sofrer severas sanções pecuniárias?
Curiosamente, não consta registro de aplicação de sanções às Autarquias estaduais com base no princípio da responsabilidade objetiva. Ainda que se aduzisse a impossibilidade de aplicação de multa aos próprios entes vinculados ao Estado, ainda assim subsistiria o dever de aplicação de punições administrativas aos responsáveis, do que também não se há notícia.
A utilização de pesos e medidas diversas para as mesmas situações evidencia ainda mais o desvio de finalidade com que opera a Ré, com exclusivo intuito arrecadatório.