Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da Vara Federal da Subseção Judiciária de…
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por seu advogado, à presença de Vossa Excelência, propor ação anulatória de auto de infração com pedido de tutela de urgência contra Parte ré, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões fáticas e jurídicas expostas nas linhas a seguir.
Resumo estruturado
A situação versa sobre processo administrativo ambiental, o qual foi instaurado em razão de notificação que determinava a apresentação de licença de operação, Cadastro Técnico Federal, saldo de estoque de madeira atualizado, notas fiscais e GFS de entrada e saída de produto e subproduto florestal.
Embora parcialmente cumprida a determinação, foi lavrado auto de infração pela suposta conduta de deixar de atender as exigências legais ou regulamentares, que resultou na aplicação de multa. Ao fim do processo administrativo, o órgão ambiental inscreveu o débito em Dívida Ativa e a remeteu para protesto em cartório.
Ocorre que, ao analisar o processo administrativo sancionador, é hialina a ocorrência do fenômeno da prescrição da pretensão punitiva pelo prazo penal, nos termos do que dispõe a Lei 9.873/99, razão pela qual padece de nulidade o auto de infração ambiental e sua respectiva multa.
1. Síntese dos fatos
A presente ação anulatória possui como finalidade a obtenção de reconhecimento de nulidade do auto de infração e, consequentemente, do processo administrativo que, homologado, resultou na aplicação de multa simples de exorbitante valor. Ainda, a dívida foi levada a protesto, conforme consta do caderno administrativo.
Em relatório de autuação, o agente de fiscalização que lavrou o auto de infração ambiental teria constatado que havia no pátio da empresa toras e madeira serrada, momento em que em contato com o “proprietário” foi realizada a solicitação, por meio da notificação, para apresentar no órgão ambiental licença de operação, cadastro técnico federal, saldo do órgão ambiental atualizado, notas fiscais e GFS de entrada e saída de produto e subproduto florestal.
Ocorre que, ao analisar o processo administrativo em questão, é possível verificar nitidamente a ocorrência da prescrição da pretensão punitivapelo prazo penal, em razão da ausência de ato inequívoco da administração que importasse na apuração do fato, entre a notificação da infração e a decisão homologatória de primeira instância.
Assim, o auto de infração e suas respectivas sanções merecem ser anuladas, conforme se verá adiante.
2. Da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita pelo prazo penal
Como já dito no tópico anterior, incide, no caso, a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, cujo prazo prescricional é de três anos nos termos do art. 109, VI, do Código Penal, conforme previsto no artigo 1º, § 2º, da Lei Federal 9.873/99 e artigo 21, § 3º, do Decreto Federal 6.514/08, porque a infração imputada à parte autora também configura o crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/08, equivalente criminal da infração administrativa prevista no artigo 80 do Decreto Federal 6.514/2008.
Com efeito, pelo princípio da legalidade, se houver identidade fática entre os ilícitos administrativo e penal imputados ao administrado, o prazo prescricional geral de cinco anos é afastado, na medida em que incidirá um dos incisos do artigo 109, do Código Penal, independentemente da instauração de procedimento investigatório ou processo criminal, considerando que a lei não traz ressalva alguma acerca de sua aplicabilidade, prevendo tão somente o dever legal de sua observância, e, por corolário, sua aplicação.
Pois bem. Encontra-se pacificada a jurisprudência no sentido de que a prescrição em processo administrativo, em se tratando de dívida ativa não tributária, objeto de auto de infração, sujeita-se ao prazo quinquenal previsto no artigo 1º da Lei 9.873/1999:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. […]
Atenção especial merece o § 2º do referido artigo segundo o qual, quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal, in verbis:
§2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Por sua vez, o Decreto 6.514/08 também determina que, quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. § 3º Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
O artigo 60 da Lei 9.605/1998 correspondente à infração administrativa em questão, dispõe que a pena máxima em abstrato é de 1 ano, assim, aplica-se o prazo prescricional de 4 anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, com redação dada pelo Decreto-Lei 2.848/1940, verbis:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: […]
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano;
Fixado o prazo prescricional para o caso em tela (3 anos), deve-se observar a ocorrência de alguma das causas interruptivas do prazo prescricional, em consonância com o art. 2º da Lei 9.873/99 e o artigo 22 do Decreto 6.514/2008. Segundo o art. 2º da Lei 9.873/99, são causas interruptivas da prescrição:
Art. 2º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
A redação do artigo 22 do Decreto 6.514/08 — que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações — é semelhante ao texto da Lei ut retro mencionada:
Art. 22. Interrompe-se a prescrição:
I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;
II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e
III – pela decisão condenatória recorrível.
Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo.
De fato, conforme se verá no tópico abaixo, no processo administrativo, após o recebimento do auto de infração e da cientificação do alegado infrator, transcorreu prazo superior ao previsto em lei penal, isto é, 3 anos, sem que tenha ocorrido qualquer ato inequívoco da administração que importasse apuração do fato.
Ressalta-se que, para configurar a interrupção da prescrição da ação punitiva, é preciso que o ato levado a efeito nos autos do processo administrativo tenha conteúdo relacionado à apuração do fato, ou seja, o ato processual deve implicar instrução do processo para que seja apto a cessar o prazo prescricional. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ATOS ADMINISTRATIVOS, AINDA QUE DE REGULAR TRAMITAÇÃO, QUE NÃO TENHAM REFLEXOS PARA A INSTRUÇÃO DO PROCESSO OU APURAÇÃO DO FATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE NÃO INTERROMPEM A FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSOS NÃO PROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. O Decreto nº 6.514/08, ao determinar como causa interruptiva da prescrição “qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato”, interpretado como “aquele que implique instrução do processo”, não tencionou incluir entre tais atos aqueles de mero encaminhamento, essencialmente burocráticos e sem qualquer valor para a “instrução do processo” ou “apuração do fato”. 2. Descabe considerar como marcos interruptivos da prescrição atos que, em verdadeira distorção da norma, ofereceriam a possibilidade de evitar a ocorrência da prescrição, por parte da Administração, através de atos protelatórios. (TRF-4 – AC: 5056330-70.2016.4.04.7000, Relator: ROGERIO FAVRETO, TERCEIRA TURMA, Data de Julgamento: 07/06/2022).