Modelo de ação anulatória de auto de infração ambiental por violação à tipicidade e à reserva legal por multa aplicada em razão de queimadas e uso de fogo sem autorização.
EXMO (A) SR (A) DR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DE
REQUERENTE, pessoa jurídica de direito privado, qualificação completa, por seu advogado vem, à presença de V. Exa., propor a presente AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR VIOLAÇÃO À TIPICIDADE E À RESERVA LEGAL CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA com fulcro nos arts. 294, 497, 536, e seguintes do Código de Processo Civil, em face da REQUERIDA, órgão ambiental, pelos motivos que passa a expor
1. DOS FATOS E DA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A REQUERENTE é uma empresa dedicada à fabricação de etanol e açúcar a partir da industrialização da cana de açúcar, tendo sido alvo do auto de infração ambiental após a ocorrência de fogo na sua propriedade de autoria desconhecida que atingiu o canavial.
Através dos seus colaboradores, foi lavrado Boletim de Ocorrência na data dos fatos, relatando a ocorrência de fogo de autoria desconhecida e os prejuízos no local.
Ainda segundo o BOPM de lavra dos agentes de fiscalização militar que vistoriaram o local, constante dos autos, é possível aferir que o foco do incêndio teria se iniciado fora do plantio de cana de açúcar e não na própria.
Em que pese não terem identificado a autoria, os agentes de fiscalização lavraram em desfavor da REQUERENTE o auto de infração ambiental, no qual se descreveu a conduta da seguinte forma por danificar vegetação nativa secundária em estágio médio em área considerada de preservação permanente sem autorização do órgão competente.
A defesa administrativa foi apresentada, porém, indeferida, e os argumentos totalmente ignorados, e ainda triplicado o valor da multa em decorrência de reincidência específica.
Inconformada, a Requerente interpôs recurso administrativo de 2ª instância, que de igual forma, foi improvido, mantendo a autuação e o valor da multa imposta.
Esgotada a esfera administrativa, não restou outra alternativa à Requerente senão o ajuizamento da demanda objetivando declarar a nulidade do auto de infração ambiental por violação à tipicidade e à reserva legal, conforme passa a demonstrar.
2. DO DIREITO – NULIDADE DO AUTO POR VIOLAÇÃO À TIPICIDADE E À RESERVA LEGAL
Antes de penetrar propriamente na questão da violação à tipicidade para aplicação da sanção pecuniária em questão cumpre fazer breve discussão a respeito da similaridade entre os regimes do direito penal e do direito administrativo sancionador ambiental.
Os ilícitos ambientais são um evento único sobre qual se debruçará uma sanção administrativa com um regime jurídico próprio, mas como se pretende demonstrar no caso das sanções administrativas as regras de direito penal se aplicam de forma subsidiária:
A mais importante e fundamental consequência da suposta unidade de ius puniendi ao Estado é a aplicação de princípios comuns ao direito penal e ao direito administrativo sancionador, reforçando-se nesse passo algumas garantias individuais” (Fábio Media Osório. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 102.);
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora RECORRENTE por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
Explica o RECORRENTE – e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado – que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei 9.605/98 e 14 da Lei 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora RECORRENTE arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
Nas razões do especial, sustenta a parte RECORRENTE ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
2.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA SUBJETIVA
Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do RECORRENTE para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[…]sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
O art. 14, caput, também é claro: “[…]sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
Recurso especial provido” (STJ. Resp. nº 1.251.697 – PR. Rel. Min MAURO CAMPBELL MARQUES. Jul. 12/04/2012).
2.2. RESPONSABILIZAÇÃO AMBIENTAL SUBJETIVA DECORRE DA LEGISLAÇÃO
A Lei Federal 9.605/98, que traz o regime geral das infrações administrativas ambientais, justamente em seu art. 79, estabelece a possibilidade de aplicação subsidiária do direito penal.
Já o dispositivo básico da responsabilização administrativa ambiental como previsto no art. 72, da Lei Federal 9.605/98, prevê que as disposições penais relativas à gradação da pena criminal, constantes do próprio art. 6º do diploma, servem para a dosimetria das sanções administrativas ambientais.
Resta muito evidente a relação próxima que o direito penal e o direito administrativo ambiental possuem no trato que dão à apuração das infrações administrativas ambientais. Vigora ainda no direito administrativo sancionador o princípio da legalidade, como preceituam os arts. 5º, II e 37, da Constituição Federal, assim como 4º e 6º, II, da Lei Estadual 10.177/98:
Por tais motivos, a infração administrativa e a respectiva sanção devem ser criadas pelo órgão legislativo, composto por representantes da coletividade. (Rafael Munhoz de Mello. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 132).
A partir da necessidade que as infrações e as sanções sejam previstas em lei em sentido estrito surge o princípio da tipicidade como decorrente direto da legalidade, sobretudo na seara estadual paulista o art. 6º, II, da Lei 10.177/08 é expresso ao indicar que somente a lei pode criar sanções e infrações, situação distinta da que se tem pela frente em que há tipificação aberta em Resolução.
Pela tipicidade o comportamento proibido e a sanção a ele atrelada devem estar descritos de forma detalhada em lei para que o particular não seja surpreendido com a imposição de sanção por um comportamento que desconhecia ser proibido.
A tipificação das infrações e sanções administrativas visa ao final não permitir que a sua identificação e aplicação decorra do simples arbítrio do agente de fiscalização ambiental como ocorrido:
Portanto, o ilícito administrativo ambiental, cujo regime jurídico é de Direito Administrativo, submete-se ao princípio da legalidade e ao da tipicidade. (Heraldo Garcia Vitta. Responsabilidade Civil e Administrativa por Dano Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 152).
2.3. RESPONSABILIDADE DE NATUREZA SUBJETIVA
Alcançamos, então, a estrutura própria das infrações administrativas ambientais dada na forma da resolução que serviu de único parâmetro para a identificação das infrações e sanções pertinentes.
Como sabido a resolução se trata de norma infralegal, que não pode impor obrigações ao particular em hipótese alguma, falta no caso em tela, a indicação da previsão legal estrita que proíba a conduta e defina as sanções aplicáveis, circunstância que fulmina a validade dos autos de infração.
A resolução, sob pena de ferida ao princípio da legalidade não poderia trazer previsão de infração e sanção sem respaldo em lei anterior:
Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admitem-se resoluções individuais. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 166).
Conforme constou do corpo do auto de infração a indicação do artigo da resolução relativamente a geração de dano a florestas ou demais formas de vegetação natural ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão competente, quando exigível, ou em desacordo com a obtida.
Uma vez que não se pode falar em possibilidade de aprovação prévia de órgão ambiental competente para explorar ou danificar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies, pois tal situação não é autorizável.