EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA VARA FEDERAL DE…
ACUSADA, já qualificados nos autos, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados constituídos, apresentar ALEGAÇÕES FINAIS, nos autos da ação penal por crime ambiental, conforme os fatos e fundamentos a seguir expostos:
1. SÍNTESE PROCESSUAL
O Ministério Público Federal atribuiu à empresa acusada a prática dos crimes previstos nos arts. 48 e 64, caput, c/c art. 3, todos da Lei 9.605/98. Por estarem preenchidos os requisitos legais, o MPF ofertou a transação penal em favor da acusada e seu sócio, mas não foi aceita.
Em seguida, os denunciados foram então citados para responderem à acusação. As teses atinentes ao art. 397 do CPP foram rejeitadas, designando- se audiência de instrução e julgamento.
No ato, após oferecimento de defesa prévia e do recebimento da denúncia com relação a estes, foi-lhes proposta a suspensão condicional do processo sob as mesmas condições da transação penal. De igual forma, ante a discordância do Órgão Ministerial acerca da contraproposta, o sursis processual restou prejudicado.
Instruído o feito, com a oitiva das testemunhas de defesa e interrogatório dos acusados, as partes foram intimadas para a apresentação das alegações finais. O Ministério Público Federal, argumentou de modo genérico que houve comprovação dos fatos imputados aos réus. É o que cabe relatar.
2. PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO (art. 48 x art. 64)
De forma subsidiária, pelo princípio da eventualidade, argumenta- se ainda que, segundo entendimento já consolidado no TRF4, ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa.
Assim como no caso dos autos, ponderam os nobres julgadores que o crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime-fim de edificação proibida. Cabe citar as seguintes decisões da Sétima Turma:
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 39, 48, 63 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. CONSTRUIR EM LOCAL NÃO – EDIFICÁVEL. CORTAR ÁRVORES DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CRIME-MEIO. IMPEDIR A REGENERAÇÃO DA FLORA. PÓS-FATO IMPUNÍVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ART. 330 DO CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. DOLO NÃO COMPROVADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa. 2. O crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime- fim de edificação proibida. O crime de cortar árvores de floresta considerada de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida. Precedentes. 3. No tocante às imputações dos art. 63 e 64 da Lei de Crimes Ambientais e art. 330, CP, impõe-se a manutenção da sentença de absolvição, em observância ao princípio in dubio pro reo, uma vez que o conjunto fático-probatório deixa dúvidas quanto à autoria dos delitos[1].
No mesmo sentido:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO OPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA DECISÃO QUE APLICOU O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS CRIMES DO ART. 48 E 64 DA LEI N.º 9.605/98. 1. Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável. 2. O crime de destruir área de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir edificação em solo não edificável, sendo o crime-meio de destruição de vegetação absorvido pelo crime-fim de edificação proibida. 3. Descartada a possibilidade da configuração do concurso material entre os delitos tipificados nos artigos 48 e 64 da Lei n. 9.605/98, deve-se admitir a consunção entre os crimes do art. 48 e 64, quando o impedimento for diretamente resultante da construção (manutenção da obra), tornando-se o art. 48 um pós-fato impunível. 4. Recurso em sentido estrito desprovido[2].
2.1. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO É REGRA NA JURISPRUDÊNCIA
PROCESSO PENAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 38, 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. 1. Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa. 2. O crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime-fim de edificação proibida. O crime de destruir floresta considerada de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida. Precedentes. 3. Remanescendo a imputação tão somente em face do crime do art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê pena mínima de 06 (seis) meses de detenção, tal contexto, em tese, pode ensejar o oferecimento da suspensão condicional do processo ao réu, a depender do preenchimento dos demais requisitos legais, a serem avaliados por parte do Ministério Público Federal[3].
A Oitava Turma igualmente tem precedente a respeito do tema:
PENAL. ARTS. 38, 48 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO IMPLEMENTADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INCIDÊNCIA. DOLO NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. NULIDADE NÃO RECONHECIDA, DIANTE DA SOLUÇÃO CONFERIDA AO FEITO. 1. Prescrição da pretensão punitiva com base na pena concretizada não implementada, visto que não decorrido o prazo de 3 anos entre os marcos interruptivos. 2. Cabível a aplicação do princípio da consunção nas hipóteses em que a conduta de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente consistir em meio necessário à construção em solo não edificável ou no seu entorno, tipificada no art. 64 da Lei nº 9.605/98, delito que absorve, ainda, aquele previsto no art. 48 da Lei nº 9.605/98, que configura pós-fato impunível. 3. Tratando-se de área com anterior ocupação humana, contando com construções mais antigas e fornecimento de serviços públicos básicos, viável o reconhecimento de que o agente não agiu com consciência e vontade de praticar o delito tipificado no art. 64 da Lei nº 9.605/98. 4. Tendo em conta a solução conferida ao feito, não se reconhece eventual nulidade em função da ausência de oportunização do contraditório quando da apreciação dos embargos declaratórios opostos pela acusação na primeira instância. Aplicação do art. 282, §2º, do novo Código de Processo Civil e do art. 563 do Código de Processo Penal. 5. Concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, para reconhecer a absorção do delito tipificado no art. 48 pelo crime previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98. Apelação do MPF desprovida. Apelação defensiva provida. Absolvição com base no art. 386, III, do CP[4].
2.2. JURISPRUDÊNCIA NO TJSC SOBRE PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
Idêntica orientação é seguida pela Terceira Turma Recursal de Santa Catarina:
PENAL. AMBIENTAL. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. PRECEDENTE DESDE COLEGIADO. ART. 64 DA LEI N. 9.605/98. DOLO INEXISTÊNCIA. DEGRADAÇÃO ANTERIOR. INEXISTÊNCIA DE CRIME. 1. “(…) a conduta tipificada pelo art. 48 da referida Lei de Crimes Ambientais já se encontra inserida no art. 64, vez que a partir da construção em área de preservação permanente sem a devida autorização legal, por si só, decorre a ocorrência de danos para a regeneração da floresta e da vegetação nativa. Nesse sentido, conforme o princípio da consunção, a prática de dificultar ou impedir o crescimento da flora (art. 48), no caso concreto, encontra-se absorvida pelo ato de promover construção em solo não edificável. Tal fundamentação baseia-se em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a qual cito a seguir:
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR FLORESTA E O PÓS-FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
2. O crime de destruir floresta nativa e vegetação protetora de mangues dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa ou outra edificação em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.
3. Dá-se tipo penal único de incidência final (art. 64 da Lei n. 9.605/98), já em tese crime uno, diferenciando-se do concurso formal, onde o crime em tese é duplo, mas ocasionalmente praticado por ação e desígnio únicos.
4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1639723/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe Regional Federal da 4ª Região: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTS. 48 E 64 DA LEI 9.605/98. IMPEDIR OU DIFICULTAR A REGENERAÇÃO NATURAL DE FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO. PROMOVER CONSTRUÇÃO EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL. EXAURIMENTO. ABSORÇÃO. CONCURSO APARENTE DE NORMAS.
1. “Ocorre conflito aparente de normas quando há incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável”. Regra geral, não há “ação autônoma de destruir floresta ou de impedir sua regeneração, mas tão somente o ato de construir em local proibido, que tem, na destruição, condição necessária para a obra e, no impedimento à regeneração, mero gozo da casa construída”.
3. Assim, via de regra, o delito previsto no art. 64 absorve o crime do art. 48, ambos da Lei nº 9.605/98, por aplicação do princípio da consunção (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL ACR 4019 SC 2005.72.00.004019-1, Rel. TADAAQUI HIROSE, SÉTIMA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 20/05/2010).
Assim, da conduta do réu, de edificar obra em local de vegetação nativa sem licença ou aprovação da autoridade, já se presume, por ser local de área de preservação permanente, a ocorrência de prejuízos a flora existente. Desse modo, sendo o art. 48 absorvido pelo art. 64 da mesma lei, passo à análise restante quanto a este delito. 2. A licença/autorização é o elemento objetivo do tipo penal. Tal providência, inclusive, é necessária em qualquer tipo de área, seja ou não de preservação permanente. Não se pode concluir, portanto, que o fato de não ter sido requerida licença à municipalidade, resta caracterizado o dolo para prática de crime. 3. Se já havia ocupação pretérita, o solo já estava do que não subsiste a conduta criminosa imputada 4. Negado provimento à apelação[5].
Na presente hipótese, como o suposto impedimento à regeneração natural seria condição necessária para o ato de construir, o delito do art. 48 configura mero pós-fato impunível, sendo absorvido pelo art. 64. Consequentemente, há que se aplicar o contemporâneo entendimento ao caso em tela, a fim de se examinar, tão somente, a prática do crime- fim, previsto no art. 64 da Lei 9.605/98.
3. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL – ATIPICIDADE PENAL DO FATO
O Direito Penal constitui a mais rigorosa forma de controle social do Estado. Deve ser utilizado apenas quando não houver outro meio para solucionar o conflito e repreender o agente. Em outros termos, a pena é a ultima ratio do sistema.
O princípio da intervenção mínima decorre do caráter subsidiário e fragmentário da Ciência Criminal, que não deve se ocupar de fatos que podem ser resolvidos por outros ramos do direito.