Modelo de contestação em ação civil pública ambiental com preliminar de ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública por dano ambiental, porque tal, como regra geral, é de competência do Ministério Público Estadual, com exceção dos casos de comprovado o interesse federal direto e específico em relação ao objeto da causa.
EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO
RÉ, qualificação completa, por seus advogados, vem, à presença da Vossa Excelência, nos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, em trâmite perante esse D. Juízo, vem respeitosa e tempestivamente à presença de V.Exa., oferecer CONTESTAÇÃO com fundamento no art. 5º, LV, da Constituição Federal, na Lei 7.347/1985, no art. 335 e seguintes do Código de Processo Civil, e demais dispositivos legais e regulamentares aplicáveis, apresentar pelas razões de fato e de Direito a seguir expostas:
1. TEMPESTIVIDADE DESTA CONTESTAÇÃO
A audiência de tentativa de conciliação entre as Partes restou infrutífera. Por consequência, teve início a contagem do prazo para a apresentação da presente contestação, conforme o disposto no art. 224 do CPC.
2. SÍNTESE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
O MPF ajuizou a presente ação civil pública alegando que o empreendimento da Ré seria atividade efetivamente degradadora e de significativo impacto ambiental praticada mediante precário licenciamento ambiental.
Segundo a petição inicial, haveria nexo de causalidade entre as atividades de mortandade de fauna. Na ótica do MPF, esses eventos teriam relação com suposto não atendimento das condicionantes fixadas pelo órgão ambiental licenciador nas fases de licenciamento prévio e de instalação do empreendimento.
O MPF alega ainda que haveria graves lacunas sobre os impactos do empreendimento sobre a fauna e atividades econômicas com ela relacionadas, restando evidente o açodamento na expedição de licença de operação de atividade de grande impacto ambiental sem a obtenção de dados quantitativos mínimos necessários inclusive para definir as medidas mitigadoras e compensatórias pertinentes.
As medidas de melhoria socioambiental voluntariamente implementadas pela Ré em decorrência do Termo de Ajuste de Conduta Ambiental – TAC, diz o MPF, seriam inúteis como instrumento de compensação do dano ambiental causado.
Foi requerida a condenação da Ré em obrigação de fazer, consistente na execução de medidas técnicas e institucionais/administrativas elaboradas pelo Ministério Público Federal que, na sua visão, seriam suficientes para evitar significativos impactos ambientais relacionados às operações e mudanças bruscas da atividade e assim mitigar risco de novas mortes de fauna causadas por diferentes fatores. É a síntese da ação civil pública, a qual não merece prosperar, conforme passa a expor.
3. SÍNTESE DESTA CONTESTAÇÃO – A IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES DEDUZIDAS PELO MINISTÉRIOPÚBLICO
A despeito do louvável propósito de proteção ambiental anunciado na petição inicial, fato é que esta ação civil pública foi construída sobre premissas equivocadas, conforme se verá de forma resumida e detalhada ao longo desta contestação.
Com efeito, caso restem superadas as questões preliminares arguidas nesta peça, que, no respeitoso entendimento da Ré, impõem seja a demanda extinta sem resolução do mérito, os fatos provados com esta contestação não deixam dúvida de que a ação deve ser julgada totalmente improcedente no mérito.
Em primeiro lugar, importa esclarecer que, ao contrário do que faz crer a petição inicial, foi objeto de rigoroso procedimento de licenciamento ambiental no âmbito do qual, após serem analisados e aprovados os estudos ambientais elaborados em conformidade com os requisitos técnicos e legais aplicáveis, resultou na expedição das licenças ambientais do empreendimento.
Em segundo lugar, há que se diferenciar, desde já, danos de impactos. A despeito da ausência de identificação das causas dos eventos de mortandade de fauna, a morte de exemplares é prevista nos impactos causados pela construção de empreendimentos.
Para a ocorrência de dano é necessário que se tenha o exercício da atividade econômica e, mais importante ainda, o resultado prejudicial ao equilíbrio ambiental.
Já o impacto ocorre em um contexto maior, ou seja, quando impactos negativos e positivos ao meio ambiente se compensam, permitindo o equilíbrio ambiental, em que pese a atividade econômica impactante.
Ao contrário do dano, o impacto ambiental é inerente à atividade e nem sempre prejudicial ao equilíbrio ambiental, porquanto, em determinados casos, os impactos positivos podem suplantar os impactos negativos, resultando em um ganho ambiental.
As condicionantes estabelecidas pelo órgão ambiental licenciador são devidamente atendidas. Da mesma forma, os programas ambientais propostos pela Ré e, igualmente, aprovados no âmbito do licenciamento ambiental também são executados regularmente.
A Ré sempre agiu com a mais absoluta boa-fé e respeito ao meio ambiente e à sociedade buscando sempre exercer suas atividades dentro da mais estrita legalidade.
3.1. LICENCIAMENTO AMBIENTAL QUE ATENDE AS DIRETRIZES AMBIENTAIS
De fato, o licenciamento ambiental da atividade sob responsabilidade da Ré teve início com a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental – EIA, orientado pelo Termo de Referência, e devidamente aprovado pelo órgão ambiental licenciador, resultando na emissão da Licença Prévia.
O EIA contém exaustivos levantamentos de campo e de literatura apresentando o diagnóstico da região do empreendimento, suas características físicas, bióticas e socioeconômicas, bem como os impactos positivos e negativos da construção do empreendimento, embasando a emissão da Licença Prévia, que atestou a viabilidade ambiental do empreendimento.
A operação da Ré é feita com base nas licenças ambientais obtidas de forma estritamente legal e com fundamento no princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança, sendo que a Ré atendeu a todas as exigências/condicionantes formuladas pelos órgãos públicos competentes e, por isso, obteve as licenças necessárias às suas atividades.
A Ré implementou e executa eficientemente os programas relacionados à fauna, bem como diversas outras medidas de mitigação e controle ambiental conforme aprovado pelo órgão ambiental licenciador, tudo em consonância com os estudos ambientais aprovados no âmbito do licenciamento ambiental, e em atendimento às condicionantes específicas constantes das licenças ambientais.
As medidas mitigadoras/compensatórias propostas no curso do licenciamento ambiental e adotadas pela Ré, sejam relacionadas diretamente ao seu empreendimento, não obstante serem compatíveis com a legislação vigente, possibilitam não apenas evitar/minimizar a ocorrência de danos efetivos à fauna e demais bens ambientais a proteger, mas também possibilitam que sejam feitos estudos e análises adicionais para eventual equacionamento/mitigação dos impactos decorrente do empreendimento da Ré.
Portanto, não há dano ou nexo de causalidade, que são elementos básicos e essenciais para que se pudesse responsabilizar a Ré nestes autos.
E também não há possibilidade de se imputar responsabilidade à Ré pela reparação de suposto dano moral coletivo suportado por grupo de pessoas/comunidades não individualizadas, seja porque essa espécie de dano moral vem sendo rechaçada pela doutrina e jurisprudência, seja porque no caso concreto não houve qualquer dano efetivo aos habitantes locais.
Os argumentos acima sintetizados e que serão detalhadamente desenvolvidos ao longo desta defesa, concessa venia, ensejam a total improcedência dos pedidos formulados na petição inicial. É o que se passa a demonstrar.
4. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Não obstante o esforço do MPF em demonstrar as razões pelas quais a demanda seria necessária para harmonização da coexistência entre a atividade desenvolvida e o meio que a recebeu, há questão antecedente insuperável a macular e impedir seu intento. Trata-se da insofismável ilegitimidade do MPF para a propositura do feito.
O Ministério Público divide-se entre o Ministério Público da União, do qual faz parte o MPF, e os Ministérios Públicos dos Estados. Assim impõe o artigo 128, inciso I, alínea “a”, e inciso II, da Constituição Federal.
Tal divisão do ente Ministério Público, de sorte a que nos temas de interesse federal atue o MPF, e nos temas de interesse estadual atue o Ministério Público Estadual, atende a estrutura federativa que informa todo nosso ordenamento.
Decorrência direta disso – não poderia ser diferente – é que a atribuição do MPF e dos MPs estaduais não pode ser sobreposta. Aquilo que a um se atribui não pode ser atribuído ao outro, sob pena de usurpação de atribuição e ofensa direta ao princípio federativo.
Ao MPF é dado atuar sempre que se verifique o interesse federal em controlar ou coibir conduta ou omissão que represente ofensa à ordem jurídica, ao regime democrático ou aos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Observe-se bem: tanto ao MPF quanto aos MPs estaduais atribuiu a Constituição Federal as mesmas atribuições, diferindo a atuação de um e outros apenas e tão somente diante dessa circunstância qualitativa de abrangência: o MPF atuará somente quando a conduta ou omissão que se precisa controlar ou coibir tenha impacto sobre o interesse federal, entendido este como aquele que extrapola, dadas suas circunstâncias de formação, o interesse estadual.
4.1. INTERESSE FEDERAL EM PROCESSO AMBIENTAL É EXCEÇÃO
O interesse federal é, portanto, a exceção, verificada a partir de determinadas circunstâncias fáticas ou jurídicas, das quais decorre, naturalmente, que (i) o foro competente para harmonizar litígios será o da Justiça Federal – é absoluta a competência, não se relativiza sua incidência – sempre, enquanto que (ii) a atribuição para agir em defesa do respeito à ordem jurídica, ao regime democrático e aos interesses sociais e individuais indisponíveis será do MPF, ao tempo em que, (iii) no que tange às atividades potencial ou efetivamente poluidoras, será do IBAMA a atribuição de licenciar.
Resta portanto, examinar aqui as regras definidoras da competência de jurisdição e consequente verificação do interesse federal no caso concreto, bem como se, no caso concreto, deu-se tal verificação, sob pena de, ausente essa verificação, falecer legitimidade ao MPF para a busca de tutela de interesse que não se caracterize como federal.
A insofismável conclusão, tomado o caso concreto, é de que o empreendimento implantado invoca interesse de ordem local, e não federal, razão pela qual submete-se ao licenciamento em âmbito estadual, sendo competente para julgar os conflitos de sua implementação decorrentes a Justiça Estadual, e tendo atribuição para buscar o reparo a ofensa à ordem jurídica, ao regime democrático ou aos interesses sociais e individuais indisponíveis, decorrentes da implantação do empreendimento, o Ministério Público do Estado.
No caso concreto, o impacto gerado pelo empreendimento restringe- se ao Estado não se caracterizando, dado o elemento locacional, como de abrangência federal. Este elemento, o físico, é o elemento adotado pela Lei Complementar 140/2011 para determinar quando, na interação entre intervenção econômica e meio ambiente, haverá o interesse federal.
4.2. JURISPRUDÊNCIA CONFIRMA ILEGITMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nesse contexto, observe-se o entendimento jurisprudencial na lapidar decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no polo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar. (STJ,1ª T., REsp 440.002, Relator(a): Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, j. 18.11.2004).”
No presente caso, portanto, absolutamente infundada a simplória alegação do Ministério Público Federal de que detém competência para o ajuizamento da ação civil pública visando à proteção do meio ambiente. Pela leitura da petição inicial, conclui-se diretamente que não foram alegados ou minimamente indicados efetivos danos.
A regra geral é de competência do Ministério Público Estadual para o ajuizamento de ações civis públicas, inclusive com o condão da defesa do meio ambiente, com exceção dos casos de comprovado o interesse federal direto e específico em relação ao objeto da causa, o que não ocorre no presente caso.
Pensar de forma diferente seria reconhecer que o Ministério Público Estadual e também o Ministério Público Federal teriam exatamente as mesmas competências no que toca à proteção ao meio ambiente.
Nenhuma das hipóteses de atuação do Ministério Público Federal está configurada na presente demanda, pois não há qualquer interesse federal sendo discutido neste caso. A petição inicial sequer apresenta fato ou constatação técnica que evidencie qualquer repercussão regional ou nacional em relação aos eventos de mortandade de fauna.
Da leitura da petição inicial se depreende que não há danos a interesses federais, pois houvesse a potencialidade real de dano a interesses ou bens federais, a competência do licenciamento das atividades desenvolvidas pela Ré teria sido atribuída ao IBAMA, conforme previsto no artigo 8º, inciso XIV da Lei Complementar nº 140/2011.