Ação Anulatória de auto de infração ambiental lavrado por agentes de fiscalização ambiental por suposto uso não autorizado de fogo e destruição de vegetação nativa. Violação ao Código Florestal e ausência de motivação.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREI VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE
Requerente, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, propor a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR USO DE FOGO E QUEIMADAS contra a Requerida, o que faz com fundamento nas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. SÍNTESE DOS FATOS
Trata-se de ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental lavrado por agentes de fiscalização ambiental em razão de suposto uso não autorizado de fogo e destruição de vegetação nativa.
Diante disso, foi lavrado o Auto de Infração Ambiental em decorrência de suposto uso de fogo não autorizado em áreas agropastoris; e o Auto de Infração Ambiental por danificar vegetação nativa mediante emprego de fogo, em área considerada de preservação permanente – APP.
Da análise dos procedimentos, verifica-se que, em duas oportunidades distintas, é apontado o início do foco do incêndio, com a indicação de duas coordenadas próximas uma da outra, mas não há qualquer motivação nos autos de infração ambiental, o que viola disposição expressa do Código Florestal.
Portanto, diante da ilegalidade das autuações, a Requerente propôs a presente ação para que seja declarada a nulidade dos Autos de Infração Ambiental, conforme passa a demonstrar.
1.1. VIOLAÇÃO EXPRESSA AO CÓDIGO FLORESTAL DECORRENTE DO INAFASTÁVEL VÍCIO DE MOTIVAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO
Como se verá, os agentes de fiscalização ambiental da Requerida não motivaram os atos administrativos no sentido de efetivamente demonstrar a autoria da infração, comprovando o liame entre a alegada conduta e o dano, o que configura violação expressa ao Código Florestal.
Como cediço, a Administração Pública está vinculada ao princípio da motivação, previsto tanto na legislação sobre processo administrativo (art. 2º da Lei Federal 9.784/1999[1]). Segundo tal princípio, todo ato administrativo deve ser fundamentado, justificado e plenamente embasado, especialmente quando imponha sanções.
Ocorre que, a despeito da necessidade de observância ao princípio da motivação, os processos administrativos se pautaram na incorreta premissa de que a Requerente deve ser responsabilizada de forma objetiva pelo incêndio porque seria a responsável pelo local.
Contudo, em nenhum momento foi trazida qualquer demonstração da autoria da suposta infração, ou seja, como a Requerente teria, por uma conduta de sua parte, dado causa ao fogo.
E nem seria possível, posto que, como já demonstrado, o fogo só pode ter se originado de fato alheio à vontade da Requerente, às margens de rio que conta com alta movimentação de pescadores e visitantes. A Requerente, inclusive, sofreu uma série de prejuízos daí decorrentes.
Como já abordado, para que se configure a responsabilidade administrativa, é imperativo que exista uma conduta culpável do pretenso infrator e que esta conduta se subsuma a um tipo administrativo previamente estabelecido (responsabilidade subjetiva).
À luz do princípio da motivação, é óbvio que a existência desta conduta e o liame causal entre a efetiva conduta culposa da parte e o dano (autoria e materialidade) devem ser comprovados e demonstrados no ato administrativo sancionador.
1.1.1. JURISPRUDÊNCIA SOBRE QUEIMADAS E USO DE FOGO
Nesse sentido, a jurisprudência pátria é pacífica, destacando-se abaixo alguns precedentes exemplificativos, que demonstram a nulidade de atos administrativos que não demonstram o liame de causalidade entre a conduta e o dano:
Ação declaratória – Pedido de anulação de auto de infração ambiental – Caráter subjetivo da infração – Necessidade da indicação do infrator e de se descrever a conduta culposa ou dolosa – Diferenciação entre responsabilidade ambiental e responsabilidade civil ambiental administrativa – Auto de infração sem a devida descrição da autoria e do nexo de causalidade – Utilização da cana queimada não configura ilícito e nem infração ambiental – Precedentes da Corte e do STJ – Recurso provido. (…)
A propósito desse tema, cabe registrar – porque é oportuno – que no Estado de Minas Gerais a Advocacia-Geral do Estado, em consulta feita pela Superintendência de Controle Processual e Apoio Normativo, referente a responsabilidade administrativa ambiental, laborou substancioso parecer para concluir que a responsabilidade é subjetiva, afastando inclusive a solidariedade e a subsidiariedade, só respondendo quem pratica ato ou se omite no dever legal e quem concorre para a infração. (…)
O Parecer recomenda com todas as letras que os agentes tenham muito cuidado na lavratura de Autos de Infração, com a individualização do autor e de todos os que tenham concorrido, direta e indiretamente, para a prática da infração, descrevendo-se com clareza as circunstâncias em que ocorreu o fato constitutivo da infração, especialmente as indicações de envolvidos e os aspectos desse envolvimento.
Esse Parecer, é lógico, não vincula os agentes deste Estado de São Paulo, mas mostra o que já se vem decidindo nesta instância, sobretudo pela relatoria, que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva e não identificado o causador direto, não há como se dar validade e eficácia ao auto de infração.
1.1.2. JURISPRUDÊNCIA ANÁLOGA AO CASO CONCRETO
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. MULTA AMBIENTAL. QUEIMA DA PALHA DA CANA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA IMPUTADA À EMPRESA AUTUADA. PROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. PREJUDICADO O APELO DA RÉ.
O ato administrativo goza, em princípio, de presunção de legitimidade e certeza. Uma vez refutado, abre-se a oportunidade de se comprovar a sua pertinência ou não, cumprindo ao agente público o ônus de provar a regularidade de seu proceder, nos termos do art. 333, II, do CPC.
Diante dos elementos dos autos, que não demonstram ter sido a autora responsável pelo incêndio em plantação de cana de açúcar, ou que tenha dele se beneficiado, de rigor a procedência da ação proposta, para a desconstituição do auto de infração.
RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO AMBIENTAL. ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. QUEIMA DE PALHA DE CANA- DE-AÇÚCAR SEM AUTORIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL.
Trata-se de ação ordinária ajuizada por usina que atua no cultivo de cana-de-açúcar pretendendo obter a anulação de três autos infracionais contra ela lavrados por ofensa à Resolução 48/2014 da Secretaria do Meio Ambiente.
Cuidando-se de responsabilidade administrativa por infração ambiental, evidenciada pela aplicação da Resolução SMA n.º 48/2014, adota-se, para o caso concreto, a teoria da responsabilidade subjetiva, na esteira do entendimento jurisprudencial do E. STJ, segundo o qual “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”, demonstrações estas não evidenciadas de forma cabal no caso em testilha. Sentença de improcedência do pedido reformado. Recurso provido.
Caso ainda assim restasse alguma dúvida quanto à necessidade de comprovação da relação de causalidade entre conduta e infração (autoria e materialidade), esta seria definitivamente sepultada com a mera leitura dos parágrafos 3º e 4º do art. 38 do Código Florestal:
§3º Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
§4º É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
1.1.3. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Tais dispositivos do Código Florestal, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo E. STF[2], não deixam margem para interpretação: a autoridade fiscalizadora deve comprovar o liame de causalidade entre a conduta do suposto infrator e o dano efetivamente causado.
Logo, não basta a simples afirmação de que a Requerente teria feito uso de fogo ou dele se beneficiado. Afinal, não se pode anuir com um ato administrativo, ainda mais com aquele que possa vir a impor sanção, que não incorpore motivação explícita, hábil a comprovar e determinar tecnicamente a autoria da suposta infração.
A esse respeito, merece registro o art. 50, § 1º, da Lei Federal 9.784/1999[3], que revela a prerrogativa da qual dispõe o agente público que, com o fito de atender à necessária motivação explícita, pode recorrer a pareceres e informações anteriores.
Nesse passo, os autos de infração ambiental poderiam ter feito referência a elementos externos, como laudos e pareceres técnicos, para comprovariam como teriam chegado à conclusão de que o fogo teria resultado de conduta da Requerente, o que não se verificou.
Por fim, é preciso esclarecer que, equivocadamente, os agentes da Requerida afirmam nas decisões de 1ª instância administrativa que o liame causal entre a conduta da Requerente e o incêndio estaria configurado pura e simplesmente porque a Requerente é responsável legal pela propriedade.
No entanto, como visto, esse tipo de responsabilização objetiva só seria admitido no âmbito civil e, evidentemente, não é motivação suficiente para a lavratura de autos de infração.
Além disso, alega a Requerida nas decisões administrativas, de forma extremamente simplificada e inverídica, que, se o fogo se alastrou, as condições preventivas e combativas à incêndios da Requerente não teriam sido suficientes.
Todavia, tal argumentação também não pode ser aceita, pois carece de qualquer fundamento concreto que demonstre que a Requerente teria dado causa ao fogo.
Nesse contexto, conclui-se que a Requerente não incorreu em descumprimento de suas obrigações referentes às medidas de prevenção e combate ao fogo em áreas agrícolas, não havendo que se falar, portanto, em liame de causalidade relacionado com qualquer tipo de conduta de sua parte.
Diante de tais esclarecimentos, não podem os agentes impor sanções sem se utilizarem de instrumento hábil a fundamentar a penalidade que pretenderam aplicar, fazendo afirmações vazias, contrárias a todos os elementos do caso concreto que demonstram a inexistência de responsabilidade da Requerente.
Esta patente violação ao princípio da motivação resulta, inevitavelmente, na nulidade integral dos atos administrativos ora desafiados, por carência de elemento fundamental à sua constituição válida, como dispõe o art. 8° da já mencionada Lei Estadual 10.177/1998[4].
1.2. VÍCIO DE LEGALIDADE NA EQUIVOCADA MAJORAÇÃO DAS MULTAS POR REINCIDÊNCIA
Cabe consignar que as multas aplicadas foram majoradas ao dobro ao longo dos processos administrativos, aparentemente sob o pretexto de que teria ocorrido reincidência.
Entretanto, tal majoração ignorou as disposições normativas aplicáveis, incorrendo em vícios que resultam na nulidade dos autos de infração ambiental ou, ao menos, na invalidação da majoração, caso se entenda que as autuações não devem ser integralmente anuladas.
As multas somente podem ser agravadas em razão de reincidência quando a autuação anterior já tiver sido confirmada por decisão administrativa transitada em julgado (i.e., irrecorrível).
Também é necessário, para fazer prova de tal condição, que se junte ao processo administrativo posterior as cópias do auto de infração ambiental anterior e do respectivo julgamento que o confirmou.