Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) Federal da Vara Federal da Subseção Judiciária de
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por seus advogados, à presença de Vossa Excelência, propor ação para autorização de guarda de animal silvestre com pedido de tutela de urgência contra Parte ré, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Da síntese dos fatos
A autora possui atualmente 54 anos de idade e há aproximadamente 18 (dezoito) anos ganhou um papagaio ainda filhote da raça “Papagaio verdadeiro” de um amigo, já falecido, e desde então criou e cuidou do “Lorinho”, como o animal é carinhosamente chamado pela autora e seus familiares.
Nesses 18 anos a autora e seus familiares criaram um grande vínculo afetivo com o mencionado animal, uma vez que “Lorinho” sempre foi considerado parte da família e por isso cresceu solto dentro da residência da autora por ser extremamente amoroso e carinhoso.
A família da autora é composta pelo seu marido bem como suas duas filhas, Jéssica atualmente com 28 anos e Fernanda com 32 anos de idade. Nota-se que ambas as filhas da autora cresceram com o animal, como um próprio ente da família.
Ocorre que há aproximadamente 50 dias o papagaio da autora fugiu de sua residência. Um vizinho o pegou e o entregou para a Polícia Ambiental de Araçatuba/SP. Após um dia, os policiais entregaram a ave para a Faculdade de Veterinária UNESP para prestar os devidos cuidados ao animal.
Quando a autora procurou informações na UNESP para reaver sua ave, foi surpreendida com a negativa de que não poderia ao menos ver seu animal/companheiro de tantos anos.
Excelência, o papagaio sempre recebeu os devidos cuidados enquanto encontrava-se na residência da autora, sempre foi alimentado de forma adequada e possuía bastante espaço para se locomover.
O animal sempre se portou extremamente confortável na presença da autora e seus familiares, demonstrando alegria diariamente através de canções, assobios e por chamar a autora pelo próprio nome.
A apreensão do animal causou um enorme abalo emocional na autora que possui receio de o animal não resistir tanto tempo longe de sua casa em um cativeiro.
Ademais, a manutenção do animal com a autora não traz riscos à espécie ou ao ecossistema, uma vez que a própria Lei do Meio Ambiente nº 9.605/1998 relativiza esse tipo de conduta em seu artigo 29, § 2º com o perdão judicial.
Cabe ao juiz o poder de não aplicar a pena no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não ameaçada de extinção. Portanto, mesmo a autora não possuindo autorização para criar seu papagaio em sua residência, é necessário considerar o tempo de convívio do animal com a autora (18 anos).
É evidente que após 18 anos de criação, há um vínculo afetivo estabelecido de ambas as partes, tanto da autora pelo animal como do próprio animal pela sua dona e família.
Nota-se que o papagaio sem dúvidas virá a óbito caso seja reinserido em seu habitat natural, por não ter mais condições de ser reinserido no meio ambiente e se tornará estressado e depressivo e sentirá profundamente a ausência da autora.
A finalidade da Lei Ambiental é a proteção do animal e de nenhuma forma o animal em tela estará protegido se for devolvido ao meio ambiente ou aprisionado em um zoológico.
O próprio STJ já entendeu em diversos precedentes que o direito à apreensão de qualquer animal não pode seguir exclusivamente a ótica da estrita legalidade.
Há provas de que o animal, quando convivia com a autora, estava em perfeito estado de saúde, sendo bem tratado e com todas as necessidades supridas. Com isso, em anexo, há rol de testemunhas/vizinhos que estão dispostos a afirmar como o animal era cuidado pela autora nos últimos 18 anos.
Portanto, requer seja concedida GUARDA DEFINITIVA DO PAPAGAIO VERDADEIRO “LORINHO” em favor da autora, por ser medida justa para ambas as partes, incluindo o animal e a preservação da fauna brasileira, uma vez que a separação definitiva de ambos poderá acarretar o óbito do animal.
2. Da tutela antecipada
A autora suplica pela concessão da tutela antecipada em obter o retorno de sua ave ao convívio doméstico, até o julgamento final da presente demanda, com receio pela não sobrevivência de seu tão querido “Lorinho”, em razão do grande lapso temporal que viveu com a autora, bem como a relação de confiança e carinho criado entre as partes por 18 anos.
Ademais, o fumus boni iuris e o periculum in mora encontram-se devidamente comprovados nos autos e serão amplamente confirmados pelos relatos das testemunhas arroladas ao final desta petição.
Por fim, a medida adotada contraria a razoabilidade do ato administrativo, já que o Estado pode, no momento da aplicação da Lei, ponderar se aquele ato é adequado e harmonioso ao contexto fático.
Em outras palavras, pondera-se se é razoável retirar um papagaio emocionalmente vinculado ao seu mantenedor, que goza de boa saúde, para deixá-lo enjaulado em local desconhecido, sem a menor referência de afeto, tudo para cumprir a letra fria da Lei?
É possível verificar em vários outros casos e em reportagens, que a demora em retomar a posse do animal acarreta sérios prejuízos, com iminente perigo de morte do animal.
Com isso, torna-se necessária a concessão COM URGÊNCIA DA TUTELA ANTECIPADA, a fim de que o animal seja protegido em seu real lar, com a autora.
Assim Excelência, pede-se que em caráter liminar, seja concedida inaudita altera parte, a tutela antecipada, deferindo a requerente a guarda do animal, nomeando-a como fiel depositária e autorizando a obter a sua posse direta, a fim de trazê-lo novamente ao ambiente doméstico com urgência .
3. Fundamentação jurídica
A guarda provisória do animal para a requerente é disciplinada no Decreto nº 3.179/1999 que expressa a possibilidade de manter um animal silvestre com particulares (fieis depositários) em caso de inviabilidade da soltura do animal em habitat natural.
Ademais, o CONAMA editou a Resolução 384/2006 evidenciando a natureza excepcional da medida, exigindo que reste comprovada a impossibilidade de atender às exigências previstas no artigo 2º, § 6º, inciso II, alíneas a e b do Decreto 3.179/1999, podendo a qualquer tempo ser revista.
Nesse sentido, o artigo 5º da mencionada Resolução dispõe:
Art. 5º Não existindo a possibilidade de retirar o animal da posse do autuado no ato da fiscalização, justificadas as razões para tanto, deverá ser lavrado Termo de Apreensão e Depósito em caráter emergencial e temporário, que não poderá ultrapassar quinze dias úteis, confiando-se ao depositário a integral responsabilidade pelo espécime apreendido, para que sejam viabilizadas as condições para a destinação adequada do animal pelo órgão ambiental competente.(…) omissis.
§ 3º. A lavratura do Termo de Depósito Doméstico Provisório de que trata o § 1º deste artigo estará sujeita à prévia avaliação, por técnico legalmente habilitado, sobre as condições de manutenção e o grau de dependência do animal com o ser humano.
O Decreto nº 3.179, de 1999, foi revogado pelo Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, o qual, em seu texto original, não mais previa a manutenção da guarda doméstica provisória de animais silvestres.
Foi com edição do Decreto nº 6.686, de 10 de dezembro de 2008, que a guarda doméstica foi novamente prevista no texto do Decreto nº 6.514, de 2008, restando, por conseguinte, autorizadas a aplicação das normas contidas na Resolução CONAMA nº 384, de 2006, acima expostas, uma vez que o próprio texto regulamentar faz expressa menção à observância aos regulamentos vigentes.
Art. 107. Após a apreensão, a autoridade competente, levando-se em conta a natureza dos bens e animais apreendidos e considerando o risco de perecimento, procederá da seguinte forma:
I – os animais da fauna silvestre serão libertados em seu hábitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações, entidades de caráter cientifico, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados, podendo ainda, respeitados os regulamentos vigentes, serem entregues em guarda doméstica provisória .
Entende-se que na aplicação das normas ambientais os princípios devem ser aplicados em favor do meio ambiente, ao invés de resguardar interesses estritamente privados. Aplica-se aqui o princípio da vida sustentável, o qual busca proteger todas as espécies de vida no planeta a fim de garantir qualidade de vida satisfatória ao ser humano.
Para ilustrar o entendimento acima, há alguns precedentes.
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE ANIMAL SILVESTRE EM CATIVEIRO. PAPAGAIO DE ESTIMAÇÃO EM CONVÍVIO COM OS DONOS HÁ MAIS DE 14 ANOS. ESPÉCIE NÃO AMEAÇADA DE EXTINÇÃO. BONS TRATOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA POSSE COM OS DONOS.
1. Apelação interposta pelo IBAMA em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para assegurar ao autor a posse de seu papagaio, bem como determinou ao IBAMA que procedesse às providências necessárias para regularização da guarda doméstica do animal pelo autor.
2. A legislação ambiental (art. 29 da Lei nº 9.605/98 e o art. 24, parágrafo 3º, III, do Decreto n. 6.514/2008) prevê a ocorrência de crime ambiental e infração administrativa no caso de guarda de animal silvestre sem a devida autorização do órgão ambiental competente.
3. O objetivo da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo a intenção do legislador guiar a interpretação do julgador nos casos em que se discute questão ambiental. Todavia, devem ser consideradas as suas peculiaridades: animal não está ameaçado de extinção; longo tempo de convivência com seus donos; bons tratos. Interpretação da norma ambiental de acordo com o princípio da razoabilidade, mantendo-se a guarda do animal com os seus donos ante as especificidades do caso concreto.
4. Apelação não provida. (PROCESSO: 00075004220104058100, AC556507/CE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 06/06/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 11/06/2013 – Página 363) ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. In casu, o Tribunal local entendeu ser “questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem-estar. Pelo tempo de vida doméstica e pela sua completa adaptação ao meio em que vive, difícil identificar qualquer vantagem em transferir a posse para um órgão da Administração Pública” (fl. 280, e-STJ). Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que o animal deveria continuar sob a guarda do recorrido, uma vez que era criado como animal doméstico. 2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais “que vivem naturalmente fora do cativeiro”, conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. 3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 345926 SC – 013/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 25/03/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2014).
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIOS ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 5.197/1997 E DO ART. 25 DA LEI 9.605/1998. INEXISTÊNCIA. 1. Hipótese em que o recorrido impetrou Mandado de Segurança contra a apreensão de dois papagaios que viviam em sua residência havia 25 anos. 2. O Tribunal de origem, após análise da prova dos autos, constatou que os animais foram criados em ambiente doméstico, sem indícios de maus-tratos, tendo consignado não se tratar de espécie em extinção. Dessa forma, concluiu que as aves deveriam continuar sob a guarda do impetrante, pois sua readaptação a outro local lhes seria danosa.
3. Inexiste violação do art. 1º da Lei 5.197/1997 e do art. 25 da Lei 9.605/1998 no caso concreto, pois a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Após 25 anos de convivência, sem indício de terem sido maltratados e afastada a caracterização de espécie em extinção, é desarrazoado determinar a apreensão de dois papagaios para duvidosa reintegração ao seu habitat. 4. Registre-se que, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.065/1998 expressamente prevê que, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.” 5. Recurso Especial não provido. (STJ – REsp: RS 2008/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 23/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2010).
O animal em tela considera a residência da autora como seu habitat natural há 18 anos!
O artigo 29 da Lei 9.605/1998 disciplina sobre a possibilidade de o juiz deixar de aplicar a pena em caso de guarda doméstica.
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
Com isso, é possível verificar que a própria lei prevê que no caso de guarda doméstica, o Juiz pode deixar de aplicar a pena, considerando as circunstâncias, bem como a não ameaça de extinção.
As circunstâncias narradas pela Lei estão diretamente ligadas à forma como o animal é tratado e como é inserido dentro do contexto familiar.
Como já mencionado, o “Lorinho” é um integrante da família da requerente e atualmente a sua ausência causa transtornos psicológicos, inclusive em razão de a autora não ter conhecimento de como o animal está.