EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DE
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, regularmente inscrita no CNPJ, com sede em, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio de seus advogados, ajuizar a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, autarquia federal, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. SÍNTESE DOS FATOS
Por meio da presente ação, a Autora objetiva a anulação do Auto de Infração Ambiental lavrado pelo IBAMA em virtude de suposta conduta infratora de receber, para fins industriais, carvão vegetal sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente. Em consequência da lavratura do referido auto de infração ambiental, foi imposta multa pecuniária.
A despeito de sempre ter exercido suas atividades de forma absolutamente idônea, a autora foi surpreendida, com a lavratura do auto de infração ambiental por técnicos do IBAMA, impondo à Autora uma multa exorbitante.
Conforme se observa da leitura do auto de infração ambiental, a conduta que teria dado causa à sua lavratura seria o suposto recebimento, para fins industriais, de carvão vegetal sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente, volume que teria sido auferido referente à atividade produtiva da Autora.
Contudo, em que pese a relevância dos argumentos aduzidos pela autora, sua defesa administrativa foi rejeitada pela Superintendência do IBAMA, que homologou o referido auto de infração ambiental a despeito de todas as ilegalidades que o maculam.
Foi assim que a autora interpôs o cabível recurso hierárquico, dirigido ao Presidente do IBAMA, objetivando a reforma da referida decisão.
No entanto, ainda no curso do prazo para interposição do cabível recurso administrativo, foi a autora novamente surpreendida, desta vez com a Notificação de Agravamento do auto de infração ambiental, por meio da qual o IBAMA comunicou o agravamento da penalidade imposta à Autora, triplicando o valor da multa aplicada – que já tinha um valor exorbitante- e que, por fim, atingiu a absurda cifra.
O mencionado agravamento foi fundamentado na alegação de que a autora seria reincidente em infrações ambientais similares, em razão da anterior lavratura do auto de infração ambiental.
1.1. AGRAVAMENTO SEM PREVISÃO EM LEI
Ocorre que, como se verá adiante, tal agravamento não merece subsistir, uma vez que não há previsão legal para imposição de agravamento e que, ademais, o Decreto Federal 6.514/2008, que inaugurou o instituto do agravamento no ordenamento jurídico ambiental brasileiro, foi aplicado para uma infração que ocorreu antes de sua edição, ferindo os princípios da legalidade e da anterioridade.
E, ainda que hipoteticamente se entenda pela aplicação da referida norma, ela mesma veda que o agravamento seja imposto após julgamento da suposta infração, sendo que, no presente caso, o agravamento foi determinado após prolação da decisão administrativa que julgou a infração.
Justamente por entender ser manifestamente ilegal e desarrazoado o agravamento do auto de infração ambiental que já comportava multa em valor estratosférico, a autora apresentou impugnação ao referido agravamento da penalidade, requerendo o seu imediato cancelamento.
Apesar de todos os argumentos trazidos aos autos administrativos pela Autora, o Superintendente do IBAMA proferiu decisão que manteve não só a penalidade inicialmente lavrada, mas também o seu injusto e ilegal agravamento.
Tal decisão foi posteriormente ratificada pelo Presidente do IBAMA, que emitiu a Decisão Recursal, e entendeu pelo improvimento do recurso administrativo (hierárquico) e manutenção do auto de infração ambiental, bem como manteve o agravamento do débito para o valor exorbitante.
Na mesma oportunidade, o Presidente do IBAMA entendeu pela infundada cobrança da reposição florestal para fins de reparação dos supostos danos ambientais.
No entanto, como se verá melhor adiante, tal pretensa imposição simplesmente não se faz possível na esfera administrativa, a qual tem como finalidade reprimir ou penalizar atos infracionais, enquanto que a reparação propriamente dita do suposto dano ambiental tem cabimento, única e exclusivamente, na esfera civil.
Vale esclarecer, aliás, que tal pretensão reparatória dos supostos danos já é objeto das ações civis públicas. Deste modo, jamais poderia o IBAMA ter imposto tal obrigação reparatória em âmbito administrativo por notória e incontestável configuração de bis in idem.
1.2. RECURSO ADMINISTRATIVO INTERPOSTO
Em razão da decisão administrativa denegatória do recurso hierárquico, foi manejado recurso de revisão que, até o momento, não foi apreciado.
Paralelamente aos andamentos acima apresentados, a Autora formulou proposta de conversão das multas impostas em medidas socioambientais, mediante a implementação do Programa Floresta Nativa.
Destarte, a Autora por vezes se manifestou nos autos do processo administrativo requerendo o sobrestamento do feito, juntamente com o sobrestamento de outros dois processos administrativos que versavam a respeito de infrações semelhantes, enquanto pendente de apreciação esse pedido de conversão das multas.
Em tais oportunidades, submeteu à apreciação do Réu suas propostas referentes ao supracitado Programa Floresta Nativa, merecendo destaque duas delas, as quais demonstram a inequívoca tentativa da Autora em fomentar medidas de notório ganho ambiental.
Tendo em vista que a referida proposta se encontrava (e, diga-se, ainda se encontra) em fase de discussões e complementações com o IBAMA, a Autora acreditava que seria aguardada a análise final quanto ao cabimento ou não da conversão das penas antes da cobrança das multas faraônicas que lhe foram impostas. De forma oposta, a autora foi surpreendida quando recebeu notificação para pagamento da multa que ora se impugna, com o envio de boleto bancário para pagamento da penalidade.
Embora permanecessem em andamento as discussões e análises acerca do pedido de conversão das penalidades em medidas socioambientais, não foram cancelados – ou sequer suspensos – os dois boletos de cobrança de multas referentes à suposta infração (receber, para fins industriais, carvão vegetal sem licença ambiental).
1.3. DA AÇÃO JUDICIAL
Por essa razão, a Autora propôs ação ordinária com o objetivo de suspender qualquer ato de cobrança da referida multa decorrente do auto de infração ambiental – bem como da vultosa multa proveniente do auto de infração ambiental semelhante ao auto de infração ambiental, somente com alteração do período compreendido pelo auto.
Não custa observar que a referida ação ordinária, não pretendia afastar as penalidades impostas à Autora, mas sim suspender a exigibilidade das multas em referência e, ademais, de quaisquer atos coercitivos envolvendo os referidos processos administrativos até a análise final, no âmbito administrativo, do Recurso de Revisão e do pedido de conversão das multas em medidas socioambientais.
Nos autos da Ação Ordinária, assim, foi proferida decisão suspendendo a exigibilidade da penalidade imposta por meio do auto de infração ambiental, conforme se afere das cópias da medida liminar e da posterior sentença, as quais determinaram que o IBAMA se abstenha de (i) executar a dívida decorrente desse ato administrativo, (ii) inscrever a autora no CADIN, e de (iii) registrar tais pendências no Cadastro Técnico Federal e no certificado de regularidade, além de qualquer ato coercitivo envolvendo a matéria discutida em sede administrativa.
Ocorre que, para verdadeiramente discutir o mérito do auto de infração ambiental e obter a sua nulidade definitiva, assim como de seu ilegal agravamento, não restou alternativa à autora senão o ajuizamento da presente demanda, por meio da qual restará demonstrada a nulidade dos atos praticados pelo IBAMA e a imperiosidade de desconstituição do Auto de Infração.
2. DO MÉRITO
2.1. ABSOLUTA ILEGALIDADE DO AGRAVAMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO QUE MACULA O ATO ADMINISTRATIVO POR COMPLETO
Além dos vícios do auto de infração ambiental no que diz respeito à responsabilidade administrativa ambiental (que é subjetiva e possui índole repressiva e não reparatória/objetiva), o agravamento da penalidade, repisa-se, é ilegal. Por mais este motivo, portanto, faz-se necessária a declaração de nulidade deste ato administrativo por este D. Juízo.
Neste sentido, vale esclarecer que a inovadora possibilidade de se agravar uma infração já objeto de autuação específica restou instituída por ocasião do Decreto Federal 6.514/2008, o que jamais foi previsto por lei, em especial pela Lei Federal 9.605/1998. Logo, tal hipótese trazida pelo referido Decreto representa flagrante violação ao princípio da legalidade – como se verá melhor adiante –, porquanto jamais poderia ter criado forma de sanção completamente nova.
Outrossim, tal Decreto somente foi promulgado após a ocorrência da suposta infração – e consequente lavratura do auto de infração ambiental, de modo que a sua aplicação ao caso concreto também contraria frontalmente o princípio da anterioridade.
E como se não bastasse, mesmo que se pudesse entender pela aplicação do Decreto Federal 6.514/2008, vale observar que o seu regramento expressamente dispõe que o agravamento só será admitido quando não houver decisão administrativa acerca da infração/autuação, o que também não foi respeitado no caso concreto. Explica- se: o agravamento foi indevidamente imposto pelo IBAMA anos após a prolação da decisão administrativa acerca da defesa.
Neste ponto, cumpre observar que os vícios referentes à imposição do agravamento da multa do auto de infração ambiental, obviamente, maculam o ato administrativo como um todo, uma vez que, caso não seja declarado nulo por este D. Juízo, a Autora será compelida a pagar a multa integral inclusive com o agravamento. Por essa razão, é medida de rigor a sua declaração de nulidade integral.
2.2. AGRAVAMENTO DA MULTA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO LEGAL NA LEI 9.605/98
No que se refere ao procedimento de agravamento das sanções pecuniárias, vale observar o disposto no art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008, o qual dispõe acerca das infrações e sanções administrativas relativas ao meio ambiente – conforme estabelecido pela Lei Federal 9.605/1998 nos arts. 70, 71 e 72.
Pois bem. Logo após a publicação da Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), foi editado o Decreto Federal 3.179/1999, o qual regulamentou o art. 70 da referida Lei Federal 9.605/98, e descreveu quais seriam as condutas que mereceriam reprimenda por parte da Administração Pública.
Posteriormente, o Decreto Federal 3.179/1999 foi revogado pelo aludido Decreto Federal 6.514/2008, o qual inovou no ordenamento jurídico ao prever novos institutos, tal como o do específico agravamento, com o suposto objetivo de auxiliar, garantir a eficácia e efetividade da aplicação das sanções ambientais por meio de mais severidade da penalidade.
Assim é que o Decreto Federal 6.514/2008, portanto, extrapolou os limites de sua competência ao inserir disposição sancionatória não prevista previamente pelo Poder Legislativo Federal, notadamente por meio da Lei Federal 9.605/1998.
De fato, a Lei Federal 9.605/98, ao dispor a respeito das sanções aplicáveis às infrações administrativas, em nenhum momento previu modalidade de agravamento, sequer mencionando a possibilidade de que houvesse incremento no valor da multa em virtude de conduta reincidente.
A simples leitura dos dispositivos da Lei Federal 9.605/1998 que embasam as autuações administrativas (arts. 70[1], 71[2] e 72[3]) demonstra que a previsão de agravamento.
Assim, se não há na Lei Federal 9.605/1998 a possibilidade de agravamento das penalidades tipificadas (tampouco em casos de reincidência), mero Decreto com o fim de regulamentar a aplicação da Lei evidentemente não pode ir além!
2.2.1. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Realmente, a despeito da louvável tentativa de previsão de instrumento de agravamento da sanção ambiental como meio de maximizar a proteção ao meio ambiente, tal modificação do preceito sancionatório, notadamente da alteração dos limites das multas ambientais previstas em lei, não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.
Neste sentido, conforme assegurado por meio do art. 5º, inciso II, da Constituição da República, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se da expressão escrita de um dos mais importantes princípios de nosso ordenamento jurídico, qual seja, o princípio da legalidade.
Diante desse princípio constitucional, o Poder Executivo não pode impor às administradas obrigações, ou mesmo sanções, que não estejam delimitadas na própria lei. Ou seja, a Administração Pública não tem competência para inovar no mundo jurídico criando obrigações e/ou disposições mediante normas administrativas (no caso, Decreto), o que é de competência exclusiva do Poder Legislativo Federal.
O art. 84, inciso IV, da Constituição da República, ao se referir à competência do Presidente da República para a expedição de decretos e regulamentos, esclarece que essa prerrogativa se destina à “fiel execução” das leis.
O art. 37 da Carta Magna, por sua vez, estabelece que a Administração Pública direta e indireta será submetida a determinados princípios e não é por acaso que o primeiro deles, referido no caput desse dispositivo, é justamente o princípio da legalidade.
2.2.2. SOMENTE LEI PODE CRIAR SANÇÃO
Esses preceitos constitucionais, de fato, visam impedir a concretização de pretensões do Executivo no sentido de disciplinar, por meios próprios e seguindo critérios arbitrários, a liberdade e a propriedade dos administrados, por meio da imposição de sanções ou penas pecuniárias fundamentadas em meros decretos ou outros atos regulatórios.
Só por meio de lei que se disciplina liberdade e propriedade, e só por meio de lei que se impõem penas e sanções, cumprindo aos Decretos do Poder Executivo, enfim, a exclusiva hipótese de regulamentação dos dispositivos legais.
Deste modo, resta evidente que uma multa já aplicada poderia ter o seu valor dobrado, ou mesmo triplicado (como no presente caso), ao longo do processo administrativo sancionatório, tão somente com supedâneo em lei em sentido estrito, pois, sem dúvida, trata-se de mais um período de até três anos. ”
Cabe aqui trazer qual é o entendimento do Professor Paulo de Bessa Antunes especificamente acerca do art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008, que trata do agravamento de multas administrativas em seu dobro ou triplo:
“O artigo ora em comento não encontra amparo na Lei 9.605/98 que, ao tratar das infrações administrativas limitou-se ao que consta dos arts. 70 e seguintes, nada dispondo sobre reincidência. Os arts. 6º até o 24 estabelecem medidas para aplicação de penas judiciais e não administrativas e, como é óbvio, não é possível a aplicação da analogia para a restrição de direitos. E mais, não é jurídico que se considere para fins de reincidência a data de emissão do auto de infração, haja vista que somente após a decisão administrativa é que se poderá considerar alguém como infrator da legislação ambiental, tal como ocorre com a aplicação da norma penal. (…) Relembre-se, todavia, que o já mencionado capítulo VI da Lei n. 9605/98 não trata do agravamento de penalidades administrativas, o que, em minha opinião, gera o mesmo vício de legalidade acima já comentado[4].”
Ou seja, a melhor doutrina aplicável às hipóteses dos autos deixa claro que o agravamento da sanção administrativa aplicado à Autora não encontra qualquer amparo legal!
2.3. AGRAVAMENTO DA MULTA APLICADO EM DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
Como visto, não há amparo legal para o agravamento da penalidade imposta à Autora, o que faz com que o auto de infração ambiental seja absolutamente ilegal. De um lado, o Decreto Federal 6.514/2008 trouxe previsão de agravamento de multa que não estava previsto na Lei Federal 9.605/98, em violação ao princípio da legalidade.
De outro, sequer pode ser aplicado o Decreto Federal 6.514/2008 ao caso concreto sem que seja ignorado o princípio da anterioridade, pois a suposta conduta que gerou o agravamento da multa ocorreu antes da sua edição.
Pois bem. As penalidades pecuniárias passíveis de agravamento são aquelas cujos autos de infração foram lavrados sob a égide do Decreto Federal 6.514/2008. Isto porque, em não se tratando de regra de natureza processual, mas com reflexo material substancial, não se pode cogitar de sua retroatividade para incidência a processos cujas infrações foram lavradas antes de sua edição.
De fato, o auto de infração ambiental foi lavrado antes da edição do Decreto Federal 6.514/2008, a qual ocorreu em 22 de julho de 2008.
Assim, o processamento das condutas que deram origem ao referido ato administrativo, anteriores à edição do Decreto Federal 6.514/2008, deve permanecer sob a égide da legislação anterior e, por óbvio, não deve ser possibilitada a imposição do instituto do agravamento das sanções ambientais à Autora, inclusive porquanto não encontra previsão na Lei Federal 9.605/1998.
2.3.1. INAPLICABILIDADE DO AGRAVAMENTO NO CASO
Em se tratando de lei de caráter material, a incidência de regramento posterior a fato ocorrido anteriormente à sua vigência fere o elementar princípio da anterioridade. Desta feita, o Decreto Federal 6.514/2008 não pode retroagir para ser aplicado em situações que aconteceram antes de sua edição:
Princípio da anterioridade – Analogamente ao preceito penal do nullum crimen, nulla poena sine lege, também não há infração administrativa nem sanção administrativa sem prévia estatuição de uma e de outra.
Assim, jamais se poderia penalizar um administrado por infração criada posteriormente à prática do ato administrado censurado, assim como também não se poderia aplicar sanção inexistente na ocasião da conduta censurada, ou mais enérgica do que as então existentes e só incrementada por norma posterior[5].
Deste modo, permitir a retroação dos efeitos do Decreto 6.514/2008 é uma clara e inconteste violação a um dos princípios que norteiam o direito administrativo: o princípio da anterioridade.
Ademais, além do princípio da anterioridade, nosso sistema jurídico rege- se também pelo princípio da irretroatividade das leis, resguardado tanto pelo art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República, quanto pelos arts. 2º e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não se admitindo que lei posterior retroaja para afetar situação ocorrida anteriormente à sua vigência.
Clara, portanto, a afronta ao princípio basilar da irretroatividade da lei, aplicável também em sede administrativa, bem como ao princípio da anterioridade, vez que se pretende aplicar o agravamento de sanções previsto na legislação.
Desse modo, a fim de que se salvaguardem princípios básicos de nosso ordenamento jurídico, resguardando-se, também, a segurança jurídica com que contam os cidadãos ante os atos praticados pelo Poder Público, faz-se necessário, na remota hipótese de se entender que o agravamento imposto pelo Decreto Federal 6.514/2008 possui previsão legal, que não seja aplicado ao caso concreto, uma vez que os atos aqui discutidos ocorreram 1 (um) ano antes à sua edição.
2.4. AGRAVAMENTO INAPLICÁVEL AO CASO CONCRETO, PORQUANTO DESFERIDO APÓS PROLAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA
Ainda que todos os argumentos acima trazidos sejam superados, o que se admite somente em respeito ao princípio da eventualidade, a aplicação do procedimento previsto no art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008 à espécie não implicaria o agravamento da penalidade decretada pelo Auto de Infração debatido.
Isso porque o próprio Decreto 6514/2008 veda a possibilidade de majoração da sanção após o julgamento da infração passível de agravamento.
Conforme se depreende das disposições legais versadas nos arts. 11 e 124, transcritos a seguir, a análise do agravamento deve ocorrer em momento anterior ao julgamento da Defesa Administrativa, e deve ser providenciada pela autoridade ambiental no bojo do procedimento da nova infração, o qual, por sua vez, deve estar instruído de cópia do AI anterior e cópia do julgamento que o confirmou.
2.4.1. MOMENTO DO AGRAVAMENTO DA MULTA AMBIENTAL
Para que não haja dúvidas, veja-se a seguir transcrição do que determinam os arts. 11 e 124 do Decreto Federal 6.514/2008 acerca da aplicação do agravamento para infrações nas quais já houve decisão administrativa:
Art. 11. O cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contados da lavratura de auto de infração anterior devidamente confirmado no julgamento de que trata o art. 124, implica:
I – aplicação da multa em triplo, no caso de cometimento da mesma infração; ou II – aplicação da multa em dobro, no caso de cometimento de infração distinta.
§1º O agravamento será apurado no procedimento da nova infração, do qual se fará constar, por cópia, o auto de infração anterior e o julgamento que o confirmou.
§2º Antes do julgamento da nova infração, a autoridade ambiental deverá verificar a existência de auto de infração anterior confirmado em julgamento, para fins de aplicação do agravamento da nova penalidade.
§3º Após o julgamento da nova infração, não será efetuado o agravamento da penalidade.
§4º Constatada a existência de auto de infração anteriormente confirmado em julgamento, a autoridade ambiental deverá:
I – agravar a pena conforme disposto no caput;
II – notificar o autuado para que se manifeste sobre o agravamento da penalidade no prazo de dez dias; e
III – julgar a nova infração considerando o agravamento da penalidade.
5º O disposto no § 3° não se aplica para fins de majoração do valor da multa, conforme previsão contida nos arts. 123 e 129.”
“Art. 124. Oferecida ou não a defesa, a autoridade julgadora, no prazo de trinta dias, julgará o auto de infração, decidindo sobre a aplicação das penalidades.
§1º Nos termos do que dispõe o art. 101, as medidas administrativas que forem aplicadas no momento da autuação deverão ser apreciadas no ato decisório, sob pena de ineficácia.
§2º A inobservância do prazo para julgamento não torna nula a decisão da autoridade julgadora e o processo.
§3º O órgão ou entidade ambiental competente indicará, em ato próprio, a autoridade administrativa responsável pelo julgamento da defesa, observando-se o disposto no art. 17 da Lei 9.784, de 1999.”
Somado à simples leitura dos referidos dispositivos, note-se que o caput do art. 11 supracitado faz referência clara ao art. 124 do mesmo diploma legal, também versado acima, para que não haja dúvidas acerca da necessidade de aplicação conjugada dos referidos dispositivos.
2.4.1. IMPOSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO APÓS O JULGAMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Nesse contexto, o art. 124 indica que o julgamento ao qual o art. 11 se refere é aquele que deve ocorrer em 30 (trinta) dias contados a partir do oferecimento da defesa pelo Autuado.
Em resumo: o Decreto Federal 6.514/08 não deixa a menor margem de dúvida de que é a decisão de primeira instância administrativa que gera a preclusão da análise a respeito de eventual agravamento da penalidade.
De fato, o agravamento da penalidade imposta no auto de infração ambiental foi formalizado mediante Notificação, quando já havia sido proferida a decisão administrativa de primeira instância, e estava pendente a análise do recurso hierárquico. Ou seja, o agravamento foi imposto 4 anos depois da decisão acerca da infração!
Portanto, a manifesta nulidade do agravamento da penalidade imposta contra a autora e, consequentemente, do auto de infração ambiental, reside no fato de que o agravamento em questão ocorreu claramente após o julgamento do processo administrativo relativo ao AI, ou seja, após a confirmação da própria penalidade que foi agravada, constituindo, portanto, medida absolutamente contrária ao que dispõe o Decreto Federal 6.514/2008 nos referidos arts. 11 e 124.
Resta certo, portanto, que no momento do agravamento da penalidade, o auto de infração ambiental que se pretendia agravar já tinha sido julgado e confirmado, não sendo possível, portanto, o seu agravamento, conforme determinação da própria legislação que rege a atuação do IBAMA!
Vale dizer, a despeito de ser flagrantemente contrária à regra prevista no Decreto 6.514/2008, essa possibilidade estendida de agravamento após a decisão de primeira instância administrativa era justificada à época pelo IBAMA com base na sua Instrução Normativa 14/2009 (que foi revogada em dezembro de 2012 e substituída pela Instrução Normativa 10/2012), a qual, nesse aspecto, desde já se suscita a sua ilegalidade.
2.4.2. REVOGAÇÃO DO AGRAVAMENTO
A pretexto de trazer disposições transitórias, a mencionada Instrução Normativa de 2009 ignorou o fato de que o Decreto Federal 6.514/2008 veda o agravamento de penalidades quando já tenha ocorrido a prolação de decisão administrativa em primeira instância[6], o que sem dúvidas não pode prosperar.
Uma norma publicada pelo IBAMA não pode, em nenhuma hipótese, ser dissonante do previsto no Decreto Federal 6.514/2008 que, justamente, regulamenta a sua competência administrativa para autuação e responsabilização ambiental dos eventuais poluidores e degradadores.
É, portanto, totalmente ilegal a disposição da já revogada Instrução Normativa IBAMA 14/2009, ao possibilitar o agravamento após decisão de primeira instância.
O agravamento de sanção ambiental administrativa após o seu julgamento (ato administrativo que ora se impugna), portanto, está em total desacordo até mesmo com o entendimento pessoal do Sr. Curt Trennepohl[7], ex-Presidente do IBAMA, autor da obra “Infrações contra o Meio Ambiente”:
“O §3º deste art. 11 traz uma importante inovação, que permite maior segurança jurídica ao administrado e, ao mesmo tempo, represente uma séria possibilidade de responsabilização do agente público menos atento. Se a autoridade competente, ao julgar um Auto de Infração lavrado com fulcro no Decreto 6.514/2008, proferir o julgamento sem verificar a existência de autuação anterior, mesmo aquelas lavradas com base no Decreto 3.179/99, não poderá mais aplicar o agravamento. Neste caso hipotético, é evidente que o servidor poderá ser responsabilizado pelo erro.”
Resta evidente que tal arbitrariedade – agravamento da penalidade sem fundamento e após o julgamento administrativo – não poderia ter sido cometida, razão pela qual pede a autora seja tal agravamento afastado, no bojo da procedência integral da demanda.
2.5. SUBSIDIARIAMENTE: AFASTAMENTO DO AGRAVAMENTO E DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS AMBIENTAIS, COM A REDUÇÃO DA MULTA APLICADA
Na remota hipótese de Vossa Excelência não acolher os robustos argumentos expostos acima que militam pela necessidade de declaração de nulidade do auto de infração ambiental, o que se admite apenas em observância ao princípio da eventualidade, espera-se que seja determinado o afastamento do infundado agravamento ilegal da multa de valor já estratosférico imposta à Autora.
Além disso, busca-se a anulação da obrigação de reparar os supostos danos ambientais, tendo em vista que a reparação não pode ser objeto de discussão em sede administrativa, somente na civil.
E por fim, busca-se a redução do valor da multa aplicada, considerando os erros de cálculo do IBAMA, que foram abordados em sede administrativa, e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
2.6. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DO AGRAVAMENTO DA MULTA
Como exposto, mesmo que se entenda pela manutenção do auto de infração ambiental ora vergastado, o agravamento da multa imposta pelo IBAMA não merece subsistir por 3 principais razões, devidamente fundamentadas ao longo dos subcapítulos acima.
Não custa relembrar que, de acordo com o princípio da legalidade (positivado pelo art. 5º, inciso II, da Constituição da República), é inaceitável que se criem novas obrigações/sanções/disposições se não em virtude de lei.
Assim, reconhece-se que a finalidade do Decreto Federal 6.514/2008, editado pelo Poder Executivo, é a de regulamentar as infrações e sanções administrativas relativas ao meio ambiente que já haviam sido apresentadas por meio da Lei Federal 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). É exatamente assim que majoritariamente entendem a doutrina e a jurisprudência.
Contudo, o que se verificou foi que o art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008 apresentou o instituto do agravamento de forma nova no ordenamento jurídico brasileiro, sem que este fosse previamente previsto em qualquer dos dispositivos da Lei Federal 9.605/1998, que sequer menciona a possibilidade de que houvesse incremento no valor da multa em razão de conduta reincidente.
Deste modo, a possibilidade de prever que uma multa já aplicada tenha seu valor dobrado – ou mesmo triplicado, como no presente caso – ao longo do processo administrativo sancionatório com base em mera determinação administrativa – dada a relevância do assunto – só poderia ser introduzida no ordenamento jurídico por lei em sentido estrito, e não por Decreto, pois se trata de verdadeira sanção! Logo, o agravamento da sanção administrativa ambiental aplicada à Autora não encontra qualquer amparo legal, representando, em verdade desrespeito ao princípio da legalidade.
2.6.1. NÃO APLICAÇÃO DO DECRETO 6.514/08 AO CASO
Além disso, o Decreto Federal 6.514/2008 sequer pode ser aplicado ao caso concreto, uma vez que a suposta conduta que gerou o agravamento da multa imposta por meio do auto de infração ambiental ocorreu antes da sua edição.
Assim é que, como o AI ora guerreado foi lavrado 1 (um) ano antes da edição do Decreto Federal 6.514/2008 (a qual ocorreu em 22 de julho de 2008), permitir a retroação dos seus efeitos para prejudicar a Autora configura inconteste violação aos princípios da anterioridade e da irretroatividade das leis.
E, ainda que os argumentos apresentados acima sejam superados, a aplicação do Decreto Federal 6.514/2008 não implicaria o agravamento da penalidade decretada pelo AI debatido. Isso porque, como visto, o próprio Decreto 6514/2008 veda a possibilidade de majoração da sanção após o julgamento da infração passível de agravamento.
De fato, o art. 124 do Decreto Federal 6.514/2008 indica que o julgamento ao qual o art. 11 se refere é aquele que deve ocorrer em 30 (trinta) dias contados a partir do oferecimento da defesa pelo Autuado.
Ou seja, o Decreto Federal 6.514/08 não deixa a menor dúvida de que é a decisão de primeira instância administrativa que gera a preclusão da análise a respeito de eventual agravamento da penalidade.
Como o agravamento da penalidade imposta no auto de infração ambiental foi formalizado mediante Notificação, quando já havia sido proferida a decisão administrativa de primeira instância, o agravamento foi imposto 4 (quatro) anos depois da decisão acerca da infração, o que não pode ser admitido com base na leitura conjunta dos arts. 11 e 124 do Decreto Federal 6.514/2008.
Resta certo, portanto, que no momento do agravamento da penalidade, o AI que se pretendia agravar já tinha sido julgado e confirmado, não sendo possível o seu agravamento, pois a própria legislação que deve reger a atuação do IBAMA assim determina.
Por essas razões, mesmo que se entenda que o AI não deve ser declarado integralmente nulo – o que não se espera -, pede-se que Vossa Excelência afaste ao menos o agravamento da multa imposta pelo referido ato administrativo, uma vez que absolutamente ilegal.
3. ANULAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS SUPOSTOS DANOS AMBIENTAIS
Conforme detalhadamente elucidado anteriormente, é medida de rigor que se entenda pela anulação da obrigação de reposição florestal para fins de reparação dos supostos danos ambientais, conforme indevidamente imposto pelo IBAMA em sede administrativa – por meio da Decisão Recursal.
Isso porque, conforme entendimento majoritário da Doutrina e jurisprudência, a responsabilidade administrativa tem caráter repressivo, estando intimamente relacionada à noção de reprovabilidade da conduta, isto é, à culpabilidade do pretenso infrator. De forma oposta, a responsabilização na esfera civil é a que possui o caráter reparatório.