Modelo de ação anulatória de auto de infração por ausência de responsabilidade administrativa ambiental que é subjetiva – ou seja, a condenação administrativa por dano ambiental exige demonstração de que a conduta tenha sido cometida pelo transgressor, além da prova do nexo causal entre a conduta e o dano. Inexistindo esta prova, é insubsistente o auto de infração, impondo-se seja reconhecida a nulidade.
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, vem, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 52, parágrafo único[1]; 294[2]; e 300[3], todos do novo Código de Processo Civil, propor a AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO – AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL com pedido de tutela provisória, inaudita altera parte, contra ÓRGÃO AMBIENTAL, o que faz com base nas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Autora pretende com a presente demanda, a declaração de nulidade dos atos inerentes ao Processo Administrativo instaurado pelo órgão ambiental, em especial do Auto de Infração com Imposição de Penalidade de Advertência do Auto de Infração com Imposição de Penalidade de Multa, bem como das exigências técnicas impostas por meio de ambas as autuações.
Os fundamentos que acarretam a nulidade do auto de infração com imposição de penalidade de advertência e do auto de infração com imposição de penalidade de multa são robustos e estão pautados na ausência de responsabilidade da Autora quanto às contaminações constadas em propriedade de terceiros, antigo local de destinação final de resíduos, porquanto jamais dispôs resíduos industriais de forma a concorrer para a contaminação com metais no solo do local.
Como se verá, a suposta disposição inadequada de resíduos ocorreu diretamente pela empresa responsável pelo recebimento de resíduos de terceiros para destinação ou disposição final.
Por essas estruturais razões, a autora confia na concessão de tutela de urgência por este MM. Juízo para suspender imediatamente a eficácia das decisões administrativas proferidas no âmbito do auto de infração com imposição de penalidade de advertência e do auto de infração com imposição de penalidade de multa e, com isso, a exigibilidade da referida multa e das exigências técnicas que lhe foram indevidamente impostas.
De igual modo, requer o afastamento da hipótese de inscrição do valor da multa em dívida ativa CADIN, com a consequente execução dos débitos e toda a sorte de dificuldades e prejuízos que decorrem de tal situação, bem como, de qualquer outro processo/procedimento administrativo (tal como novo auto de infração com imposição de penalidade de multa, por exemplo) relacionado ao presente caso. Tudo até a solução do mérito da demanda.
2. SÍNTESE DOS FATOS
As providências adotadas pelo órgão ambiental de forma indevida e equivocada em relação à Autora, a respeito da existência de suposta contaminação em imóvel que, por força de suas atividades, recebia resíduos de terceiros para destinação ou disposição final e que jamais foi de propriedade da Autora.
Inicialmente, a empresa – que não possui qualquer vínculo ou relação de fato ou jurídica com a Autora – foi apontada como responsável pela referida suposta contaminação por ter enviado resíduos ao Imóvel, cujas respectivas embalagens com emblemas foram posteriormente encontradas no local pelo órgão ambiental.
Ocorre que, conforme se verá adiante, os resíduos vinculados à autora por força do referido Inventário de Resíduos eram inertes, ou seja, incapazes de gerar qualquer hipótese de contaminação.
Tal Inventário de Resíduos, em verdade, apenas demonstra a incontestável transparência e idoneidade da Autora quanto às providências adotadas no bojo do gerenciamento dos resíduos sólidos por ela gerados, conduta que ainda é rara nos dias de hoje.
Não obstante, o órgão ambiental lavrou contra o auto de infração com imposição de penalidade de advertência questionado na presente ação, e impondo a necessidade de se realizar investigação detalhada e avaliação de risco, bem como de se adotar as medidas de intervenção aplicáveis.
A autora, diante do referido auto de infração com imposição de penalidade de advertência, apresentou tempestiva e contundente Defesa Administrativa com base na ausência de qualquer indício de conduta infratora que pudesse culminar na aplicação de sanções por força da responsabilidade ambiental subjetiva administrativa, e, com isso, na clara inexistência de qualquer hipótese de responsabilidade com relação à suposta contaminação.
Para a surpresa da autora, e à revelia de todos os sólidos e contundentes argumentos apresentados, a Defesa Administrativa fora indeferida sem qualquer embasamento técnico e, o órgão ambiental lavrou o auto de infração com imposição de penalidade de multa, também questionado na presente ação, impondo multa pecuniária e mantendo as exigências técnicas contidas no auto de infração com imposição de penalidade de advertência.
2.1. DEFESA ADMINISTRATIVA INDEFERIDA SEM MOTIVAÇÃO
Ato contínuo, a Autora apresentou defesa administrativa também contra o auto de infração com imposição de penalidade de multa e, mais uma vez, a órgão ambiental, sem qualquer embasamento técnico e ignorando a natureza subjetiva da responsabilidade ambiental administrativa, proferiu decisão de indeferimento.
A autora, inconformada e duramente prejudicada de forma ilegal e injusta pelo órgão ambiental, apresentou, tempestivamente, Recurso Administrativo protestando pelo afastamento definitivo de todas as sanções e cominações a ela impostas sem qualquer fundamento fático ou jurídico.
Adicionalmente, a autora apresentou nos autos do Processo Administrativo cópia da Análise Técnica elaborada pela empresa de consultoria técnica, cuja reputação e idoneidade são notórias no mercado ambiental.
Referida Análise Técnica foi devidamente recepcionada pelo órgão ambiental, a qual estabeleceu, inclusive, que seu conteúdo deveria ser apreciado pelo departamento competente.
De se pontuar que o Parecer que embasou a decisão de indeferimento, consignou, inclusive, que a área técnica deveria ter avaliado a Análise Técnica, o que como cediço foi flagrantemente ignorado.
É nesse contexto que, esgotada a via administrativa e considerando que todas as autuações versam sobre as mesmas circunstâncias, a autora não teve alternativa que não se socorrer deste MM. Juízo para, com fundamento nos incontestáveis argumentos aduzidos adiante, alcançar a nulidade dos atos inerentes ao processo administrativo.
Essa nulidade está ampara, em especial, no fato de que inexiste responsabilidade administrativa da Autora, uma vez que qualquer suposto armazenamento/acondicionamento inadequado de resíduos e suposta contaminação decorreram de FATOS DE TERCEIRO, excludente que afasta os imprescindíveis elementos volitivo e subjetivo necessários à legal imputação de responsabilidade administrativa, como passa a demonstrar.
3. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA INFRATORA – NATUREZA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL
Conforme já abordado, as infrações equivocadamente imputadas à Autora não guardam qualquer relação com as suas condutas em si, uma vez que a autora jamais dispôs resíduos industriais de forma a concorrer para a contaminação com metais no solo do local.
É incontroverso que a suposta disposição inadequada de resíduos ocorreu diretamente por terceiro, sendo exclusivamente sua, portanto, a conduta infratora passível de sanção na esfera administrativa.
Contudo, a órgão ambiental, valendo-se de procedimento notadamente questionável, desconsiderou esses fatos que estavam claramente pontuados no Inventário de Resíduos (dotado de transparência e boa-fé) e, desde então, vem tentando impor a “qualquer um” a solução do suposto passivo a fim de sanar a questão.
Veja-se, a esse respeito, que o órgão ambiental sequer sopesou, na decisão final do Recurso Administrativo, o conteúdo da Análise Técnica que lhe fora apresentada e que teria o condão de alterar a conclusão e desfecho do mencionado recurso.
A Autora não concorreu com qualquer conduta para a suposta contaminação, a qual, por sua vez, decorre de evidente FATO DE TERCEIRO.
Tal constatação, por si só, já é capaz de afastar a responsabilização administrativa que a Ré tenta incessante e injustamente imputar à autora, pois, como se demonstrará a seguir, não é verdade que a responsabilidade ambiental na esfera administrativa teria natureza objetiva, como quer a órgão ambiental proceder.
3.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA É SUBJETIVA
A responsabilidade em matéria ambiental tem fundamento na Constituição da República que, em seu art. 225, § 3º, estabelece que “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Assim, há previsão de responsabilização ambiental em três esferas distintas: civil, penal e administrativa.
Especificamente no que diz respeito à responsabilidade ambiental na esfera administrativa, é imperativo que exista uma conduta (ação ou omissão) por parte do pretenso infrator, na forma da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/98, art. 70[4]), do Decreto Federal de Infrações Administrativas Ambientais (Decreto Federal 6.514/08, art. 2º[5]).
Nesse sentido, considerando que o que se busca é a punição de infratores por condutas ilícitas lesivas ao meio ambiente, não há dúvidas de que a responsabilidade administrativa ambiental tem natureza repressiva, estando intimamente relacionada à noção de reprovabilidade da conduta, isto é, à culpabilidade do pretenso infrator, conforme a mais abalizada doutrina[6] de Direito Ambiental.
3.2. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA QUANTO À NATUREZA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE
No mesmo sentido caminha a jurisprudência pátria, merecendo destaque as considerações do Exmo. Des. Torres de Carvalho, integrante da C. Câmara Reservada ao Meio Ambiente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como os recentes e reiterados julgados do C. Superior Tribunal de Justiça e da aludida Câmara Reservada ao Meio Ambiente:
O art. 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, dispondo no § 3º que ‘as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados’.
No mesmo sentido vem o art. 195 da Constituição do Estado. O comando é claro: as sanções administrativas são impostas aos infratores por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente – condutas e atividades praticadas pelos infratores.
Ou, em outras palavras ainda, as sanções são aplicadas a quem, pessoalmente ou por pessoa a si ligada, pratica a conduta vedada na lei ou no regulamento. (…) Não se pode confundir a responsabilidade pela infração administrativa, que é pessoal e imposta nos termos descritos na lei, com a responsabilidade pela recomposição do dano, objetiva e que decorre da propriedade ou da atividade desenvolvida.
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. (…)
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. (…)
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). (…)”
3.3. JURISPRUDÊNCIA ANÁLOGA AO CASO CONCRETO
“PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO “VICUNA”). VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO “METANOL”. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. (…)
Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.
Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.
Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, “tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador” (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015).
“Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”. (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012). (…) 9. Recurso Especial provido.
MULTA AMBIENTAL. Valinhos. Contaminação de corpo d’água com óleo asfáltico. LE nº 997/76. DE nº 8.468/76, art. 2º e 3º, V. Responsabilidade. Chuvas. Caso fortuito. (…) 2. Infração ambiental. Responsabilidade. A responsabilidade objetiva pela reparação do dano não alcança a sanção administrativa; esta depende do estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do autuado, por ação direta ou indireta descrita na autuação, e o dano. (…)
MULTA AMBIENTAL. Araraquara. Queima da palha da cana-de-açúcar. Infração ambiental. Responsabilidade. Multa. Cana de açúcar. Queima. Infração ambiental. A queima não autorizada da cana constitui infração ambiental. Hipótese em que a autuada não menciona a existência de autorização para a queima no local.
Responsabilidade. Não se confundem a responsabilidade civil, objetiva e independente de culpa, e a sanção administrativa, pessoal e ligada ao tipo descritivo da infração. Não comete infração nem conduta ilícita o agricultor vítima de incêndio iniciado na fazenda vizinha que foi apagado com o auxílio da brigada de incêndio da Requerente. Impossibilidade de autuar a empresa por queimar a cana, ato comissivo e intencional, se o evento decorreu de fato terceiro iniciado fora da propriedade e não se tornou pior pela atuação da própria autuada. Procedência. Recurso do órgão ambiental desprovido.
Diante desse cenário, a única alternativa que restou à Ré para indeferir as defesas/recursos apresentados pela Autora foi recorrer a argumentos inconsistentes e falaciosos no sentido de que a responsabilização na seara ambiental não conhece limites e se sobrepõe a todos e quaisquer princípios do Direito, por mais básicos que sejam.
3.4. SUPOSTO DANO AMBIENTAL CAUSADO POR TERCEIRO
Disso decorre que, ao contrário do que sustenta a órgão ambiental ao alegar que seria a Autora responsável inclusive pela conduta de terceiro contratado para a disposição de resíduos, a responsabilidade ambiental na esfera administrativa é afastada pela ocorrência de excludentes de responsabilidade – caso fortuito, força maior e fato de terceiro, eis que tais excludentes desconstituem o elemento subjetivo imanente à legal aplicação das sanções administrativas, impedindo a teratológica punição de quem não tenha dado causa ao que se lhe imputa, conforme resta sacramentado pela doutrina especializada[7].
A jurisprudência maciça, inclusive, corrobora este entendimento:
Ação anulatória de auto de infração e da respectiva multa administrativa ambiental. Alegação de responsabilidade de terceiro e de reparação integral do dano. Sentença de procedência.
Responsabilidade civil objetiva pela reparação dos danos que não se confundem com a decorrente de ato ilícito. Imposição de multa só cabível em consequência de ato ilícito. Presunção de legitimidade do ato administrativo infirmada. Honorários advocatícios fixados por apreciação equitativa. Apelação da órgão ambiental e recurso adesivo não providos. […]
Ocorre que os mencionados dispositivos referem-se a lançamento ou a liberação de poluentes que tornem o ar, a água ou o solo impróprio, nocivo ou ofensivo à saúde e ficou incontroverso que no caso concreto esse lançamento ou liberação decorreu de fato de terceiro. Não foi a apelada a responsável pelo acidente que acarretou o derramamento da soda cáustica, como constou da autuação. […]
Certo é que o vazamento da carga não ocorreu por causa de ato ilícito praticado pela apelada, mas em consequência de ato de terceiro. E a isto não se pode contrapor o argumento pertinente à teoria do risco e da responsabilidade objetiva.
A regra do art. 14, §1º, da Lei 6938/81 atribui responsabilidade independente de culpa ao poluidor pela indenização ou reparação dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros por sua atividade. No mesmo sentido a regra do art. 927 do atual Código Civil. Porém, essa responsabilidade civil objetiva pela reparação dos danos não autoriza, por si só, a aplicação de penalidade pertinente à infração legal, ao ato ilícito. (…)
Na verdade, segundo a prova dos autos, ela não lançou nem liberou nada, por ato comissivo ou omissivo próprio ou de terceiro que possibilite afirmar responsabilidade indireta. O derramamento ocorreu por motivo de força maior, por ato de responsabilidade de terceiro sem seu conhecimento ou autorização.
Do acidente resultou a ruptura da válvula do tanque e o vazamento da soda, mas essa ruptura não aconteceu por culpa do preposto da apelante. Não há, tampouco, prova de nexo causal entre a atividade da autora e o vazamento porque este não foi consequência de sua atividade.
Como se vê, a autuação por infração legal foi feita irregularmente, sem fundamentação e amparo legal, e a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo não pode ser confirmada. (…)
Ante o exposto, nega-se provimento à apelação para manter seus próprios fundamentos a sentença de procedência da ação com declaração de nulidade da autuação e imposição de multa acima especificada (auto de infração com imposição de penalidade de multa), e nega-se provimento ao recurso adesivo.”
E é essa exatamente a hipótese ocorrida no caso em apreço, em que não houve qualquer conduta – que dirá conduta culpável – por parte da Autora no sentido de dispor resíduos de forma a concorrer para uma suposta contaminação ambiental.
3.5. INCONTROVERSO FATO DE TERCEIRO
O que houve foi um FATO DE TERCEIRO, de representante/funcionário da autora, materializado por tal suposta conduta de não observar as regras inerentes ao correto acondicionamento de resíduos enviados por outros clientes, sem qualquer relação com a autora, o que, conforme entendimento da C. Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é passível de declarar a nulidade de auto de infração:
“AÇÃO ANULATÓRIA – MULTA AMBIENTAL LANÇADA CONTRA O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL – Descarte de resíduos sólidos no terreno – Conduta praticada pelo locatário – A responsabilidade pela infração administrativa é subjetiva e não se confunde com a responsabilidade objetiva de reparação ao meio ambiente – Responsabilidade subjetiva não demonstrada – Procedência da ação – Sentença mantida – Recurso desprovido.”
Portanto, diante dos incontestáveis argumentos aduzidos acima, é de rigor que se reconheça a nulidade do auto de infração com imposição de penalidade de advertência e auto de infração com imposição de penalidade de multa, bem como das exigências técnicas a eles acessórias, eis que, mesmo em matéria ambiental, a natureza da responsabilidade administrativa difere das características da responsabilidade civil, não podendo a Autora ser responsabilizada administrativamente quando não houve qualquer conduta que a fizesse incorrer na suposta infração e quando se demonstra a ocorrência de excludente de responsabilidade – FATO DE TERCEIRO.
4. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA INAUDITA ALTERA PARTE – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DAS MULTAS
Considerando todos os fortes argumentos de mérito acima trazidos, a Autora busca provimento de urgência deste MM. Juízo para suspender (i) a exigibilidade das penalidades que lhe são indevidamente imputadas, (ii) as exigências técnicas a elas acessórias, (iii) os riscos de inscrição da multa em dívida ativa com a consequente execução do débito, e (iv) a instauração/lavratura de qualquer outro processo/procedimento relacionado ao caso em tela, evitando, assim, toda a sorte de dificuldades e prejuízos que decorrem de tal situação.
Não se trata, a rigor, de antecipar os efeitos da tutela pretendida ao final da demanda com a declaração definitiva de nulidade dos atos administrativos realizados pela Ré, mas sim de obter provimento acautelatório imprescindível para assegurar a eficácia do provimento final, evitando grave prejuízo de difícil reparação à Autora e risco ao resultado útil do processo.
Afinal, a autora se veria extremamente prejudicada caso tivesse de efetuar o pagamento da multa pecuniária e, também, arcar com altíssimos e imensuráveis custos inerentes às exigências técnicas acessórias ao auto de infração com imposição de penalidade de advertência e auto de infração com imposição de penalidade de multa, apenas para ver as inafastáveis nulidades declaradas ao final da demanda – o que, diga-se, há absoluta convicção de que ocorrerá.