Modelo de petição para declaração de nulidade integral do auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental em razão dos vícios de legalidade e motivação por não preenchimento dos requisitos da responsabilidade administrativa previstos no Código Florestal de 2012.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DE
REQUERENTE, vem, por seu procurador regularmente constituído, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO em face da REQUERIDA, com fundamento nas razões de fato e de direito a seguir expostas, e conforme custas iniciais devidamente recolhidas.
1. DOS FATOS PARA A NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A Requerente objetiva a anulação do Auto de Infração com imposição de penalidade de multa ambiental, lavrado em razão de suposto uso não autorizado de fogo.
Assim, espera-se a declaração de nulidade integral do auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental em razão dos vícios de legalidade e motivação.
Para tanto, será demonstrado que não houve motivação hábil a comprovar a suposta conduta imputada à Requerente e qualquer liame em relação aos danos, o que inclusive configura violação a disposições do Código Florestal; e, que a fixação da multa se deu de forma ilegal, por desrespeitar os critérios legais de proporção e razoabilidade.
Outrossim, em sede de tutela provisória de urgência, a Requerente postula o provimento deste D. Juízo para suspender imediatamente a exigibilidade da multa que lhe foi indevidamente imputada.
Para tanto, junta-se apólice de seguro garantia judicial que se encontra em fase de emissão, em valor significativamente superior à multa imposta, na forma do que dispõe o art. 848, parágrafo único[1], do CPC, e será juntada no prazo de 5 (cinco) dias úteis contados a partir da distribuição da demanda, sob pena de revogação da tutela provisória de urgência.
2. DOS FATOS QUE ORIGINARAM O AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Cuidam os autos de ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental proposta em razão de suposto uso não autorizado de fogo na propriedade da Requerente.
O auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental foi lavrado porque o fogo supostamente teria atingido vegetação nativa, causando incômodos à população pela emissão de fumaça e fuligem para atmosfera.
Assim, com base em tal suposta conduta não comprovada, os agentes da Requerida decidiram multar a Requerente e impor sanção administrativa.
No entanto, o fogo que originou a autuação, começou em local externo à área de atuação da Requerente, muito próximo às margens da propriedade, local notadamente conhecido pela intensa movimentação de pessoas.
Além disso, a ocorrência se deu diante de condições climáticas que contribuíram para seu agravamento, fazendo com que fossem atingidas áreas de cultivo da fazenda, propriedade que conta com sistema de colheita mecanizada.
Tal fato e circunstâncias também podem ser constatados a partir da análise do Auto de Inspeção lavrado pela própria Requerida, que relata a existência de vegetação nativa atingida junto ao rio.
De fato, a Requerente atuou de forma extremamente diligente com seus diversos programas de prevenção e combate a incêndio, tomando todas as medidas cabíveis para evitar incêndios e para debelar eventuais focos acidentais.
Justamente por isso, é difícil compreender como os agentes fiscalizadores da Requerida poderiam chegar à conclusão de que a Requerente teria feito uso de fogo, causando uma série de graves prejuízos a si própria e antecipação prematura da colheita.
É nesse contexto que, esgotada a via administrativa, a Requerente se viu compelida a propor a presente ação para que, com fundamento nos argumentos aduzidos adiante, seja declarada a nulidade integral do auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental impugnada.
3. VIOLAÇÃO AO CÓDIGO FLORESTAL POR VÍCIO DE MOTIVAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO
Ainda que não se reconhecesse a nulidade dos autos de infração à luz da exposição carreada ao longo do capítulo anterior (hipótese que se considera apenas para argumentação), mesmo assim não teriam como prosperar as autuações vergastadas.
Isso porque, como restará cabalmente demonstrado a seguir, a imputação da referida infração à Requerente carece de requisito mínimo à sua subsistência, na medida em que os agentes fiscalizadores não motivaram seus atos administrativos no sentido de demonstrar a autoria da suposta infração, comprovando o liame entre a alegada conduta e o dano causado. Tal fato configura frontal violação a dispositivos do Código Florestal.
Como cediço, a Administração Pública está vinculada ao princípio da motivação, previsto tanto na legislação estadual sobre processo administrativo, quanto na federal (art. 2º da Lei Federal 9.784/1999[2]).
Segundo tal princípio, todo ato administrativo deve ser fundamentado, justificado e plenamente embasado, especialmente quando imponha sanções, conforme ensina a melhor doutrina[3].
Ocorre que, a despeito da necessidade de observância ao princípio da motivação, os processos administrativos pautaram-se única e exclusivamente na falsa premissa de que a Requerente teria feito uso de fogo.
Contudo, em nenhum momento foi trazida qualquer motivação hábil a confirmar essa premissa mediante comprovação da autoria da suposta infração, ou seja, mediante comprovação de como a Requerente teria, por uma conduta de sua parte, dado causa ao fogo.
E nem seria possível, posto que, como já demonstrado, o fogo se originou de fato alheio à vontade da Requerente, às margens de rio limítrofe à propriedade de atuação da Requerente que, sendo externa à área de atuação, é suscetível de interferência de terceiros, como se sabe da movimentação para fins de pesca. A Requerente, inclusive, sofreu uma série de prejuízos daí decorrentes.
3.1. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
Como já abordado, para que se configure a responsabilidade administrativa, é imperativo que exista uma conduta culpável do pretenso infrator e que esta conduta se subsuma a um tipo administrativo previamente estabelecido (responsabilidade subjetiva).
À luz do princípio da motivação, é óbvio que a existência desta conduta e sua subsunção (autoria e materialidade) devem ser comprovadas e demonstradas no ato administrativo sancionador.
Nesse sentido, a jurisprudência é pacífica, destacando-se abaixo alguns precedentes exemplificativos do E. TJSP, que demonstram a nulidade de atos administrativos mal fundamentados:
“Ação declaratória – Pedido de anulação de auto de infração ambiental – Caráter subjetivo da infração – Necessidade da indicação do infrator e de se descrever a conduta culposa ou dolosa – Diferenciação entre responsabilidade ambiental e responsabilidade civil ambiental administrativa
Auto de infração sem a devida descrição da autoria e do nexo de causalidade – Utilização da cana queimada não configura ilícito e nem infração ambiental – Precedentes da Corte e do STJ – Recurso provido. (…)
A propósito desse tema, cabe registrar – porque é oportuno – que no Estado de Minas Gerais a Advocacia-Geral do Estado, em consulta feita pela Superintendência de Controle Processual e Apoio Normativo, referente a responsabilidade administrativa ambiental, laborou substancioso parecer para concluir que a responsabilidade é subjetiva, afastando inclusive a solidariedade e a subsidiariedade, só respondendo quem pratica ato ou se omite no dever legal e quem concorre para a infração. (…)
O Parecer recomenda com todas as letras que os agentes tenham muito cuidado na lavratura de Autos de Infração, com a individualização do autor e de todos os que tenham concorrido, direta e indiretamente, para a prática da infração, descrevendo-se com clareza as circunstâncias em que ocorreu o fato constitutivo da infração, especialmente as indicações de envolvidos e os aspectos desse envolvimento.
Esse Parecer, é lógico, não vincula os agentes deste Estado de São Paulo, mas mostra o que já se vem decidindo nesta instância, sobretudo pela relatoria, que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva e não identificado o causador direto, não há como se dar validade e eficácia ao auto de infração.”[4]
Caso ainda assim restasse alguma dúvida quanto à necessidade de comprovação da relação de causalidade entre conduta e infração (autoria e materialidade), esta seria definitivamente sepultada com a mera leitura dos parágrafos 3º e 4º do art. 38 do Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012):
“§ 3º Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
§4º É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.”
Tais dispositivos do Código Florestal, cuja constitucionalidade foi expressamente reconhecida pelo E. STF[5], não deixam margem para interpretação, só existindo uma possível: a autoridade fiscalizadora deve comprovar o liame de causalidade entre a conduta do suposto infrator e o dano efetivamente causado.
3.2. PRESUNÇÃO DE AUTORIA QUE NÃO SERVE PARA APLICAR MULTA AMBIENTAL
Não basta a simples afirmação de que a Requerente teria feito uso de fogo, sabendo-se, inclusive, que a própria Secretaria de Meio Ambiente, ao analisar os fatos, reconheceu que a origem do fogo é desconhecida.
Afinal, não se pode anuir com um ato administrativo, ainda mais com aquele que possa vir a impor sanção, que não incorpore motivação explícita, hábil a comprovar e determinar tecnicamente a autoria da suposta infração.
A esse respeito, merece registro o art. 50, § 1º, da Lei Federal 9.784/1999[6], que revela a prerrogativa da qual dispõe o agente público que, com o fito de atender à necessária motivação explícita, pode recorrer a pareceres e informações anteriores.
Entretanto, só revela motivação explícita, exigida por lei, a declaração, no próprio ato administrativo, de concordância com tais pareceres e informações, sendo obrigatório que o agente, além de declarar sua anuência, faça juntar ao ato praticado aquele documento que deu subsídio à sua conclusão.
Nesse passo, o auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental poderia ter feito referência a elementos externos, como laudos técnicos, para comprovar como teriam chegado à conclusão de que o fogo teria resultado de conduta da Requerente.
3.3. JURISPRUDÊNCIA RECONHECE A NATUREZA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
As colendas Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça deste Estado de São Paulo já se manifestaram sobre a imprescindibilidade da demonstração da autoria e do liame de causalidade na imposição de sanções administrativas ambientais:
“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. MULTA AMBIENTAL. QUEIMA DA PALHA DA CANA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA IMPUTADA À EMPRESA AUTUADA. PROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. PREJUDICADO O APELO DA RÉ.
O ato administrativo goza, em princípio, de presunção de legitimidade e certeza. Uma vez refutado, abre-se a oportunidade de se comprovar a sua pertinência ou não, cumprindo ao agente público o ônus de provar a regularidade de seu proceder, nos termos do art. 333, II, do CPC.
Diante dos elementos dos autos, que não demonstram ter sido a autora responsável pelo incêndio em plantação de cana de açúcar, ou que tenha dele se beneficiado, de rigor a procedência da ação proposta, para a desconstituição do auto de infração.”
“MULTA AMBIENTAL. Catanduva. Execução Fiscal. Embargos. Dano ambiental. Destruição por fogo de 3,00 ha de vegetação rasteira (gramíneas), localizada em área de preservação permanente.
Infração ambiental. Sanção administrativa. As infrações tipificadas nos art. 26, ‘e’ e 27 da LF 4.771/65 e no art. 34, XI do DF 99.274/90 são comissivas. Inexistente qualquer demonstração de que o réu tenha de qualquer modo participado do incêndio ou se beneficiado dele, não há justa causa para a autuação e para a imposição da multa.
A imposição da sanção exige que se demonstre o nexo entre a conduta do infrator e o dano; não se confunde com a recomposição do dano, de natureza objetiva. (…)”[7]
3.4. AUTO DE INFRAÇÃO APLICADO COM BASE EM RELATOS DE TERCEIROS
No caso, contudo, o auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental apenas se limitou a fundamentar a autuação com base em relatos indiretos (não comprovados) fornecidos por suposta vizinhança local indeterminada (também sequer identificada) acerca de alegados incômodos gerados pela fumaça e fuligem decorrente do incêndio.
A referida fundamentação é insuficiente para manter hígida a autuação. Amplo espectro probatório demonstrado pela Requerente que acompanha a presente ação que evidenciam a origem desconhecida do fogo, o qual certamente não foi provocado por conduta imputável à Requerente.
Nesse contexto, conclui-se que a Requerente não incorreu em descumprimento de suas obrigações legais referentes às medidas de prevenção e combate ao fogo em áreas agrícolas, não havendo que se falar, portanto, em liame de causalidade relacionado com algum tipo de conduta omissiva.
Diante de tais esclarecimentos, como podem os agentes impor sanções sem se utilizarem de instrumento hábil a fundamentar a penalidade que pretenderam aplicar, lançando mão de “constatações” e afirmações vazias, contrárias a todos os elementos do caso concreto que demonstram a inexistência de responsabilidade da Requerente?
Está patente violação ao princípio da motivação resulta, inevitavelmente, na nulidade integral dos atos administrativos ora desafiados, por carência de elemento fundamental à sua constituição válida.
3.4. VÍCIO DE LEGALIDADE: INADEQUAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA
Sem prejuízo dos fatos e fundamentos já expostos, caso esse MM. Juízo entenda por não acolher os legítimos pedidos de anulação do auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental – o que se admite para fins de argumentação –, ainda que assim fosse, a via punitiva que se pretende aplicar é imprópria para a situação em tela.
Segundo disposição do art. 72 da Lei Federal 9.605/1998, as infrações administrativas ambientais são passíveis de punição com diversas sanções.
Ao tratar individualmente das espécies de sanções administrativas, a referida Lei Federal 9.605/1998 dispõe sobre a sanção de advertência, prescrevendo que esta será aplicada pela inobservância das disposições da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares (art. 72, § 2º).
Assim, constata-se que a advertência pode ser entendida como uma penalidade padrão a ser aplicada às infrações administrativas, não havendo qualquer condição ou pressuposto para sua incidência.
De outro lado, quando dispõe sobre a penalidade “multa simples”, o art. 72, § 3º, da Lei Federal 9.605/1998 é imperativo no sentido de exigir a ocorrência de negligência ou dolo[8] por parte do pretenso infrator para que a referida penalidade possa ser aplicada.
Igualmente, o Decreto Federal 6.514/2008, em seu art. 3º, § 2º, comanda que “a caracterização de negligência ou dolo será exigível nas hipóteses previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 72 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998”.
Nesse sentido, os dispositivos acima mencionados indicam que a aplicação da penalidade “multa simples” relaciona-se eminentemente com a configuração de culpa ou dolo por parte do infrator, em consonância com o já abordado caráter repressivo das sanções administrativas.
Ora, é indubitável que a simples observância dos fatos demonstra a não configuração das hipóteses de aplicação da penalidade multa simples, em particular porque sequer foi demonstrada qualquer conduta da Requerente no sentido de queimar palha de cana, que dirá uma conduta culpável.
Admitir a cominação de multa simples sem que se tenham verificado os pressupostos para sua aplicação significa frontal atentado ao princípio constitucional do devido processo legal e, em última análise, ao próprio princípio da legalidade. Nessas condições, impõe-se sua desqualificação para a penalidade de advertência, conforme ensina consolidada doutrina:
“(…) a demonstração, no caso concreto, da ausência de dolo ou culpa por parte do agente pode justificar a desclassificação da sanção para uma penalidade mais branda do que a que seria normalmente aplicada (…)