EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE…
REQUERIDO, vem, respeitosamente à presença de V. Exa., através de seus advogados, apresentar CONTESTAÇÃO à AÇÃO CIVIL PÚBLICA que lhe é movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, nos termos que seguem:
1. SÍNTESE DA INICIAL
O Ministério Público ajuizou a ação por entender que a atividade agrícola exercida pelo Requerido, consistente na exploração de lavoura por força de contrato de arrendamento firmado com os demais requeridos, não teria licenciamento ambiental e seria altamente poluidora tendo em vista que o Requerente utilizaria agrotóxicos e fertilizantes químicos de maneira indiscriminada.
Afirmou que o Requerido deveria ser responsabilizado pelo prejuízo causado ao meio ambiente por não observar as regras que condicionam o exercício da atividade poluidora nas dependências da APA.
Requereu antecipação de tutela para que o Requerido atendesse as precauções genéricas no manuseio e aplicação dos agrotóxicos, fertilizantes químicos e afins, sob pena de multa por evento de descumprimento verificado.
Prosseguindo nos pedidos realizados pelo Requerente, este afirma que estando a área em apreço localizada nas dependências da APA, a atividade econômica do Requerente ainda deve ser ajustada para imediatamente, é vedada a utilização de agrotóxicos, fertilizantes químicos, seus componentes e afins que apresentem alta persistência ou alta toxicidade para microorganismos aquáticos, quando mencionada em seu rótulo ou bula da respectiva embalagem.
No mérito requereu a confirmação da antecipação de tutela e o pagamento de indenização. É a síntese necessária.
2. PRELIMINARMENTE
2.1. DA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE PROCESSUAL
O STJ já decidiu que o interesse de agir é condição da ação e que possui três aspectos: “(i) utilidade, pois o processo deve trazer algum proveito para o autor; (ii) adequação, uma vez que se exige correspondência entre o meio escolhido e a tutela pretendida; (iii) necessidade, haja vista a demonstração de que a tutela jurisdicional seja imprescindível para alcançar a pretensão do autor.
O Min. Luis Felipe Salomão traz os ensinamentos do Mestre Italiano Calamandrei, no seguinte sentido:
O interesse processual em atuar e em contradizer surge precisamente quando verifica-se em concreto aquela circunstância que faz considerar que a satisfação do interesse substancial tutelado pelo direito não pode ser já conseguida sem recorrer à autoridade judicial, ou seja, quando se verifica em concreto a circunstância que faz indispensável pôr em prática a garantia jurisdicional.
As circunstâncias que podem fazer surgir em concreto o interesse processual variam segundo o conteúdo do direito substancial que ficou insatisfeito e segundo a natureza da providência jurisdicional da qual ele mesmo espera satisfação. […]
Pode-se concluir que o interesse processual em suas distintas configurações, surge somente quando a finalidade que o solicitante se propõe a alcançar mediante a ação não pode (ou já não pode) ser alcançada, senão mediante a providência do juiz, quando a situação jurídica existente antes do processo é tal que o recurso à autoridade judicial se apresenta como necessário […] o interesse processual surge no mesmo momento em que a invocação desta garantia prometida em via subsidiária pelo Estado aparece como único meio que ainda subsiste para obter a observância do direito.”
2.1.1. PEDIDO INCONGRUENTE
O Requerente pede em primeiro plano a proibição de utilização de agrotóxicos nas áreas de produção inseridas na APA, ocorre que tal requerimento não está acobertado pela lei.
Clara está Excelência, a ausência de interesse processual do Requerente, pois a Lei não proíbe a utilização de agrotóxico em APA, bem, como deixa claro que seu uso de forma sustentável impacta de forma ínfima o meio ambiente, e o Requerente não logra êxito em provar que tal uso é indiscriminado.
Ora, o Eminente Promotor esquece da sua função de fiscalizar o cumprimento de leis e tenta por via da presente Ação, legislar, ora tentando proibir o que a Lei não proíbe e ora tentando traçar parâmetros diferentes dos legais para a utilização de agrotóxicos e sementes transgênicas, cujo uso também não é proibido!
Ademais Exa., sabe-se que o exercício de qualquer atividade na APA deve ser disciplinado no Plano de Manejo que será um dia elaborado pelo Estado, e contendo neste disposições diferentes as pleiteadas pelo Requerente, como ficaria a eventual coisa julgada formada nestes autos com o acatamento dos pedidos?
Novamente temos aqui a inutilidade da presente lide, pois o E. Promotor deduz pedido contra a lei atual e sem saber o que será traçado pelo plano de manejo da APA, que dada a característica de “uso sustentável” da unidade de conservação este não poderá ser mais restritivo que a Lei.
Desta forma, requer desde já o indeferimento da inicial com o julgamento do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 330, III, por falta ao Requerente interesse processual nos termos já expostos.
3. DO MÉRITO
3.1. DO DANO MORAL AMBIENTAL
Com relação ao pedido de condenação ao pagamento de dano moral ambiental, melhor sorte não resta ao Requerente.
É cediço que o dano ambiental rege-se pelo instituto da responsabilidade objetiva, onde não se exige para sua caracterização a comprovação da culpa ou dolo, bastando para tanto apenas a demonstração da presença da conduta do agente, da existência do dano e do nexo de causalidade entre eles, consoante se observa dos precedentes abaixo junto Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OMISSÃO SOBRE QUESTÕES ESSENCIAIS AO JULGAMENTO DA LIDE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEMONSTRAÇÃO DE NEXO DE CAUSALIDADE. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. REQUISITO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC CARACTERIZADA.
A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação. Precedentes. (…)”
[…] “ADMINISTRATIVO. IBAMA. APLICAÇÃO DE MULTA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. ARMAZENAMENTO DE MADEIRA PROVENIENTE DE VENDAVAL OCORRIDO NA REGIÃO. EXISTÊNCIA DE TAC. COMPROVADA BOA-FÉ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
A responsabilidade é objetiva; dispensa-se portanto a comprovação de culpa, entretanto há de constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade. A Corte de origem, com espeque no contexto fático dos autos, afastou a multa administrativa. Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido.”
A área é regular, a lavoura não apresenta irregularidades e é desenvolvida em uma distância de corpos hídricos, muito superior a determinada pela Lei, a utilização de químicos é acompanhada por profissional competente para tanto, as máquinas que realizam a aplicação são equipamentos de ponta, desenvolvidos de modo a evitar contaminações e desperdício, os produtos utilizados são os permitidos e regulamentados.
Assim, diante da conduta legal dos Requeridos, o nexo de causalidade entre a conduta e o eventual dano não fora demonstrado, tornando a presente ação de todo temerária e infundada, devendo caso não ocorra a extinção pelas preliminares ser julgada totalmente improcedente.
3.2. DA IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO NO VALOR PLEITEADO PELO REQUERENTE
Na remota hipótese de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, temos que esta não pode se dar pelos valores sugeridos pelo Requerente. O Requerente atribui à título de dano moral um valor exorbitante.
É inegável que os critérios de arbitramento do dano moral coletivo, ainda que decorrente de suposto e alegado dano ambiental, hão de se pautar pela disposição do art. 944 do Código Civil e também guardarão razoabilidade e proporcionalidade, conforme inclusive já pacificado pelo STJ.
No caso em apreço, se houve dano ambiental — hipótese essa que soa de todo carente de razão —, o dano foi mínimo. Não há absolutamente nenhum documento, elemento ou mesmo indício a partir do qual seria possível extrair qualquer prejuízo efetivo ao meio ambiente.
Como todas as demais alegações o valor sugerido de dano moral entra também nas suposições do Requerente. Veja-se: no presente caso, está a se questionar apenas suposto manuseio e utilização ilícita de defensivos agrícolas, sem a indicação de que isso tenha causado qualquer abalo ambiental significativo.
E repise-se todo o suposto dano alegado pelo MP busca respaldo apenas no já abordado Relatório Técnico que gerou o Auto de Inspeção que nada prova, a propósito. Se houve dano ambiental no caso concreto, o dano foi de proporções e repercussões mínimas, quase imperceptíveis.
Daí, questiona-se: há razoabilidade ou proporcionalidade em se fixar danos morais coletivos em patamar exorbitante, para hipótese em que não houve absolutamente nenhum gravame significativo ao meio ambiente? Evidentemente que não.
3.2.1. AUSÊNCIA DE DANO
A toda evidência, o dano é requisito mais do essencial para que se cogite a possibilidade de sobre alguém recaia qualquer responsabilidade civil. E isso é exposto de forma exauriente por Sérgio Cavalieri Filho:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.
A obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida.
Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar.
A título de comparação, é possível ver o recurso especial relatado pelo Exmo. Min. Humberto Martins, no qual o STJ, apreciando caso no qual loteamentos rurais clandestinos causaram dano ambiental — esse, diversamente do presente caso, efetivamente comprovado que submeteu os moradores da região afetada a condições precárias de sobrevivência, fixou o valor da condenação em valor muito inferior. Não é ocioso, aqui, destacar os trechos mais relevantes do aresto:
“Recurso especial em que se discute a ocorrência de dano moral coletivo em razão de dano ambiental decorrente de parcelamento irregular do solo urbanístico, que, além de invadir Área de Preservação Ambiental Permanente, submeteu os moradores da região a condições precárias de sobrevivência.