Modelo de Contestação contra Ação Civil Pública Ambiental proposta pelo Ministério Público sob o argumento de que teria ocorrido irregularidade no processo de licenciamento ambiental.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE
REQUERIDA, previamente qualificada nos autos da ação em epígrafe, vem, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados adiante assinados, oferecer sua CONTESTAÇÃO À AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL proposta pelo Ministério Público, o que faz com fundamento nos arts. 335 e seguintes do Código de Processo Civil e pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. SÍNTESE PROCESSUAL
Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público sob o fundamento de que, a partir da análise do processo de licenciamento ambiental da Requerida teriam sido constadas supostas irregularidades.
Ao final, pede que a Requerida seja condenada a fazer cessar o dano e os riscos iminentes e ao final a nulidade dos atos praticados em sede administrativa.
Ocorre que, com todo respeito, o Ministério Público faz alegações infundadas, sem apresentar provas ou evidências de suas alegações, conforme será demonstrado adiante, de modo que os pedidos ministeriais merecem ser extintos ou, ainda, julgados totalmente improcedentes.
2. SÍNTESE DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Como se sabe, a Requerida, é responsável pela implantação do empreendimento, cujo necessário licenciamento ambiental é conduzido pelo órgão estadual.
Em razão de sua localização e do seu impacto ser local, a competência para o licenciamento ambiental do empreendimento é do Estado, nos termos do já indicado art. 8º, inciso XIV, da Lei Complementar 140, de 08.12.2011.
No âmbito do processo de licenciamento ambiental, o órgão estadual expediu a Licença Prévia por meio da qual foi atestada a viabilidade ambiental do empreendimento, detalhando-se com a clareza necessária todas as medidas para realização da supressão vegetal durante a implantação do empreendimento.
Para elaboração do plano de desmatamento, considerou-se a análise integrada de variáveis como a conservação da fauna, a preservação da Área de Preservação Ambiental – APP, além de contemplar cenários para permanência e retirada de vegetação. Posteriormente o órgão estadual emitiu o parecer técnico e permitiu a emissão da Licença de Instalação Definitiva.
Com a Licença de Instalação e com a continuidade dos estudos no âmbito do Plano de Desmatamento, o órgão estadual teve por bem conceder a autorização de Supressão de Vegetação por meio da qual permitiu a supressão de vegetação.
Desta forma, resta claro que não houve qualquer vício no decorrer do processo de licenciamento ambiental. Ao contrário, o breve histórico acima demonstra que o empreendedor cumpriu com as suas obrigações, seguindo todos os trâmites previstos na legislação pátria.
2.1. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Nota-se do histórico acima que o órgão licenciador determinou ao empreendedor, por meio das citadas licenças ambientais e outros atos administrativos, a execução de medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias de diversas naturezas. Tudo com o objetivo de equacionar eventuais impactos que a implantação do projeto poderia causar.
Cumpre ressaltar, portanto, que todas essas ações têm sido reportadas pelo empreendedor ao órgão estadual e demais órgãos envolvidos no projeto, buscando sempre o rigoroso atendimento das normas vigentes.
E, com todo respeito, apesar de todas as alegações deduzidas pelo Ministério Público na exordial, não se provou que esse processo de licenciamento ambiental não esteja seguindo as normas de regência.
O que se verifica, portanto, ao contrário do que quer fazer crer o Ministério Público, é a estrita observância à Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei 6.938, de 31.08.1981, que definiu o licenciamento ambiental como um de seus instrumentos (art. 9º, inciso IV) para alcançar o objetivo de promover a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, assim como à Resolução CONAMA 237, de 19.12.1997.
A bem ver, o que o Ministério Público está pretendendo debater nesta demanda é se as medidas fixadas pelo órgão estadual e a forma de atendimento pelo empreendedor têm sido corretas. No entanto, tal debate ingressa no mérito dos atos administrativos.
De fato, importante salientar que não cabe ao Poder Judiciário, pelo princípio da separação dos poderes, insculpido no art. 2° da Constituição Federal[1], julgar/declarar a legalidade ou não dos atos administrativos no que se refere ao seu mérito, tal como requer o Ministério Público, por ser esta uma atribuição exclusiva do Poder Executivo.
2.2. SEPARAÇÃO DOS PODERES
Ainda, acerca da separação dos poderes e da competência do órgão licenciador para impor as medidas cabíveis para mitigação de impactos decorrentes de um empreendimento licenciado, vale citar as seguintes ponderações:
Deveras, o licenciamento ambiental, como materialização do poder de polícia administrativa, e ato exclusivo do Poder Executivo, em linha ao disposto nos arts. 23, VI, da CF e 10 da Lei 6.938/1981, bem assim ao preconizado pelo princípio da separação de poderes.
Ao discorrer sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello preleciona que “o campo de apreciação meramente subjetiva – seja por conter-se no interior das significações efetivamente possíveis de um conceito legal fluido e impreciso, seja por dizer com a simples conveniência ou oportunidade de um ato – permanece exclusivo do administrador e indevassável pelo juiz, sem o que haveria substituição de um pelo outro, a dizer, invasão de funções que se poria às testilhas com o próprio princípio da independência dos Poderes, consagrado no art. 2º da Lei Maior”.
Também claro, nesse ponto, o ensinamento de Nelson e Rosa Nery, para os quais, além da impossibilidade de se adentrar ao mérito do ato administrativo, não pode o Poder Judiciário, salvo em casos excepcionalíssimos, obstar órgãos do Poder Executivo de exercer sua competência legalmente definida.
2.3. ATOS ADMINISTRATIVOS VÁLIDOS
Além do mais, os atos administrativos, com base nos quais vem sendo implantada e o próprio processo de licenciamento ambiental, conduzido pelo órgão estadual competente para tanto, gozam de presunção de legitimidade que em momento algum foi afastada pelo Parquet.
A esse respeito, veja-se o entendimento do STJ, consolidado na apreciação do REsp 1.227.328/SP, da Primeira Turma, da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, cujo acórdão traz os dizeres a seguir:
A desconsideração, pela Corte a quo, de todo o licenciamento ocorrido na esfera administrativa, implica violação ao art. 10 da Lei n. 6.938/81. Isso porque, se o projeto da obra para construção do condomínio foi aprovado e licenciado pelos poderes competentes, com base no exercício do poder de polícia e em obediência à legislação correspondente e às normas técnicas aplicáveis, a licença então concedida trará presunção de legitimidade e definitividade, podendo somente ser cassada, revogada ou anulada.
Não se pode admitir, portanto, que, sendo deferido ao particular o licenciamento para a construção, com base no ordenamento jurídico então existente, seja posteriormente determinada a paralisação da obra causando prejuízos imensuráveis ao proprietário, sem que haja comprovação de que o projeto foi aprovado em desacordo com as normas vigentes.
No caso em análise, não há nos autos qualquer informação de que a construção encontra-se em desconformidade com o projeto apresentado quando do licenciamento ou de qualquer outra irregularidade que obstaria o seguimento da obra.
Pelo contrário, pois a sentença expressamente registra que a empresa diligenciou perante os órgãos ambientais, providenciando o enquadramento de seu projeto às exigências solicitadas, logrando êxito, ao final, na aprovação do seu projeto dentro das normas legais.
Nessa ordem de raciocínio, não cabe ao Judiciário, sob pena de violar o art. 10 da Lei 6.938/81, determinar embargo da obra, anulando, desta forma, os atos administrativos que concederam o licenciamento de construção, aprovado rigorosamente em acordo com todas a exigências legais, ainda mais quando a prova pericial realizada em juízo constatou que quanto ao processo de licenciamento “não havia indícios de que o órgão ambiental teria se baseado em falsas premissas para decidir sobre a emissão e conteúdo da licença ambiental.
Neste ponto, é importante relembrar que o processo administrativo nada mais é do que uma sequência de atos sucessivos no tempo, dirigidos à produção de um ato final, que ganham legitimidade exatamente a partir das formalidades legais que foram observadas na prática dos atos que o antecederam.
2.4. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ENQUANTO ATO ADMINISTRATIVO
Com efeito, os atos administrativos nascem com a presunção de legitimidade, que decorre do princípio da legalidade a ser observado pela Administração Pública, insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal. Sobre a presunção de legitimidade dos atos administrativos, ensina Hely Lopes Meirelles:
Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração (art. 37 da CF), que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Daí o art. 19, II, da CF proclamar que não se pode “recusar fé aos documentos públicos”.
Além disso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde às exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade que reveste os atos administrativos só pode ser elidida caso se comprove que o ato foi emitido em desobediência à lei, inclusive para que não ocorra a violação do princípio da segurança jurídica, cuja principal exigência reside em conferir um determinado grau de estabilidade das decisões proferidas nas instâncias administrativas. Nesse sentido, também já julgou o STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM ACP QUE SUSPENDERA AS OBRAS DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO PRÉ-LICENCIADO. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC. VALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS E PROVAS DOS AUTOS. NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO.
O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo, portanto, o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 535 do CPC.