EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
Autora, por seus advogados, vem, respeitosamente, com fundamento nos arts. 319 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, ajuizar AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra a Instituto do Meio Ambiente, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. OS FATOS
A autora é empresa que atua nos segmentos florestais, fabricação de papel, chapas e caixas de papelão. Trata-se de empresa que está entre as líderes em seu segmento, posição alcançada como justa retribuição à excelência de seu processo produtivo e produtos finais.
No início da década passada, contratou os serviços de coleta, transporte e tratamento de resíduos oferecidos por empresa terceirizada com o intuito de promover a adequada destinação dos resíduos oriundos das suas unidades industrial e florestal.
De acordo com as informações disponíveis à época, pôde constatar que a atuação empresarial era lastreada pelas competentes licenças e autorizações emitidas pelos Órgãos competentes, sobretudo licenças ambientais expedidas pela própria IMA. Além de sua regularidade frente ao Poder Público, e também ostentava diversos prêmios concedidos a empresas de destaque pela comunidade em que está inserida.
Para a consecução dos serviços contratados, a autora assumiu o compromisso de neutralizar os resíduos recebidos, destinando, na sequência, a substância final para a produção de lajotas ou tijolos a serem empregados na construção civil. A remessa de resíduos à autora foi precedida das competentes autorizações, expedidas pela IMA.
Da análise dos certificados e declarações emitidas, extrai-se que todos os resíduos foram eliminados ou inertizados, sem qualquer risco à saúde da população ou prejuízo ao meio ambiente.
1.1. OS AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS PELA IMA
O Ministério Público Federal (“MPF”) ajuizou ação civil pública contra a Ré tendo por objeto vícios e irregularidades no licenciamento ambiental e nas operações. Durante o trâmite processual, houve decisão judicial impondo a cessação das atividades da autora, além de ter sido produzido trabalho pericial segundo o qual, sem qualquer referência específica, teria sido constatado dano ambiental relacionado ao aterramento inadequado de rejeitos industriais em seu estabelecimento.
Findo o trâmite processual, foi proferida sentença que condenou a Ré a recuperação dos danos ambientais causados, a serem apurados em fase de liquidação. Após a rejeição dos recursos interpostos pelo Tribunal Regional Federal, a condenação transitou em julgado.
Decorridos três anos do trânsito em julgado do acórdão que manteve a sentença condenatória, e muito embora sequer tenha sido parte naquela demanda, a autora recebeu notificações que a comunicavam da lavratura em seu desfavor dos Autos de Infração Ambiental.
Cada uma das autuações lavradas pela IMA aplicaram sanção de multa no valor estratosférico, sob o pretexto de suposta falha na inertização dos resíduos oriundos de unidades industrial e florestal.
Passados quase anos, desde o protocolo das defesas administrativas os respectivos procedimentos administrativos permanecem sem qualquer andamento. Aliás, até a data da propositura desta ação, no melhor conhecimento da empresa, sequer houve a efetiva instauração e autuação de procedimentos administrativos relativos ao auto de infração ambiental, para análise e decisão acerca das defesas apresentadas pela autora.
A inércia da IMA em analisar os argumentos levantados nas defesas administrativas arrasta-se por anos, repercutindo negativamente no meio social da autora e impondo-lhe restrições mercantis, vez que contra ela consta a lavratura de autuações impondo-lhe multas milionárias.
Sequer vista dos autos dos processos administrativos vem sendo permitida à autora, confirmando que procedimento algum foi formalmente autuado. Assim, não resta à autora alternativa senão a propositura desta ação anulatória.
2. O DIREITO – RAZÕES PARA ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO
2.1. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
O fenômeno da prescrição em procedimentos administrativos federais é regulado pela Lei Federal 9.873/99, subsidiariamente aplicável a procedimentos administrativos em geral. A teor do art. 1º, §1º, da Lei Federal 9.873/99, será considerado prescrito o procedimento administrativo no qual se constatar inércia da Administração Pública superior a três anos. Literalmente:
“Art. 1º […]. § 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.”
Reconhecido em meio à doutrina sob a denominação de “prescrição intercorrente”, o instituto previsto no art. 1º, §1º, da Lei Federal 9.873/99 implica na perda do poder sancionador por omissão prolongada imputável ao órgão competente. Nas palavras de MARÇAL JUSTEN FILHO:
“Uma figura anômala, mas que merece crescente atenção é a preclusão intercorrente (conhecida vulgarmente como ‘prescrição intercorrente’). Envolve as hipóteses de obrigatoriedade de exaurimento de um processo administrativo prévio.
Tal como exposto acima, nas hipóteses de obrigatoriedade de prévio processo administrativo, admite-se a decadência antes do seu início e depois de seu encerramento.
Tem-se defendido a aplicação do instituto da preclusão intercorrente quando a Administração Pública omitir as providências necessárias para a conclusão do processo. Preconiza-se que a paralisação do processo administrativo ou a demora imputável à Administração Pública pode acarretar a perda do direito ou do poder cujo exercício depende da conclusão do referido processo.
Em síntese, a Administração Pública dispõe de certo prazo para instaurar o processo, sob pena de perda do direito ou poder no caso concreto. Se a Administração instaura o processo dentro do prazo, mas deixa de lhe dar seguimento, a situação deve merecer tratamento jurídico equivalente ao aplicável à ausência de instauração do processo[1].”
A prescrição intercorrente também é regulada pelo Decreto Federal 6.514/2008, que dispõe acerca das sanções administrativas em matéria ambiental. O prazo em que se considera consumada a prescrição em procedimentos administrativos ambientais é o mesmo previsto na Lei Federal 9.873/99, ou seja, após o decurso de três anos sem decisão ou despacho acerca da autuação imposta[2].
No caso sob exame, a autora tempestivamente apresentou suas defesas administrativas. Assim, nos termos dos arts. 76 e 79, § 3º, da Lei Estadual 14.675/2009[3] (“Código Estadual de Meio Ambiente”), competia à IMA proferir decisão no prazo de 30 (trinta) dias.
Ocorre que desde a apresentação das defesas administrativas a IMA não praticou qualquer ato decisório ou despacho nos procedimentos administrativos. Sequer a autuação de processos administrativos foi feita!
Logo, de acordo com a legislação que rege o tema, a prescrição intercorrente operou-se em relação ao auto de infração ambiental. A omissão da IMA em instaurar e dar seguimento a processo administrativo implicou na perda de seu poder sancionador no caso concreto, de modo que ambas as autuações devem ser anuladas.
Tal solução amolda-se ao entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a aplicação do instituto da prescrição intercorrente aos procedimentos administrativos ambientais, sobretudo em homenagem à garantia constitucional da razoabilidade na duração do processo:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL E EMBARGO. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AGRAVO REGIMENTAL DO IBAMA DESPROVIDO.
- A Lei 9.873/99, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta, prevê em seu art. 1°, § 1°, que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso, ou seja, prevê hipótese da denominada prescrição intercorrente.
- Cumpre ressaltar que, in casu, o próprio IBAMA reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente, consoante parecer técnico recursal e parecer da equipe técnica do IBAMA em Brasília.
- A prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5° da Carta Magna.
- Agravo Regimental do IBAMA a que se nega provimento.”
(STJ, AgRg no AREsp 613.122/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes M Auto de Infração Ambiental Filho, Primeira Turma, julgado em 10/11/2015, DJe 23/11/2015)
Em razão do decurso do lapso temporal previsto no art. 1º, §1º, da Lei Federal 9.873/99 e art. 21, § 2º, do Decreto Federal 6.514/2008, ambos aplicáveis ao procedimento administrativo sub judice, a pretensão punitiva da IMA encontra-se fulminada pela prescrição intercorrente. Os autos de infração ambiental merecem, pois, ser cancelados por este MM. Juízo.
3. NULIDADE DAS AUTUAÇÕES EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO PUNITIVA
Antes mesmo da prescrição intercorrente face à omissão do órgão ambiental em dar desfecho aos procedimentos sancionatórios administrativos, fato é que quando da lavratura do auto de infração ambiental a própria ação punitiva da IMA também já se encontra prescrita porquanto já decorridos quase 9 anos do encerramento das atividades da empresa.
Com efeito, por decisão judicial proferida nos autos da ação civil pública, determinou-se a imediata cessação das atividades da autora, a qual teve seu estabelecimento interditado e lacrado por ordem judicial. Por consectário lógico toda e qualquer infração ambiental relacionada ao tratamento de resíduos industriais, encaminhados pela autora, é anterior à data de sua interdição.
Muito embora referidos autos de infração não indiquem a data em que a suposta infração ambiental teria ocorrido, vício que per se já conduz à sua nulidade consoante será abordado mais adiante, pode-se afirmar categoricamente que a remessa de resíduos pela autora à empresa terceirizada, deu-se antes da data em que o estabelecimento desta foi interditado por ordem judicial.
Entre a data da última remessa de resíduos à empresa terceirizada, portanto, verificou-se o transcurso do lapso temporal de aproximadamente 9 anos, muito além do prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º, caput, da Lei Federal 9.873/99[4] e no art. 21, caput, do Decreto Federal 6.514/2008[5].
E nem se argumente que a IMA teria constatado tardiamente as supostas infrações objeto das autuações impostas à autora. Como parte na ação civil pública na qual se realizou a perícia que reconheceu a causalidade entre as práticas adotadas pela empresa terceirizada e o dano ambiental, o IMA detinha ciência sobre as supostas infrações alegadas como fundamento dos AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL.
Diante da prescrição da ação punitiva que ensejou o AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL as autuações merecem ser anuladas. Assim, na remota hipótese de que este MM. Juízo não reconheça a prescrição intercorrente verificada na via administrativa, subsidiariamente requer a procedência desta ação anulatória em razão da prescrição da própria ação punitiva da IMA.
4. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
De acordo com o art. 294 do NCPC, o Juiz concederá tutela provisória de urgência ou de evidência. Há fundamento para concessão de tutela provisória sob ambos os fundamentos, seja a tutela de evidência seja a de urgência, em caráter antecedente, conforme será demonstrado.
No que toca ao cabimento de tutela de evidência, encontram-se presentes os requisitos no art. 311, II, do NCPC, porquanto esta petição inicial está instruída com documentos que permitem de plano a aferição da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva e também da prescrição intercorrente, além de também haver prova da arbitrariedade incorrida pela IMA ao lavrar o AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL, arbitrariedade está reconhecida expressamente pela IMA no Relatório de Atividade.
Por outro lado, também há fundamento para a concessão de tutela de urgência (NCPC, art. 300). Com efeito, a pendência sine die do AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL impõe graves prejuízos às atividades mercantis da empresa, por repercutir negativamente em seu meio social. Ao se relacionar com instituições financeiras, parceiros comerciais e controladores, a empresa vê-se na contingência de superar restrições que lhe são apresentadas face à contingência milionária que as multas representam.