Modelo de contestação oferecida contra ação civil pública proposta pelo Ministério Público objetivando declarar a nulidade do parecer ambiental emitido pelo superintendente do órgão ambiental que aprovou o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) em Mata Atlântica.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE
REQUERIDA, pessoa jurídica de direito privado, devidamente qualificada no processo em epígrafe, vem, à presença de Vossa Excelência, em atenção aos termos da r. decisão com fundamento no art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal e nos arts. 239, § 1º e 335 e seguintes do Código de Processo Civil, apresentar CONTESTAÇÃO À AÇÃO CIVIL PÚBLICA ajuizada pelo Ministério Público Federal, pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas.
1. DOS FATOS QUE ORIGINARAM A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação civil pública objetivando declarar a nulidade do parecer ambiental emitido pelo superintendente do órgão ambiental, pelo argumento de que tal parecer técnico estaria em desacordo com o projeto de recuperação proposto pela Requerida.
Diante disso, o Ministério Público Federal requereu a declaração da nulidade do parecer da lavra do superintendente do órgão ambiental e a condenação do órgão ambiental em obrigação de não fazer, consistente em abster-se de aprovar Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) apresentado em desacordo com os arts. 14 e 17 da Lei n° 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica).
Requereu também, a condenação da requerida para que apresente e execute Plano de Recuperação de Área Degradada que contemple a recuperação integral do fragmento de Mata Atlântica ilegalmente suprimido, na forma do § 2° do art. 17 da Lei 11.428 (Lei da Mata Atlântica) c/c os arts. 4°, inc. VII, e 14, § 1°, da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Contudo, os pedidos veiculados pelo Ministério Público Federal, com a devida vênia, não merecem prosperar ou, ao menos, deve ser reconhecido que pretensão final do Autor já foi atendida pela requerida.
2. DO PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO
Antes de adentrar no métrico, cumpre mencionar que há aspectos concernentes à regularização do imóvel em si que, a pretexto do questionamento do acerto do órgão ambiental – relacionado à discussão da validade do Parecer, como consta da presente demanda –, passam ao largo de suas atribuições, revelando, nessa medida, a improcedência dos pedidos veiculados na demanda.
É que, nos termos dos art. 31, caput, da Lei Federal 11.428/2006 e do art. 40 do Decreto Federal 6.660/2008, combinado com os arts. 8º, incisos XIV e XVI; e 13, § 2º, da Lei Complementar 140/2011 e art. 6º, inciso V, da Lei Federal 6.938/1981, a supressão de vegetação de mata atlântica em casos como o presente deve ser precedida de autorização do órgão estadual competente, devendo ser observadas as regras atinentes aos índices de preservação de vegetação dentro do lote e em caráter compensatório da supressão.
No presente caso, à míngua de autorização prévia– não tendo bastado, pelo que se viu, a Autorização para Supressão e as ações já empreendidas, com viés compensatório, junto à própria prefeitura e ao órgão ambiental –, cumpriu à requerida buscar a regularização do imóvel.
Como já informado na síntese da demanda, em cumprimento ao quanto determinado em audiência, na tentativa de se abreviar a tramitação do feito, foi solicitado esclarecimentos quanto à regularização da área e de sua competência.
Com efeito, considerando que, nos termos dos arts. 23, inciso IV; e 31, § 2º da Lei Federal 11.428/2006, da área do imóvel então recoberto com vegetação nativa secundária de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, é autorizada a supressão, mediante compensação, de apenas 50%, condicionada à manutenção dos outros 50%, tem-se que, no caso presente, após aprovação do PRAD pelo órgão ambiental, caberá as seguintes providências:
I -A compensação, dentro do imóvel, tendo como sugestão a compensação em faixa marginal à vegetação existente (nativa e plantios); e
II- A compensação, fora do imóvel.
Com essas providências, todas as pendências atinentes à regularização da supressão havida no imóvel serão resolvidas, regularizando-o perante o órgão ambiental competente, diga-se, órgão estadual, bastando, para tanto, aguardar manifestação definitiva do órgão ambiental.
3. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL PARA REGULARIZAÇÃO DA SUPRESSÃO JÁ REALIZADA
A pretensão do Ministério Público Federal é a declaração de nulidade do parecer técnico exarado pelo superintendente do órgão ambiental.
Segundo o MPF, restou mantida a previsão de recuperação de apenas metade da área suprimida, em desacordo com o quanto estabelecido no art. 14 da Federal 11.428/2006[1] e ao art. 19 do Decreto Federal 6.660/2008[2], assumindo, para tanto, tratar-se de vegetação outrora existente no imóvel de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração.
Não obstante, ainda afirma que na compensação relativa à metade da área suprimida está sendo computada a recuperação de área de preservação permanente, o que não seria possível, pois a recuperação dessas áreas é objeto específico do Código Florestal (art. 7º, § 1º, da Lei Federal 12.651/2012[3]).
Todavia, diferentemente do que aponta o Ministério Público Federal, todos esses argumentos merecem ser rechaçados, pois não refletem a realidade fática do caso concreto, bem como não há previsão legal para exigir algo em contrário.
Em sendo consabido que, para além da inexistência de nulidade no Parecer conforme explanado acima, tem-se que, na hipótese, os pedidos do MPF pleiteiam a condenação da requerida para que apresente e execute Plano de Recuperação de Área Degradada que contemple a recuperação integral do fragmento de Mata Atlântica ilegalmente suprimido, na forma do § 2° do art. 17 da Lei 11.428 (Lei da Mata Atlântica) c/c os arts. 4°, inc. VII, e 14, § 1°, da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Subsidiariamente, pede o MPF, a condenação da requerida a apresentar pedido de licenciamento ambiental junto ao órgão ambiental competente e, caso aprovado, apresentar e executar Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) para a compensação ambiental, que deverá contemplar área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, consoante previsto nos arts. 14 e 17, caput e § 1°, da Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica).
3.1. VEGETAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA
Em sendo consabido tratar-se de vegetação nativa secundária de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração em perímetro urbano, conforme constou no próprio Relatório de Fiscalização do ÓRGÃO AMBIENTAL, a regra para supressão consta nos arts. 23, inciso IV; e 31, § 2º, da Lei Federal 11.428/2006 e do art. 41 do Decreto Federal 6.660/2008, in verbis:.
“Art. 23. O corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados: nos casos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 31 desta Lei..”
“Art. 31. Nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, assim consideradas em lei, o parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, devem obedecer ao disposto no Plano Diretor do Município e demais normas aplicáveis, e dependerão de prévia autorização do órgão estadual competente, ressalvado o disposto nos arts. 11, 12 e 17 desta Lei.
§2º Nos perímetros urbanos delimitados após a data de início de vigência desta Lei, a supressão de vegetação secundária em estágio médio de regeneração fica condicionada à manutenção de vegetação em estágio médio de regeneração em no mínimo 50% (cinquenta por cento) da área total coberta por esta vegetação.”
Decreto Federal 6.660/2008
“Art. 41. O percentual de vegetação nativa secundária em estágio avançado e médio de regeneração a ser preservado, de que tratam os arts. 30, inciso I, e 31, §§ 1o e 2o, da Lei 11.428, de 2006, deverá ser calculado em relação à área total coberta por essa vegetação existente no imóvel do empreendimento.”
Depreende-se que a vegetação secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, em perímetros urbanos, deve ser garantida a preservação de 50% (cinquenta por cento) da área total coberta por esta vegetação existente no imóvel do empreendimento.
Isto é, não havendo distinção entre estágio médio ou avançado na lei, no caso em concreto, em se tratando de estágio médio, era passível de ser suprimida área que corresponde a 50% (cinquenta por cento) da área total do fragmento de vegetação existente.
3.2. COMPETÊNCIA PARA EMISSÃO DE AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL
Dito isso, importa considerar que a competência para emissão de autorização e, bem por isso, de eventual regularização de supressão de vegetação (art. 6º, inciso V, da Lei Federal 6.938/1981; arts. 8º, incisos XIV e XVI, e 13, § 2°, da Lei Complementar 140/2011; art. 31, caput, da Lei Federal 11.428/2006; e art. 40 do Decreto Federal 6.660/2008), é exclusiva do órgão estadual. Confira-se:
Lei Federal 6.938/1981
“Art. 6º Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:
Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;”
Lei Complementar 140/2011
“Art. 8º São ações administrativas dos Estados: promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7 e 9; aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); imóveis rurais, observadas as atribuições previstas no inciso XV do art. 7; e atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado;”
“Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar.
2º A supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador.”
Lei Federal 11.428/2006
Art. 31. Nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, assim consideradas em lei, o parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, devem obedecer ao disposto no Plano Diretor do Município e demais normas aplicáveis, e dependerão de prévia autorização do órgão estadual competente, ressalvado o disposto nos arts. 11, 12 e 17 desta Lei.
Decreto Federal 6.660/2008
“Art. 40. O corte ou supressão de vegetação para fins de loteamento ou edificação, de que tratam os arts. 30 e 31 da Lei 11.428, de 2006, depende de autorização do órgão estadual competente, devendo o interessado apresentar requerimento contendo, no mínimo, as seguintes informações, sem prejuízo da realização de licenciamento ambiental, quando couber:”
Infere-se que nos termos do art. 31, caput, da Lei Federal 11.428/2006, a autorização de supressão de vegetação dependerá da anuência do órgão ambiental estadual.
Aliás, no caso em concreto, durante a suspensão do presente processo, foi realizada consulta que atestou a competência do órgão ambiental estadual.
Por sua vez, para fins de cumprimento da Lei da Mata Atlântica, a resolução não faz distinção entre área comum e áreas de preservação permanente e, para o caso em concreto, considerada vegetação em estágio médio, apenas cita que deve ser preservado no mínimo 50% do fragmento de vegetação nativa existente na propriedade.
E nem poderia fazê-lo, dado que a hipótese dos autos não é de intervenção em área de preservação permanente, mas sim regularização de supressão de vegetação de Mata Atlântica.
3.3. PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO DA SUPRESSÃO
A esse respeito, importante destacar novamente, que a requerida procedeu com o pedido de regularização de tal supressão, mediante “Solicitação de Autorização para Supressão de Vegetação Nativa”, contendo o “Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD”.
Em relação ao PRAD apresentado à Agência Ambiental, podemos resumi-lo da seguinte forma:
O projeto contemplou a disposição territorial do imóvel como estava originalmente, isto é, quando houve a supressão de vegetação nativa, de acordo com o art. 5º da Lei Federal 11.428/2006, sendo classificada como vegetação secundária em qualquer estágio de regeneração do Bioma Mata Atlântica.
A área total da gleba estava recoberta por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio médio, antes da ocorrência da supressão.
A vegetação nativa secundária de Mata Atlântica em estágio médio passível de ser suprimida corresponde a 50% da área total do fragmento de vegetação existente, segundo os arts. 23, inciso IV; e 31, § 2º da Lei Federal 11.428/2006;
A vegetação de fato suprimida foi na totalidade em Área Comum assim, foi suprimido a maior do permitido pela legislação ambiental vigente;
Para a regularização dos 50% (cinquenta por cento) que podia ser suprimido, no caso em concreto, considerando que se trata de uma área de “Muito Alta Prioridade” se faz necessária compensação da área equivalente a 3 (três) vezes a área autorizada, portanto, seria necessário no mínimo a compensação; e
O PRAD apresentado prevê a adoção das seguintes medidas: será compensada, dentro do imóvel, tendo como sugestão a compensação em faixa marginal à vegetação existente (nativa e plantios) (b) será compensada, fora do imóvel.
Desse modo, depreende-se que o projeto apresentado não bastasse estar em consonância com o ordenamento jurídico ambiental vigente, foi além daquilo que é legalmente exigido, em termos de compensação.
Além disso, é importante frisar que somente o órgão ambiental licenciador, no caso a Agência Ambiental, poderá avaliar o PRAD apresentado pela requerida, bem como dizer se aceita ou não a compensação em área de preservação permanente.
Assim, considerando que o PRAD ainda está pendente de análise, o Ministério Público Federal não pode exigir que a requerida reformule o PRAD apresentado, sem antes ser analisado pelo órgão ambiental competente, sob pena de violação à separação dos poderes.
Nesses termos, pretender sujeitar a requerida ao cumprimento desse entendimento configura, no mais das vezes, ingerência indevida do Poder Judiciário nas competências típicas do Poder Executivo.
3.4. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E VALIDADE DA AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL
Repise-se que decidir de forma contrária acarretará afronta direta ao princípio da separação dos poderes, posto que a eventual procedência da ação se sobreporá a atos administrativos cuja competência é exclusiva do órgão estadual, em flagrante violação ao art. 2º da Constituição Federal[4], consagrado pela cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4º, inciso III[5], que resguarda a competência legal de cada uma das esferas que integram o Estado. Sobre o princípio em referência, ninguém melhor que José Joaquim Gomes Canotilho:
“O padrão básico subjacente às articulações organizatórias dos estados constitucionais democráticos é o padrão da divisão e separação de poderes. Quando se fala em divisão ou separação de poderes não se coloca em crise, como já se acentuou, a unidade do Estado, pois, mesmo numa democracia pluralista integrada em comunidades políticas mais amplas, não está em causa a indivisibilidade da estadualidade ou estatalidade.
‘Dividir` ou ‘separar’ poderes é uma questão atinente ao exercício de competências dos órgãos de soberania e não um problema de divisão do poder unitário do Estado. Neste contexto se deve compreender também as idéias de freios e contrapesos, checks and balances, separação e interdependência, tradicionalmente associadas ao princípio da separação de poderes.”
Ora, a regularização da supressão de vegetação, como apresentada perante a Agência Ambiental no caso em comento, é matéria de sua competência exclusiva do exercício de sua função executiva (arts. 8º, incisos XIV e XVI, e 13, § 2°, da Lei Complementar 140/2011[6]), pautada na capacidade técnica dos profissionais que o integram, em conformidade com as disposições legais aplicáveis à espécie e, também por essa razão, gozam de presunção de legitimidade.[7]
Pelo que se vê, a competência para a adoção de medidas de controle ambiental é uma exclusividade do Poder Executivo, in casu, da Agência Ambiental, não sendo jamais dos Poderes Judiciário ou Legislativo, nem tampouco do Ministério Público Federal, uma vez que a atuação desses não pode colidir com a autonomia dos entes federativos governamentais consagrada na Carta Magna.
Nesse diapasão, quando muito, poderá ser exigido a reavaliação do PRAD apresentado pela requerida, mas, tão somente, por parte da Agência Ambiental, órgão competente com atribuições típicas para tanto.Outro tanto, não assiste razão ao Ministério Público Federal, quando diz que a previsão de recuperação de apenas metade da área suprimida estaria em desacordo com o quanto estabelecido no art. 14 da Federal 11.428/2006 e no art. 19 do Decreto Federal 6.660/2008.
A premissa está equivocada porque, no caso, nunca se esteve diante de vegetação secundária de mata atlântica em estágio avançado de regeneração, mas sim de vegetação secundária em estágio médio de regeneração em perímetro urbano, conforme constou no próprio Relatório de Fiscalização do ÓRGÃO AMBIENTAL.