Modelo de ação declaratória de nulidade de ato administrativo contra o IBAMA que lavrou auto de infração ambiental pela utilização de carvão vegetal sem licença ambiental, aplicando multa ambiental em valor exorbitante e notificando a Autora para o pagamento da multa sem que ficasse comprovado a responsabilidade administrativa subjetiva pela infração.
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA VARA FEDERAL
AUTOR, pessoa jurídica de direito privado, vem, respeitosamente, à presença de V. Excelência, por meio de seus advogados, propor AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face de INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, autarquia federal, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS
O IBAMA lavrou contra a Autora auto de infração ambiental sob o fundamento de recebimento, para fins industriais, de carvão vegetal sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente.
A Autora apresentou, no âmbito do correspondente procedimento administrativo instaurado pelo IBAMA, onde demonstrou as irregularidades da lavratura e a necessidade de cancelamento do auto de infração ambiental. A defesa, porém, foi julgada improcedente.
Inconformada, a Autora interpôs recurso hierárquico, dirigido ao Presidente do IBAMA, o qual quando do julgamento, foi improvido, mantendo o auto de infração ambiental, aplicando multa ambiental em valor exorbitante e notificando a Autora para o pagamento da multa.
Ocorre que, é manifesta a ilegalidade do auto de infração ambiental, não restando alternativa à Autora senão o ajuizamento da presente ação anulatória do auto de infração ambiental, por meio da qual restará demonstrada a nulidade dos atos praticados pelo IBAMA.
2. ILEGITIMIDADE PARA RESPONDER PELA MULTA IMPOSTA NO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A exata dimensão do passivo ambiental deixado pela administração anterior, que estava à frente das operações quando do período compreendido pelo auto de infração ambiental em questão, só foi conhecida após a formalização da aquisição da empresa, graças à realização de uma due diligence superficial e falha à época da transação.
Pois bem. Conforme já amplamente demonstrado em sede administrativa, todas as infrações autuadas pelo IBAMA foram cometidas durante a vigência da antiga administração.
Por essa razão, é preciso destacar, ab initio, a diferença existente entre os conceitos de “transgressor” e “poluidor”, segundo os quais estabeleceu a legislação pátria dois âmbitos de punição, com requisitos e punições distintas.
Nos termos da legislação ambiental vigente, a aplicação e a execução das penas destinam-se aos transgressores, efetivos causadores dos danos ambientais, ao passo que os deveres de indenização e reparação ambiental, de caráter civil, são também imputados aos poluidores, assim entendidos como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”, independentemente da existência de culpa.
É o que se extrai do teor do caput e parágrafo 1º do art. 14 da Lei 6.938/81:
“Art 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I- à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.
II- à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
III- à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV- à suspensão de sua atividade.
§1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
2.1. JURISPRUDÊNCIA DO STJ PACIFICOU A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA COMO SUBJETIVA
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, estampado na ementa do REsp 1.251.697, de relatoria do I. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12 de abril de 2012:
“AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. (…)
Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[…]sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
O art. 14, caput, também é claro: “sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). (…)
Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. Recurso especial provido.”
2.2. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE INCONTROVERSA
No caso em tela, não há uma identidade entre o “transgressor” e o “poluidor”. Como dito em linhas anteriores, a infração – e respectivo auto de infração ambiental – foi cometido durante a antiga administração.
Assim, não há que se exigir da atual administração a aplicação e execução das penas impostas pelo IBAMA. Tal responsabilidade repousa, única e exclusivamente, sobre os ombros daqueles que estavam no comando da administração, ao qual está relacionada a suposta irregularidade constante do AUTOS DE INFRAÇÃO em questão.
Por outro lado, não se furtam ao dever de zelar pela reparação do dano ambiental assim verificado, tendo, inclusive, envidado enormes esforços no sentido de minimizar os efeitos nocivos da degradação ambiental.
E isso porque, a atual administração só pode ser legitimamente enquadrada no conceito de “poluidor”, na medida em que são indiretamente responsáveis pela reparação dos prejuízos provocados por atividade causadora de degradação ambiental, enquanto o papel de “transgressor” cabe, única e exclusivamente, à anterior administração.
Com isso, e tendo em mente a clara distinção dos âmbitos de punição ora explicitados, mister se faz o reconhecimento da procedência da presente demanda, em razão da ilegitimidade da Autora para responder às penalidades impostas pelos autos de infração ambiental em tela.
3. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA – PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Segundo disposição do art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei Federal 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regulamenta o processo administrativo em âmbito federal, o princípio da proporcionalidade é aquele que impõe “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
O que se entende neste aspecto é que toda e qualquer ação executada por um ente da Administração Pública, em qualquer nível de hierarquia ou função, deve sempre ser dotada de um norte de justiça e bom senso, imputando sempre ao administrado uma sanção razoável. Nesse sentido, Édis Milaré:
Como se vê, a violação do princípio da razoabilidade, no tocante à dosimetria da sanção por parte da autoridade administrativa, enseja o controle jurisdicional para a sua adequação, na medida em que os elementos que servem de parâmetro para gradação da pena acham-se regrados em lei.[1]
Não é preciso longa elucubração para se perceber que a lavratura de AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL referente ao suposto uso ilegal de carvão relacionado ao período de um ano completo, é conduta completamente fora dos padrões de prudência e sensatez que se poderia esperar da Administração Pública.
Analisando os dados apresentados, entende-se que merece ser reduzida a multa ambiental, fixando-se no valor proporcional e razoável, não obstante continue a também fazer frente à gravidade da conduta sancionada, já que, praticamente, corresponde ao valor aproximado de todo o lucro realizado pela empresa no ano da autuação, e mesmo assim antes da incidência do imposto de renda.
Sendo assim, em caráter subsidiário, tendo em vista a necessidade de readequação do valor da multa imposta, à luz do princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade da Administração Pública (art. 37, caput, CF/88), pede seja a presente demanda julgada procedente, com a consequente redução dos valores das penalidades indevidamente impostas.
4. DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
Como é cediço, o Novo Código de Processo Civil, em seu art. 300, prevê os seguintes requisitos para a concessão de tutela de urgência: (i) probabilidade do direito – fumus boni iuris; e (ii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo – periculum in mora.
Não se pode esquecer que, no jogo desses dois requisitos para a concessão do efeito suspensivo (o fumus boni juris e a urgência), conforme acima destacados, o juiz adote posições mais cautelosas em seu juízo sobre os perigos a debelar (periculum in mora) quando for tão tênue a demonstração do direito do demandante, que seja grande o risco de impor ao demandado certos constrangimentos ou restrições de direito, contra a ordem jurídica.
Mas, inversamente, é também natural que ele se sinta mais à vontade para conceder a medida urgente quando a probabilidade de existência do direito for extraordinariamente grande.
Com efeito, a verossimilhança das alegações da autora (fumus boni juris) já foi amplamente exposta ao longo da presente exordial e encontra respaldo no fato de que restou amplamente demonstrada a plausibilidade do direito invocado.
A esse respeito, reporta-se a todo o exposto nos capítulos anteriores, uma vez que a descrição dos fatos, a base legal, jurisprudencial e doutrinária pertinente, bem como os documentos acostados aos autos – inclusive cópia integral do processo administrativo, são mais que suficientes para confirmar a probabilidade do direito ora alegado.
Quanto ao risco de lesão grave e de difícil reparação, ou seja, o periculum in mora, também se faz claro e inequívoco na presente situação. Conforme consta das próprias notificações, o não pagamento das multas impostas implicará em sua inclusão no CADIN e consequentemente em graves restrições à realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos, concessão de incentivos fiscais e financeiros e celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos.