Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) Federal da Vara da Fazenda Pública da Subseção Judiciária de
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por seus advogados, à presença de Vossa Excelência, propor ação anulatória de sanção administrativa com pedido de tutela de urgência contra Parte ré, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Da Síntese Dos Fatos
A empresa autora é proprietária de um imóvel adquirido através da lavratura de um instrumento particular de compromisso de venda e compra de imóvel. Importa frisar que o terreno em questão situa-se em local classificado pela legislação municipal de uso e ocupação do solo como “ZER-1 – zona estritamente residencial”, e em via pública de uso local.
Tendo em vista a intenção da autora de demolir a edificação ali existente para a realização de nova obra, evidentemente dentro do permitido pela legislação de uso e ocupação do solo, foi requerida a expedição de alvará de execução de demolição.
Antes disso, tendo em vista a existência de alguns exemplares arbóreos dentro do terreno aqui aludido, foi requerida autorização para poda e remoção de árvores, para que se procedesse o manejo de 5 (cinco) exemplares arbóreos, sendo dois “Paus-Jacaré”, duas “Tipuanas” e um “Ipê”.
Autorizou-se, também, a realização de “Poda de Levantamento e Equilíbrio”, tudo precedido de parecer favorável de engenheiro agrônomo, como determina a legislação.
Na mesma data, houve o deferimento da autorização para remoção de árvores n° 155/06, autorizando remover dois exemplares de árvores secas e mediante a plantação de 2 (dois) exemplares arbóreos nativos, padrão PMSP (altura 2,50 metros) no interior do terreno.
De posse de toda essa documentação, a autora iniciou os trabalhos de demolição da edificação existente, o que incluía a poda e manejo dos exemplares arbóreos autorizados.
Durante a execução dessas atividades, todas rigorosamente autorizadas pelos órgãos competentes da Prefeitura Municipal, no dia xxx a autora recebeu a visita de dois agentes de controle ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, que lavraram o auto de inspeção n° xxx.
De fato, na mesma data foram lavrados os autos de intimação supracitados, todos de idêntico teor, dirigidos ao (xxx) (auto de intimação n° xxx.
No dia seguinte, o preposto da empresa autora compareceu ao local indicado, munido dos documentos solicitados. Entretanto, para estupor da autora, foi lavrado um termo de comparecimento.
De fato, num exemplo de lamentável e gritante arbitrariedade, na mesma data, houve a lavratura do primeiro auto de infração em questão, de n° xxx.
No mesmo dia e na mesma hora, sem que houvesse qualquer oportunidade de corrigir eventual conduta ilegal e sem que houvesse oportunidade de qualquer defesa prévia, foi lavrada a multa correspondente à infração, cujo auto segue em anexo.
Importante observar que o auto de infração foi lavrado por suposto enquadramento nos seguintes dispositivos legais: art. 70 da Lei Federal 9.605/98; art. 49, inciso I do Decreto Federal 3.179/99 e art. 9°, inciso II do Decreto Municipal 42.833/03. Já o auto de multa menciona, também, o art. 41, inciso I do Decreto Federal 3.179/99.
Tendo em vista diversos vícios constantes em tal auto de infração e em tal auto de multa, quer de ordem formal, quer de ordem material, a autora ingressou com um recurso administrativo, que tramitou perante o Departamento de Controle da Qualidade Ambiental.
Após o ingresso desse recurso nos autos do procedimento administrativo que resultou na expedição do auto de infração e multa supramencionados, houve o CANCELAMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO N° xxx E AUTO DE MULTA N° xxx, como pleiteado pela autora.
Para total espanto da autora, todavia, com base nos mesmos fatos, houve a lavratura de novo auto de infração, de nº xxx e novo auto de multa, de nº xxx.
Novamente, ambos foram lavrados no mesmo dia e na mesma hora, sem qualquer oportunidade de defesa, o que ofende os mais elementares princípios constitucionais que devem reger a relação entre o Poder Público e os particulares, o que será discorrido adiante, em tópico próprio.
Ora, o novo auto de infração e a nova multa lavrados, a exemplo dos anteriores, estão eivados de gritantes e inacreditáveis vícios, de natureza primária, o que os torna eivados de nulidade insanável e, como tal, destinados inexoravelmente à nova anulação, como passamos a demonstrar nos tópicos seguintes.
2. Do Direito
Como é sabido, os poderes fiscalizatórios do Poder Público decorrem do chamado “Poder de Polícia”, através do qual estabelecem-se limites à liberdade e à propriedade em favor da coletividade. Esse poder deve ser exercido, como é óbvio, segundo os princípios jurídicos consagrados na Constituição Federal que informam e limitam a ação dos podres públicos. O mais basilar desses princípios é o da legalidade, de evidente importância na punição das infrações e na aplicação de sanções administrativas. Sobre o ponto, é ilustrativo o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, 17ª ed., Malheiros, pp. 746/747):
“(a) princípio da legalidade – Este princípio basilar no Estado de Direito, como é sabido e ressabido, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal. Entre nós a previsão de sua positividade está incorporada de modo pleno, por força dos arts. 5°, II, 37, “caput” e 84, IV da Constituição Federal. É fácil perceber-se sua enorme relevância ante o tema das infrações e sanções administrativas, por estarem em causa situações em que se encontre desencadeada uma frontal contraposição entre Administração e administrado, na qual a Administração comparecerá com todo seu poderio, como eventual vergastadora da conduta deste último.
Bem por isto, tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos. (…).”
Outro princípio fundamental na aplicação de sanções administrativas é o princípio da tipicidade, segundo o qual só é possível haver infração se houver lei anterior que a defina. Sobre esse princípio, o mesmo nobre jurista nos brinda com o seguinte ensinamento (ob. cit. p. 748):
“c) Princípio da tipicidade – A configuração das infrações administrativas, para ser válida, há de ser feita de maneira suficientemente clara, para não deixar dúvida alguma sobre a identidade do comportamento reprovável, a fim de que, de um lado, o administrado possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de evitar ou que terá de praticar para livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente reconhecível.”
No caso dos autos, a suposta infração foi enquadrada pelo agente fiscal no art. 70, § 1º da Lei Federal 9.605/98, cujo teor é o seguinte:
“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2° Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3° A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.
§ 4° As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e contraditório, observadas as disposições desta Lei.”
Essa é a única lei que é citada no auto de infração e no auto de multa lavrados (o resto são dispositivos contidos em Decretos Federais e Municipais).
Todavia, não se pode dizer, sob pena de gravíssima violação aos mais comezinhos e primários princípios de Direito, que o enquadramento de determinada conduta nesse dispositivo legal, que diz ser infração ambiental “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.”, atende aos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade.
Isso porque o dispositivo legal é aberto demais, amplo demais, impreciso demais, genérico demais, subjetivo demais. Nitidamente, não visa esse dispositivo coibir condutas, mas estabelecer competências e dar encadeamento lógico ao sistema de proteção ambiental, apenas isso. Com o mínimo de bom senso, esse dispositivo só pode ser encarado dessa forma.
Ora, dada a própria elasticidade natural do conceito de “meio ambiente” e dado que o dispositivo legal diz ser infração “toda ação ou omissão” que viole o meio ambiente, é mais do que evidente que, se aplicado esse dispositivo isoladamente, com fez a Municipalidade, o particular fica inteiramente ao talante da administração pública, justamente o que se quer evitar através dos basilares princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, onde o que se almeja é que o agente público não possa agir arbitrariamente, segundo seus critérios pessoais, subjetivos ou mesmo segundo seus caprichos e vicissitudes, mas apenas e tão somente dentro dos balisamentos legais.
Já dizia o saudoso jurista Seabra Fagundes que “governar é aplicar a lei de ofício”, e não impor aos administrados suas manias, subjetividades e idiossincrasias.
De fato, dispositivo de tal forma impreciso é insuficiente para, por si só, atender ao princípio da tipicidade. Seria como uma norma penal que dissesse: “Constitui crime todo comportamento anti-social”. Evidente que essa norma não atende, ao menos isoladamente, o princípio da tipicidade.
Ninguém poderia, num Estado Democrático de Direito, ser processado criminalmente e preso apenas com base numa norma de tal forma genérica e imprecisa. Pior ainda, ficaria ao inteiro arbítrio do agente aplicador da lei, discriminar o que é e o que não é “comportamento anti-social”.
Ainda nessa hipótese, praticamente qualquer comportamento estaria potencialmente sujeito ao enquadramento nesse tipo penal, segundo o critério pessoal do aplicador da lei, como também, em princípio, qualquer comportamento relacionado com o larguíssimo conceito de “meio ambiente”, ainda que indiretamente, pode ser, em tese, enquadrado no art. 70 da Lei 9.656/98. Se alguém, por exemplo, tropeçar sem intenção de fazê-lo numa bromélia, pode, em tese, ter praticado infração administrativa enquadrável neste amplo art. 70 da Lei 9.656/98.
Sobre o tema transportado para a seara administrativa, uma vez mais socorremo-nos do magistério do nunca assaz reverenciado Celso Antonio Bandeira de Mello (ob. cit. p. 749):
“Com efeito, toda a construção jurídica objetivada com os princípios anteriores (legalidade, anterioridade e tipicidade), estabelecidos em nome da segurança jurídica, valeria nada e, demais disto, ficaria inteiramente comprometida a finalidade própria das infrações e sanções administrativas se a caracterização das condutas proibidas ou impostas aos administrados pudesse ser feita de modo insuficiente, de tal maneira que estes não tivessem como saber, com certeza, quando e do quê deveriam se abster ou o que teriam de fazer para se manterem ao largo das conseqüências sancionadoras aplicáveis aos infratores do Direito.
Idem se os agentes administrativos pudessem considerar ocorrente uma dada infração segundo critérios subjetivos seus. É evidente, portanto – e da mais solar evidência -, que, para cumprirem sua função específica (sobreposse em atenção às finalidades do Estado de Direito), as normas que de alguma maneira interfiram com o âmbito de liberdade dos administrados terão de qualificar de modo claro e objetivo, perfeitamente inteligível, qual a restrição ou qual a obrigação impostas e quando são cabíveis. Disse com razão Fabio Media Osório que “as normas sancionadoras devem ser redigidas com a suficiente clareza e precisão, dando justa notícia a respeito de seu conteúdo proibitivo”, sendo isto uma conseqüência da cláusula constitucional do devido processo legal.” Hely Lopes Meirelles leciona no mesmo sentido, mencionando V. Aresto do E. STJ (Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., Malheiros, p. 178):
“Ressalte-se, porém, que salvo as sanções previstas em contrato, não cabe ato punitivo sem lei que preveja a sanção. STJ, Lex 21/413.”
A jurisprudência pátria não tem hesitado em fulminar de nulos atos administrativos sancionadores (especialmente multas administrativas) estribados apenas em atos do poder executivo (Decretos, Resoluções, portarias, etc.) e não na lei, como fica patente nos V. Acórdãos cujas ementas são abaixo transcritas, a título meramente exemplificativo:
“116248111 – TRIBUTÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – ART. 32, II, DA LEI 8.212/91, ART. 47, II, § 6º, DO DECRETO 612/92 E IN/DNRC Nº 65/97 – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – FATOS GERADORES OCORRIDOS HÁ MAIS DE SEIS MESES DA DATA DA FISCALIZAÇÃO – ESCRITURAÇÃO EM LIVRO DIÁRIO NÃO AUTENTICADO – IRREGULARIDADE – SANÇÃO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – IMPROCEDÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO – O art. 47, II, § 6º, do Decreto 612/92, determina que os lançamentos contábeis, devidamente escriturados no livro diário, serão exigidos pela fiscalização após seis meses contados da ocorrência dos fatos geradores das contribuições. – A autenticação mecânica de instrumentos de escrituração das empresas mercantis é disciplinada pela Instrução Normativa nº 65/97 do departamento nacional de registro do comércio. – Hipótese em que o contribuinte foi autuado pela fiscalização previdenciária por, no momento da fiscalização, ainda não ter submetido à autenticação o livro diário em que escriturados os lançamentos contábeis relativos às contribuições previdenciárias cujos fatos geradores se deram há mais de seis meses. – Não havendo nas normas em comento previsão legal para aplicação de sanção ao contribuinte, deve ser anulado o auto de infração, haja vista que o princípio da legalidade vincula a administração pública, pelo que não lhe é lícito exigir do contribuinte aquilo que a Lei não prevê. – Recurso Especial conhecido e provido. (STJ – RESP 200101418910 – (386669 RS) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Peçanha Martins – DJU 10.10.2005 – p. 00276)”
“116019372 – ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – IBAMA – ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO SEM LICENCIAMENTO – TERMO DE EMBARGO SEM EMBASAMENTO NORMATIVO – AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – EXERCÍCIO DE DEFESA – NULIDADE – 1. Demanda em face de suposta infração, por parte do autor, aos preceitos ditados no art. 40, da Lei n° 9.605/98, na Resolução CONAMA nº 13/90, no art. 6°, § 7°, do Decreto nº 90.883/85, e no art. 14, I, da Lei n°6.938/81. 2. Constitui infração, a construção de obra em área de proteção ambiental, sem o devido licenciamento, ocasionando, via de conseqüência, a aplicação das sanções atinentes à matéria. 3. Inexistente embasamento normativo ao Termo de Embargos lançado, impossibilitando o exercício da defesa ao autuado, restam invalidados seus efeitos desde a sua lavra. 4. Ato inquinado não atende à técnica administrativa, a qual só é permitida a realização de algum ato se houver expressa previsão legal, além de que, quando se tratar de sanção, o preceito permissivo deve constar obrigatoriamente do instrumento executório, a fim de possibilitar competente ciência e eventual defesa por parte do administrado. 5. Não se encontrando no Termo de Embargos seu embasamento normativo, de forma que possibilite ao administrado o exercício de sua defesa e compreenda de onde adveio sua punição, têm-se por nulos os seus efeitos desde a sua lavratura, devendo o mesmo ser afastado do mundo jurídico. 6. Em homenagem ao devido processo legal, não vinga processo administrativo para aplicar sanções, sem o oferecimento de prazo e condições para o exercício de defesa. 7. Recurso não provido. (STJ – RESP 447639 – PR – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU 09.12.2002)”
“33100557 – ADMINISTRATIVO – MULTA – AUTO DE INFRAÇÃO – IBAMA – PORTARIAS – TIPIFICAÇÃO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E PREVISÃO DE PENALIDADES: IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – ARTIGO 25 DO ADCT/88 – VERBA HONORÁRIA – FIXAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 20, § 3º DO CPC – 1. Com o término do prazo previsto no artigo 25 do ADCT/88, a delegação de competência para ação normativa não pode subsistir, porque fundada em diploma legal que não foi recepcionado pela atual Constituição. 2. A impugnação de sanções administrativas imprecinde do respeito ao princípio da legalidade. 3. Apenas ao Juiz cabe aplicar a sanção relativa à contravenção penal. 4. A verba honorária deve se ater ao mínimo previsto no artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil quando a demada envolve matéria já reiteradamente decidida por este Tribunal. Precedentes. 5. Recursos do IBAMA improvido e recurso do Autor provido em parte. Remessa oficial improvida. (TRF-1ª R. – AC 01000578908 – BA – 4ª T. – Relª Juíza Conv. Selene Almeida – DJU 17.03.2000 – p. 398).”
133025144 – ADMINISTRATIVO – MULTA ADMINISTRATIVA – INSTITUIÇÃO POR SIMPLES PORTARIA DO IBAMA – NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL E MATERIAL – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 5º, II, DA CF/88) – LEIS 4771/1965 E 6938/1981 – PORTARIA 44N/1993-IBAMA – 1. Afigura-se ilegal o ato de fiscalização do IBAMA que impõe sanção pecuniária com fundamento em infração tipificada em Portaria. 2. Somente através de LeI, em sentido formal e material, pode-se definir infrações e cominar penas (art. 5º, II, da CF/88). Precedentes deste Tribunal. 3. O art. 26 da Lei nº 4.771/65 tipifica contravenções penais e não infrações administrativas a serem punidas pelo IBAMA. Assim sendo, somente o Juiz criminal poderia impor as penalidades nele previstas. 4. A Lei 6938/1981 que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente não traz em seu bojo preceitos de cunho punitivo, aplicáveis à espécie. 5. Remessa Oficial improvida. (TRF-1ª R. – REO 39000056034 – PA – 5ª T. – Relª Juiza Conv. Daniele Maranhão Costa Calixto – DJU 02.08.2002 – p. 318)
“133221784 – ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – IBAMA – AUTO DE INFRAÇÃO – PORTARIA Nº 267/88 – IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM BASE NO ART. 20, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – IMPROVIMENTO – 1. Não se apresenta juridicamente admissível a definição de infrações administrativas e a fixação de sanções dessa mesma natureza por portarias, que não constituem o instrumento próprio para tanto, pois somente a Lei, em sentido formal e também material, pode prever infrações e estabelecer as correspondentes sanções. 2. Somente o órgão jurisdicional competente pode estabelecer sanções em face da realização de tipos de contravenção penal, não sendo possível, portanto, que possa o IBAMA impor penalidades pela realização de contravenção prevista no art. 26, da Lei nº 4.771/65. 3. A Portaria nº 267/88 foi editada com base em delegação de competência originária de Decreto-Lei não recepcionado pelo art. 25, do ADCT da Constituição Federal de 1988, o que afasta a possibilidade de sua aplicação ao caso em comento. 4. Os arts. 49, da Lei nº 4.771/65 e 225, § 4º, da Constituição Federal não conferem respaldo a Portaria nº 267/88, pois os acima mencionados dispositivos legal e constitucional não prevêem a existência de competência da autarquia federal para baixar portarias impondo sanções àqueles que, eventualmente, descumpram norma de proteção ao meio-ambiente. 5. Não merece reforma a sentença que, em sendo vencida autarquia pública federal, fixou os honorários advocatícios com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. Apelações e remessa oficial conhecidas e improvidas. (TRF-1ª R. – AC 01000364398 – BA – 4ª T. – Rel. Juiz I´talo Mendes – DJU 21.06.2001 – p. 51)
“33154536 – ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – IBAMA – AUTO DE INFRAÇÃO – PORTARIA Nº 267/88 – IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM BASE NO ART. 20, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – IMPROVIMENTO – 1. Não se apresenta juridicamente admissível a definição de infrações administrativas e a fixação de sanções dessa mesma natureza por portarias, que não constituem o instrumento próprio para tanto, pois somente a lei, em sentido formal e também material, pode prever infrações e estabelecer as correspondentes sanções. 2. Somente o órgão jurisdicional competente pode estabelecer sanções em face da realização de tipos de contravenção penal, não sendo possível, portanto, que possa o IBAMA impor penalidades pela realização de contravenção prevista no art. 26, da Lei nº 4.771/65. 3. A Portaria nº 267/88 foi editada com base em delegação de competência originária de decreto-lei não recepcionado pelo art. 25, do ADCT da Constituição Federal de 1988, o que afasta a possibilidade de sua aplicação ao caso em comento. 4. Os arts. 49, da Lei nº 4.771/65 e 225, § 4º, da Constituição Federal não conferem respaldo a Portaria nº 267/88, pois os acima mencionados dispositivos legal e constitucional não prevêem a existência de competência da autarquia federal para baixar portarias impondo sanções àqueles que, eventualmente, descumpram norma de proteção ao meio-ambiente. 5. Não merece reforma a sentença que, em sendo vencida autarquia pública federal, fixou os honorários advocatícios com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. Apelações e remessa oficial conhecidas e improvidas. (TRF-1ª R. – AC 199801000364398 – BA – 4ª T. – Rel. Juiz I´talo Mendes – DJU 21.06.2001 – p. 51)
Não bastasse, no caso dos autos, o próprio art. 70, “caput”, da Lei 9.605/98 diz que, para caracterização de infração administrativa, há que ser violada alguma norma jurídica ou, na dicção da lei, só é infracional o comportamento que “viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
O próprio dispositivo legal reconhece, em seu corpo, a sua insuficiência para, autonomamente, caracterizar-se infração administrativa ambiental. Patente, pois, que o dispositivo legal em questão não se presta a tipificar condutas, pois sequer descreve, em seu corpo, qualquer conduta típica, apta a ensejar sanções administrativas.
E o que não falta, é bom que se deixe consignado, são normas legais que fazem previsão de infrações ambientais, tais como o Código Florestal e as severíssimas leis ambientais estaduais e municipais. Se conduta típica houvesse, certamente os agentes ambientais não teriam maiores dificuldades em enquadrá-la no tipo legal pertinente.
Ora, de tudo quanto dissemos, fica claro que, de acordo com os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, as “regras jurídicas” em questão, mencionadas expressamente no art. 70 da Lei 9.656/98, há que entender como “Leis”, em sentido formal e material, jamais atos do Poder Executivo, tais como Decretos, portarias, Resoluções e que tais.
Em suma: Que Lei foi infringida pela autora, segundo o auto de infração e o auto de multa?? De que infração legal está sendo a autora multada no exorbitante e desproporcional valor de R$ xxx? Nenhuma lei é apontada, a não ser o art. 70 da Lei Federal 9.605/98 que, como exaustivamente demonstrado, é imprestável para, por si só, atender os princípios da legalidade e tipicidade, o que se conclui quer de sua natureza, quer da referência que o próprio texto da lei faz a outras normas jurídicas!!!!
Por mais que a Municipalidade reconheça seus erros, ao menos em parte, e expeça novos autos de multa e novos autos de infração, há aqui vício absolutamente insanável.
Os autos de infração e multa citam, ainda, o art. 49 do Decreto Federal 3.179/99 (doc. 18), que possui a seguinte redação:
“Art. 49. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; ou
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação cinetífica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial
Multa de R$ 00.000,00 (dez mil reais) a R$ 000.000,00 (quinhentos mil reais).”
O Decreto avança em seara exclusivamente legislativa. Aplicando-se os ensinamentos supra, ao caso concreto, conclui-se, sem grandes dificuldades, diversas afrontas ao basilar e fundamental princípio da legalidade.
O festejado professor Bandeira de Mello, inclusive, tem como um dos pontos de honra de seu pensamento jurídico-administrativo os limites aos atos do executivo que, a pretexto de exercício do Poder regulamentar (poder esse que fundamenta a competência do Executivo para expedir Decretos, Regulamentos, Portarias, etc.), avança em seara legislativa. Suas palavras sobre o tema são dotadas de incomum contundência (ob. cit. p. 323):
“É, pois, à lei, e não ao regulamento, que compete indicar as condições de aquisição ou restrição de direito. Ao regulamento só pode assistir, à vista das condições preestabelecidas, a especificação delas. E esta especificação tem que se conter no interior do conteúdo significativo das palavras legais enunciadoras do teor do direito ou restrição e do teor das condições a serem preenchidas. Deveras, disciplinar certa matéria não é conferir a outrem o poder de discipliná-la. Fora isto possível, e a segurança de que “ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar e fazer alguma coisa senão em virtude de lei” deixaria de se constituir em proteção constitucional. Em suma: não mais haveria a garantia constitucional aludida, pois os ditames ali insculpidos teriam sua valia condicionada às decisões infraconstitucionais, isto é, que resultassem do querer do legislador ordinário.”
Portanto, o primeiro vício do auto de infração objeto do presente procedimento administrativo é de clareza meridiana. A autora somente poderia ser sancionada se fosse apontada infração a algum dispositivo legal, o que não ocorre, pois se acusa o mesmo de infração a um mero Decreto que, por natureza, não pode inovar na ordem jurídica, menos ainda tipificar infrações administrativas e impor sanções aos administrados.
A Constituição Federal, em um de seus mais importantes preceitos, Art. 5°, inciso II, diz que: “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.”, donde se conclui, à toda obviedade, que não poderá se conceder ou limitar direitos de quem quer que seja por Decreto, Portaria, Resolução ou quaisquer atos emanados do Poder Executivo.
Mas há mais!!!
A segunda infração ao princípio basilar da legalidade consiste no seguinte: a descrição do fato concreto que motivou a lavratura do auto de infração e consequentemente da multa é absolutamente dispare em relação ao dispositivo regulamentar eleito para a fundamentação da multa lavrada!!!
Com efeito, do que se pode ler no auto de inspeção e no auto de infração, acusa-se a autora (sem provas, como veremos adiante) de ter cortado irregularmente algumas árvores.
Ocorre que o agente ambiental, tanto na primeira ocasião quanto na segunda, considerou cada árvore supostamente suprimida como um bem especialmente protegido, chegando ao absurdo número de xxx árvores derrubadas.
Evidentemente, por falta de lei, ato administrativo ou decisão judicial previamente informado, que indicasse previamente que as árvores em questão possam ser consideradas “bens juridicamente protegidos”, também não há como considerar subsistente o enquadramento do caso concreto no art. 49 do Decreto 3.179/99!!!
Não há, portanto, subsunção do caso concreto às normas citadas, o que implica no segundo aspecto pelo qual foi ferido de morte o princípio da legalidade.
Insta acrescentar que, mesmo que a Administração indicasse “a posteriori” um dispositivo legal ou ato administrativo que alçasse tais exemplares arbóreos à categoria de “bem especialmente protegido”, a ilegalidade consistente na não indicação de tal lei no auto de infração não desapareceria já que, face ao princípio da segurança jurídica, é direito do administrado conhecer, em sua plenitude e antes de esgotado o prazo para defesa, a inteireza da acusação infracional que lhe é lançada.
Não bastasse, há ainda um terceiro aspecto pelo qual pode-se afirmar, sem medo de errar, que não foi observado o princípio da legalidade quando da lavratura do auto de infração em questão. Não houve prova prévia de que a autora tivesse, efetivamente, suprimido xxx árvores da propriedade. Sobre a necessidade de comprovação da infração antes da lavratura do auto, vale o magistério do não menos ilustrado Hely Lopes Meirelles (“Direito Administrativo Brasileiro”, 22ª ed., Malheiros, p. 120):
“(…) Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. Por exemplo, se a lei permite a apreensão de mercadorias deterioradas e sua inutilização pela autoridade sanitária, esta pode apreender e inutilizar os gêneros imprestáveis para a alimentação, a seu juízo; mas, se a autoridade é incompetente para a prática do ato, ou se o praticou sem prévia comprovação da imprestabilidade dos gêneros para sua destinação, ou se interditou a venda fora dos casos legais, sua conduta torna-se arbitrária e poderá ser impedida ou invalidada pela Justiça.”
É exatamente o caso dos autos. A autoridade que multou a requerente não demonstrou, em momento algum, a supressão de xxx exemplares arbóreos sem prévia autorização da autoridade competente, e nem mesmo poderia, posto que isso não ocorreu. Mais ainda!
O corte e a poda de vegetação de porte arbóreo no Município de xxx, que embasou, inclusive, as autorizações para manejo, poda e remoção de árvores obtidas pela autora. De acordo com essa lei, e como não poderia deixar de ser, não é qualquer espécime vegetal que pode ser considerada “árvore”, ou seja, de “porte arbóreo”. A definição é regulamentada pelo art. 2º da Lei em questão:
“Art. 2º. Considera-se vegetação de porte arbóreo aquela composta por espécime ou espécimes vegetais lenhosos, com Diâmetro do caule à Altura do Peito – DAP superior a 0,05 (cinco centímetros)
Parágrafo Único – Diâmetro à Altura do Peito – DAP é o diâmetro do caule da árvore à altura de aproximadamente 1,30 m (um metro e trinta centímetros) do solo.”
Aliás, conforme o magistério do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, supra citado, a prova deve ser prévia, para que o cidadão não seja surpreendido com sanções duvidosas e subjetivas.
Também por isso o auto de infração é viciado e também por isso não poderia a administração, agora, posteriormente à lavratura do auto de infração, produzir as provas que não produziu previamente à lavratura do auto infracional.
À Guisa de conclusão desse tópico, podemos resumir os três aspectos pelos quais o princípio da legalidade foi violentado: (i) tipicidade da conduta supostamente infratora em Decreto, ato regulamentar do Executivo, e não em lei (princípio da tipicidade); (ii) falta de correspondência entre a conduta supostamente ilícita e os dispositivos regulamentares invocados, inclusive com demonstração insuficiente da conduta atribuída à autora e (iii) falta de prova prévia da suposta infração.
Mas não são apenas os princípios da legalidade e tipicidade que foram afrontados. Também o princípio do devido processo legal e da ampla defesa e também o princípio da proporcionalidade, como passamos a demonstrar.
2.1 Da Afronta Ao Princípio Da Ampla Defesa E Do Devido Processo Legal
De acordo com o procedimento fiscal estabelecido por lei para hipóteses como a dos presentes autos, antes da aplicação de multa sancionatória, o administrado tem direito à pena de advertência, não como um ato de benevolência da administração para com ele, mas como uma oportunidade de correção de supostas infrações cometidas. O art. 72, § 3° da Lei 9.605/98 não deixa qualquer margem de dúvida quanto a isso.
“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão da venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total de atividades;
X – (vetado)
XI – restritiva de direitos.
(…)
§ 3°. A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;”
A leitura do texto em questão não deixa a menor sombra de dúvida. A multa somente pode ser aplicada após o administrado ser advertido por irregularidades, conferindo-se a ele a oportunidade de saná-las em prazo razoável. No caso dos autos, se infração houvesse, seria perfeitamente sanável, através da reposição da cobertura arbórea eventualmente suprimida ou mesmo através da lavratura de um termo de ajustamento de conduta – TAC, em que se fizesse a compensação ambiental, nos termos do art. 15 do Decreto Municipal 42.833/03.
Vale lembrar que esse Decreto Municipal é citado no auto de infração e na multa e que, também sob o aspecto do direito de defesa e do devido processo legal, foi gravemente hostilizado, especialmente em seu art. 12:
“Art. 12. Compete ao Chefe da unidade na qual esteja em exercício o servidor responsável pela atividade fiscalizatória analisar o autor de infração, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou recurso, bem como propor ao Diretor de Divisão a aplicação das sanções restritivas de direito.”
Ou seja, entre a lavratura do auto de infração e a lavratura do auto de multa deve transcorrer o prazo mínimo de 30 (trinta) dias, seja para melhor análise da infração e qual a sanção correspondente, seja para assegurar-se ao administrado o direito de defesa. Jamais, portanto, o auto de infração e o auto de multa poderiam ter sido lavrados no mesmo dia e na mesma hora, concomitantemente, sem intervalo de um minuto sequer entre ambos.
Da forma como procedeu a administração nesse caso, a defesa é exercida após a sanção já ter sido aplicada, o que significa que não se exerceu a defesa prévia, mas apenas em grau de recurso.
É como um réu de um processo criminal ter direito de defender-se apenas em grau de recurso, após a lavratura da sentença!!!! Custa a crer que tamanha ignomínia possa ocorrer em plena vigência do Estado Democrático de Direito!!!!
Não bastassem todos esses dispositivos legais, a simples aplicação dos princípios do Estado Democrático de Direito ao caso vertente não deixaria dúvidas da possibilidade de ampla defesa que deveria ser concedida ao administrado antes da aplicação da sanção. Uma vez mais, com escusas do subscritor da presente pela recorrência insistente, citamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello (ob. cit. p. 753):
“(f) Princípio do devido processo legal – O texto constitucional estabelece no art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Aliás, o inciso anterior dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Por força do primeiro dos incisos toda sanção administrativa terá que ser, sob pena de nulidade, precedida do devido processo legal, e também por força do segundo, nos casos em que a sanção seja a apreensão ou destruição de bens.”
Por qualquer ângulo que se analise a questão, portanto, resta absolutamente indene de dúvidas que não houve oportunidade de defesa e, via de consequência, não se observou o devido processo legal na lavratura da multa aqui versada. Eis aí mais um vício insanável que torna a sanção aplicada nula de pleno direito.
2.2 Da Afronta Ao Princípio Da Proporcionalidade – O Caráter Confiscatório Da Multa Lavrada
Outro princípio basilar, decorrente do Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal), a presidir rigidamente a atuação do aparelho estatal na punição e sancionamento de eventuais infrações administrativas é o princípio da proporcionalidade, vale dizer, da correspondência entre a conduta infratora e a sanção aplicada. Esse princípio é unanimemente acolhido na doutrina e na jurisprudência e decorre da própria finalidade das sanções administrativas. Significa que sanções desproporcionais implicam em desvio de finalidade, comportamento vedado pela Constituição Federal. Vejamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o tema (ob. cit. pp. 744/745):
“Evidentemente, a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade.
Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um “mal”, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta. O direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de “represália”, de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente. É claro que também não se trata, quando em pauta sanções pecuniárias – caso das multas -, de captar proveitos econômicos para o Poder Público, questão radicalmente estranha à natureza das infrações e, conseqüentemente, das sanções administrativas.”
Em outro trecho, diz o mestre (ob. cit. p. 752):
“As sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração.
Ainda que a aferição desta medida inúmeras vezes possa apresentar dificuldade em ser caracterizada, em inúmeras outras, é perfeitamente clara; ou seja: há casos em que se pode ter dúvida se tal ou qual gravame está devidamente correlacionado com a seriedade da infração – ainda que se possa notar que a dúvida nunca se proporá em uma escala muito ampla, mas em um campo de variação relativamente pequeno -, de par com outros casos em que não haverá dúvida alguma de que a sanção é proporcional ou é desproporcional. É impossível no direito fugir-se a situações desta compostura, e outro recurso não há para enfrentar dificuldades desta ordem senão recorrendo ao princípio da razoabilidade, mesmo sabendo-se que também ele comporta alguma fluidez em sua verificação concreta. De todo modo, é certo que, flagrada a desproporcionalidade, a sanção é inválida.”
O nunca assaz pranteado Hely Lopes Meirelles preleciona no mesmo sentido (“Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., Malheiros, pp. 342/343):
“A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui requisito específico para validade do ato de polícia, como, também, a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida. Desproporcional é também o ato de polícia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicionar o uso do bem ou de regular a profissão. O poder de polícia autoriza limitações, restrições, condicionamentos; nunca supressão total do direito individual ou da propriedade particular, o que só poderá ser feito através de desapropriação. A desproporcionalidade do ato de polícia ou seu excesso equivale a abuso de poder e, como tal tipifica ilegalidade nulificadora da ordem ou da sanção.”
Celso Antonio Bandeira de Mello fala, inclusive, do caráter confiscatório da multa exageradamente fixada (ob. cit. p. 756):
“Tal como as demais sanções administrativas, as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser “confiscatórias”, isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco. Nisto há aprazível concórdia tanto na doutrina como na jurisprudência.”
Pela derradeira vez, citamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello que, convenhamos, encaixa-se como uma luva à hipótese vertente (ob. cit. p. 750):
“Veja-se: ninguém consideraria obediente ao princípio da legalidade a norma penal que estabelecesse para os crimes em geral, ou mesmo para um dado crime, dependendo de sua gravidade, sanções que iriam de 2 meses a 30 anos de pena privativa de liberdade. Regramento de tal ordem, em rigor de verdade, não estaria previamente noticiando ao administrado a conseqüência jurídica imputável à conduta ilícita.
O vício que se lhe increparia é o de que a identificação da sanção não teria atendido ao mínimo necessário para sua validade, pois a liberdade conferida ao juiz seria de tal ordem que o cidadão não estaria governado pela lei, mas pelo juiz – traindo-se, dessarte, o velho e fundamental princípio segundo o qual no Estado de direito vigora a “rule of law, not of men”.
Assim também não se poderá considerar válida lei administrativa que preveja multa variável de um valor muito modesto para um extremamente alto, dependendo da gravidade da infração, porque isto significaria, na real verdade, a outorga de uma “discricionariedade” tão desatada, que a sanção seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo esta em manifesto vício de falta de razoabilidade. É dizer: teria havido um simulacro de obediência ao princípio da legalidade; não, porém, uma verdadeira obediência a ele. Norma que padecesse deste vício seria nula, por insuficiência de delimitação da sanção.”
Reflui cristalina, portanto, a rotunda inconstitucionalidade do art. 49 do Decreto 3.179/99 que, além invadir competência exclusivamente legislativa, contém intervalo punitivo excessivamente fluido, o que afronta os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.
Também nesse particular, portanto, a multa é ilegal e nula de pleno direito por ter infringido o princípio da proporcionalidade, seja em razão do caráter confiscatório da multa, seja porque baseada em dispositivos regulamentares (sequer legais) excessivamente fluídos.
3. Da Tutela Antecipada E/Ou Medida Liminar
Do quanto dito até aqui, fica patente a presença dos requisitos da verossimilhança das alegações, bem como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil.
De fato, a verossimilhança das alegações é percebida de plano, “prima facie”, apenas da análise dos documentos carreados aos autos. O mais chocante é a revoltante falta de indicação do dispositivo legal supostamente violado, bem como a ausência de prova prévia de ocorrência real da infração, impossibilitando, inclusive, o exercício da ampla defesa.
As outras incongruências e afrontas aos princípios da Constituição Federal supra demonstrados também são importantes e reforçam a inequívoca presença do requisito da verossimilhança, ou “fumus boni juris”.
O risco de dano irreparável ou de difícil reparação, ou “periculum em mora”, também se desenha com contornos fortes. Se não houver a concessão da tutela antecipada pretendida, poderá prosseguir o draconiano processo fiscalizatório iniciado pela Prefeitura, sem prova da infração, sem respeito ao princípio da legalidade, da proporcionalidade, sem ampla defesa e sem devido processo legal!!!!!