Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) de Direito da Vara da Comarca de…
Tutela de urgência
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por intermédio de seu procurador, à presença deste Juízo, propor ação anulatória de auto de infração e termo de embargo ambiental em razão do exercício de atividade de subsistência com pedido de tutela de urgência inaudita altera pars contra a Parte ré, pessoa jurídica, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Dos fatos
Em 00.00.0000, através de fiscalização remota realizada pelo órgão ambiental fiscalizador, a parte autora foi autuada pelo órgão ambiental por supostamente destruir a corte raso de vegetação nativa em área objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente, entre o período de 00.00.0000 a 00.00.0000.
Na ocasião, foi lavrado o auto de infração, aplicando-lhe multa, bem como o termo de embargo ambiental com base no art. 70 da Lei Federal 9.605/1998 e art. 50 do Decreto 6.514/2008.
Ocorre que, diferentemente do que consta do auto de infração, a parte autora é considerada pequena produtora rural e realiza atividade de subsistência, consistentes na criação de bovinos e cultivo de lavoura, isso tudo juntamente com seus familiares, sendo certo que não é permitido o embargo das atividades de subsistência exercidas nas pequenas propriedades rurais.
Por fim, a parte autora apenas auxiliava sua família no desempenho da atividade de subsistência familiar, que se desenvolvia na pequena propriedade rural dela, mas não praticou o suposto dano ambiental.
Neste cenário, o auto de infração e o respectivo termo de embargo não correspondem com a realidade fática, motivo pelo qual devem ser anulados.
2. Da pequena propriedade rural – atividade de subsistência familiar – impossibilidade de embargar as atividades de subsistência na pequena propriedade rural
Consoante recibo do CAR que acompanha a presente inicial, nota-se que a propriedade rural autuada possui o total de… hectares, enquadrando-se, portanto, no conceito de pequena propriedade rural, descrito no art. 4º, II, a, da Lei 8.629/1993[1], já que sua área não ultrapassa 4 módulos fiscais.
Frisa-se que para o município em que localizada a referida propriedade, o tamanho de 1 módulo fiscal encontra-se fixado em 100 hectares. Deste modo, enquadra-se como pequena propriedade a área de até 400 hectares.
Não obstante, é certo que a parte autora explora a sua pequena propriedade rural na modalidade de agricultura familiar, nos termos do inc. V do art. 3º da Lei 12.651/2012, que assim conceitua como pequena propriedade ou posse rural familiar “aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006”. O referido dispositivo legal, por sua vez, assim dispõe:
Lei n° 11.326 – Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
O Decreto 9.064/2017 também regulamenta o empreendimento rural familiar e estabelece alguns requisitos para sua configuração:
Art. 3º A UFPA e o empreendimento familiar rural deverão atender aos seguintes requisitos:
I – possuir, a qualquer título, área de até quatro módulos fiscais;
II – utilizar, predominantemente, mão de obra familiar nas atividades econômicas do estabelecimento ou do empreendimento;
III – auferir, no mínimo, metade da renda familiar de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; e
IV – ser a gestão do estabelecimento ou do empreendimento estritamente familiar.
Assim, conforme a legislação de regência, é considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, utiliza mão de obra predominantemente familiar, pelo menos metade da renda familiar seja oriunda do próprio estabelecimento e o gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento é feito pelos integrantes da família.
Tais requisitos se amoldam perfeitamente ao caso ora apresentado, na medida em que a parte autora possui pequena propriedade, desenvolve nela as atividades de agricultura e pecuária, as quais são executadas por membros da sua família, que também são os responsáveis pelo gerenciamento da área, bem como a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda do núcleo familiar.
Registra-se que como na agricultura familiar a gestão da propriedade e a mão de obra nela utilizada é compartilhada pela família, não representa nenhum óbice o auxílio prestado por terceiros
Diversos são os documentos que comprovam a atividade rural do grupo familiar, estando anexos à presente inicial: filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais; declaração de exercício de atividade rural; outros documentos do Sindicato; comprovante de pagamento sindical de pequeno produtor rural; notas fiscais demonstrando a pequena venda de bovinos e de arroz; notas fiscais de aquisição de insumos e utensílios utilizados na atividade rural; declaração de aptidão ao PRONAF (DAP); fotos da família nas atividades do campo.
Consigna-se que os documentos comprobatórios estão, em sua maioria, em nome do autor, vez que a atividade era exercida em conjunto e ele representava a família nos momentos necessários, tomando frente da produção e da gestão do grupo familiar, por ter mais conhecimento nos trabalhos do campo.
Deste modo, caracterizado o exercício da agricultura familiar de subsistência na terra de posse da parte autora não há como se falar em embargo da área.
Isso porque o Código Florestal, ao dispor sobre o controle do desmatamento, estabeleceu no §1º do artigo 51 a impossibilidade de embargar área na qual é exercida atividades de subsistência:
Art. 51. O órgão ambiental competente, ao tomar conhecimento do desmatamento em desacordo com o disposto nesta Lei, deverá embargar a obra ou atividade que deu causa ao uso alternativo do solo, como medida administrativa voltada a impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada.
§ 1º O embargo restringe-se aos locais onde efetivamente ocorreu o desmatamento ilegal, não alcançando as atividades de subsistência ou as demais atividades realizadas no imóvel não relacionadas com a infração.
No mesmo sentido se posiciona a jurisprudência, de que o agente ambiental, ao aplicar a penalidade de embargo, deve excetuar as atividades de subsistência, em regime de economia familiar, em respeito aos institutos do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Vejamos:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE EMBARGO. ANULAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ÁREA DESMATADA. ÁREA DE SUBSITÊNCIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO STF. 1. O juiz sentenciante julgou a ação com base nos fundamentos jurídicos em relação à matéria posta em discussão, não ocorrendo julgamento extra petita, a análise por fundamentos diversos do adotado pelo réu. 2. A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo só poderá ocorrer quando for respeitada a área de reserva legal, áreas de preservação permanente, dentre outras exigências legais, todas aferidas quando da caracterização da área e detalhamento da atividade, em sede de licenciamento ambiental junto ao órgão competente, sem o qual será ilícita a supressão (inteligência do Código Florestal, em consonância com art. 225, § 4° da CF). 3. Lado outro, esta Corte Regional entende que o art. 16 do Decreto 6.514/08, ao regular a aplicação da medida de embargo pelo agente ambiental no ato da fiscalização dispondo que, no caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, ele embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, sujeitando-se os infratores às diversas penalidades previstas no ordenamento (multas, embargos, interdições, restrições das atividades etc), deve-se excetuar as atividades de subsistência, em regime de economia familiar, em respeito aos institutos do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Desse modo, cuidando-se de pequena propriedade destinada a atividade rural de subsistência, é indevido o embargo (TRF1 AI, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, DJ de 20/04/2020). […] 5. Apelação do IBAMA não provida. (TRF1 – AC 0007750-50.2016.4.01.3000, JUÍZA FEDERAL LUCIANA PINHEIRO COSTA (CONV.), SÉTIMA TURMA, PJe 11/05/2021).
[1] Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: II – Pequena Propriedade – o imóvel rural: a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento.