Modelo de petição inicial que objetiva declarar a nulidade de auto de infração ambiental aplicado contra o proprietário de área atingida por um incêndio de autoria desconhecida, amparada nas teses de ausência de responsabilidade administrativa e de demonstração de dolo ou culpa, vício de motivação e desproporcionalidade da aplicação da multa ambiental.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL
REQUERENTE, por seu advogado infra-assinado, vem, à presença de V. Exa., propor a presente AÇÃO PARA ANULAR AUTO DE INFRAÇÃO CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA com fulcro nos arts. 294, 497, 536, e seguintes do Código de Processo Civil, e art. 151, V, do Código Tributário Nacional, em face da REQUERIDA.
1. DOS FATOS
A Requerida lavrou contra a Requerente o auto de infração ambiental debatido nestes autos, após sua propriedade ter sido atingida por um incêndio de autoria desconhecida.
Como medida de cautela, a Requerente registrou um boletim de ocorrência noticiando a ocorrência de fogo de autoria desconhecida, bem como, seus esforços para conter a propagação do fogo e os seus prejuízos com o incêndio.
Contudo, os agentes de fiscalização ambiental vistoriaram o local, e mesmo sem ser possível aferir o foco inicial do incêndio, lavraram em desfavor da Requerente o auto de infração ambiental, constando na descrição sumária da infração, danificar vegetação nativa secundária em estágio médio em área considerada de preservação permanente sem autorização do órgão competente.
Ao ser cientificada, a Requerente apresentou defesa administrativa tempestivamente, sustentando a ilegalidade da multa e a ausência de autoria com a infração nos termos da Lei Federal 12.651/12.
Também alegou a nulidade do auto de infração por vícios de motivação e de forma; a ausência de infração por falta de apuração objetiva; a ausência de tipicidade para caracterizar infração ambiental; a necessidade de apuração do dolo ou culpa para imposição de multa; (vii) que a advertência seria a sanção adequada; a desproporcionalidade da sanção; e, por fim, requereu a conversão da multa em serviços ambientais.
Ocorre que, apesar de todas as evidências apontarem pela ausência de responsabilidade da Requerente, a autoridade julgadora indeferiu a defesa administrativa, razão pela qual foi interposto o recurso, que igualmente restou improvido, e não havendo mais espaço para discussão na esfera administrativa, restou à Requerente o ajuizamento desta demanda para que seja declarada a nulidade do auto de infração ambiental, conforme passa a expor.
2. DO DIREITO – DESPROPORCIONALIDADE DA MULTA AMBIENTAL APLICADA
A partir da análise dos autos verifica-se que a multa ambiental imposta de elevadíssimo valor não guarda correspondência com a conduta e suas eventuais consequências ao meio, não se olvide também que a multa foi triplicada em sede de atendimento ambiental por suposta reincidência, não provada.
No que se refere a multa simples aplicada inicialmente, é impossível traçar a correlação entre a infração imputada e a sanção em razão da precariedade da descrição da conduta da REQUERENTE no auto de infração, da ausência de efetiva apuração da área afetada ou dos reais impactos ao ambiente.
Não houve apuração objetiva da área afetada e deixou-se de identificar os impactos reais ao meio ambiente para a imposição da multa na intensidade feita, portanto esta não guarda relação direta com os fatos e acaba por ser desproporcional.
Nos termos dos art. 16, § 1º, do Decreto Federal 6.514/08 era necessária a identificação de perímetro, das coordenadas geográficas e dos dados de localização da propriedade relativos à suposta infração.
Viu-se claramente que os agentes de fiscalização ambiental envolvidos na autuação estiveram na área por período não suficiente, no qual deveriam ter feito a perfeita medição da área em que imputam a prática da infração e identificado os vestígios pertinentes.
O perímetro que foi descrito na autuação não corresponde somente à área de preservação permanente atingida e avança sobre áreas de cana como na planta que se junta.
2.1. AUSÊNCIA DE DIMENSIONAMENTO DA ÁREA ATINGIDA PELO FOGO
Sem planta, aerofotogrametria atualizada, equipamentos de topografia e capacitação técnica para dimensionar com exatidão a propriedade rural, os agentes de fiscalização ambiental que por pouco tempo estiveram na área não tinham condições de definir com precisão o espaço atingido pelo fogo:
“A medida da área é fator para quantificar valor de multa e também indicar se a infração deve receber o tratamento de crime. Desta forma, ela deve ser efetuada da maneira mais técnica possível.
Uma das maneiras mais simples de medição de uma área é a sobreposição de figuras geométricas que, tendo sua área calculada, permitirão ao agente tomar as medidas necessárias com segurança, evitando o futuro cancelamento do seu ato administrativo por excesso ou incorreção na medida” (João Leonardo Mele. A Proteção do Meio Ambiente Natural: Manual de fiscalização dos recursos naturais. São Paulo: 2006, p. 163).
A multa que foi imposta deveria refletir com exatidão, dentre outros elementos, a intensidade e a real extensão da intervenção feita sob a ótica ambiental e um agente público não pode por si só estabelecer o valor da multa quando esta dependa desta apuração técnica ampla:
“Seria um paradoxo aceitar que agente sem formação técnica superior emitisse auto de infração de até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), quando na esfera penal a cominação de pena de multa é de no máximo 356 vezes o salário mínimo (R$ 48.416,00), onde se exigem dois peritos portadores de diploma de curso superior para encontrar a materialidade e extensão e um juiz de direito para cominar a pena de multa” (Luís Carlos Silva de Moraes. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2001, pp. 111.
A forma sumária de apuração da infração realizada não se mostra acertada ao que preceitua também a Lei Federal nº 9.605/98 pois os vícios na medição da área que incluiu cultivo de cana levaram à desproporcionalidade da sanção fixada em razão da área afetada:
“…procura assegurar a proporcionalidade entre os ilícitos administrativos e as sanções a serem impostas, permitindo que o aplicador confira aos poluidores tratamento compatível com os gravames efetivamente causados” (Nicolao Dino De Castro e Costa Neto, Ney De Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa. Crimes e Infrações administrativas ambientais. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 406)
2.2. VIOLAÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA DOSIMETRIA DA SANÇÃO DE MULTA AMBIENTAL
O art. 72, da Lei Federal nº 9.605/98, obriga que os agentes de fiscalização utilizem os critérios do próprio art. 6º deste diploma para dosar adequadamente a multa e dentre os critérios do citado dispositivo interessa ao caso aquele constante do inciso I, pelo qual para gradação da penalidade devem ser consideradas a gravidade dos fatos e as suas consequências ao ambiente.
O art. 74, da Lei Federal nº 9.605/98 exige também que a multa tenha por base o objeto jurídico lesado, ou seja, o dano ambiental causado, sem embargo, a multa simples aplicada fere a proporcionalidade e a razoabilidade por ter deixado de observar este critério básico e serem totalmente desconhecidos os critérios manejados para delimitação da área atingida e assim fixação da multa.
É desproporcional a imposição de multa administrativa de tamanha monta, tendo em vista que não se pode traçar qualquer relação de correspondência com a conduta por falta de apuração objetiva, pois a medição da área autuada absorveu também o cultivo atingido pelo fogo e não somente a vegetação em área de preservação permanente.
O ato punitivo deve sempre obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista do bom senso e segundo o princípio da proporcionalidade deve ser limitado em sua extensão e intensidade para que seja suficiente à satisfação do interesse público.
O princípio da proporcionalidade implica em verdadeira vedação ao excesso, pois a autuação administrativa deve estar adstrita aos limites legais da Lei Federal nº 9.605/98, o que não ocorreu, logo por todas as razões expostas não subsistem motivos para manutenção da sanção na forma como foi lançada nos autos de infração porque ela se marca pela desproporcionalidade resultante da ausência de apuração objetiva da área afetada.
3.3. MULTA AMBIENTAL DEVERIA REFLETIR A EXTENSÃO DO DANO
A multa que seja imposta deveria refletir, dentre outros elementos, a intensidade e a amplitude da intervenção feita sob a ótica ambiental:
“Na atividade da autoridade ambiental, é preciso, pois, correlação entre meios e fins; se uma dada fábrica polui, embora de forma pouco grave, a eventual penalidade administrativa deve ser imposta à medida dos fatos, ou motivos, que a originaram.
O mesmo não ocorre se o agente ambiental aplicar a sanção administrativa aquém do que seria suficiente para atender à finalidade legal” (Heraldo Garcia Vitta. Responsabilidade Civil e Administrativa por Dano Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 34/35).
Resulta que a elevada sanção administrativa imposta, não se adequa aos fatos porque a área não foi devidamente mensurada, os impactos ambientais seriam presumidos, bem como não foi executada a devida apuração dos efeitos ambientais.
Posto isto, e diante de tudo que foi exposto até o presente momento, o auto de infração em voga deve ser desconstituído por falta de proporcionalidade. Já em relação a majoração da multa, esta foi aplicada em triplo pela ocorrência de reincidência específica nos termos da resolução.
Conforme confirmou-se no julgamento da defesa administrativa indeferida, quando do atendimento ambiental realizado deixou-se de formalmente juntar à ata do atendimento a cópia do auto de infração que legitimou a majoração da multa, bem como de certidão relativa ao seu julgamento definitivo.
A referida majoração nunca poderia ter sido aplicada porque este viola o princípio do “non reformatio in pejus” consagrado pela Constituição Federal em processos para aplicação de sanções penais e administrativas. O princípio de direito penal citado, por sua vez, aplica-se subsidiariamente às infrações administrativas ambientais como dispõe o art. 79, da Lei Federal 9.605/98.
Logo é ilegal a majoração no curso do processo administrativo instaurado especificamente para apurar recurso administrativo da REQUERENTE seja pela violação ao princípio do “non reformatio in pejus” ou alternativamente pela ausência de demonstração objetiva da ocorrência da reincidência específica por ausência de prova de trânsito em julgado da infração anterior, uma vez que ainda pende a entrega de relatórios de acompanhamento da assinatura do TCRA firmado no auto de infração utilizado como reincidência.