Contrarrazões ao recurso de apelação interposto pelo IBAMA contra sentença que julgou procedente a ação declaratória de auto de infração ambiental reconhecendo a prescrição intercorrente do processo administrativo ambiental.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE
Apelada, já qualificada nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo em epígrafe, vem, respeitosa e tempestivamente, à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores regularmente constituídos, com fundamento no art. 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil, apresentar CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA contra a r. sentença que anulou processo administrativo por incidência da prescrição intercorrente, extinguindo os efeitos do auto de infração ambiental e termo de embargo ambiental.
1. BREVE SÍNTESE DA DEMANDA
Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, ajuizada pela Apelada com o objetivo de obter a declaração de nulidade do Auto de Infração Ambiental lavrado pelo Apelante.
O principal fundamento do pedido de nulidade arguido na presente ação, dentre outros, é a inequívoca ocorrência de prescrição intercorrente no curso do processo administrativo sancionador.
De acordo com a autuação ora combatida, agentes do IBAMA impuseram à Apelada sanção administrativa por supostamente ter destruído vegetação localizada em área de preservação permanente, no âmbito da implantação de seu empreendimento.
Contudo, não bastasse a prescrição intercorrente, viu-se também que não houve qualquer conduta infratora por parte da Apelada que pudesse subsidiar a atuação sancionadora do Apelante.
Nesse contexto, foi indevidamente imposta à Apelada multa exorbitante, que, no momento da propositura da demanda, já somava o dobro, conforme notificação recebida pela Apelada comunicando o encerramento do processo e determinando o pagamento da multa.
Com a propositura da presente ação, o MM. Juízo de primeira instância concedeu tutela provisória determinando ao Apelante que promovesse a suspensão do nome da autora do CADIN. Posteriormente, a tutela provisória foi confirmada em sentença de mérito, que julgou totalmente procedente a ação.
Em que pese as sólidas razões de mérito expostas ao longo da tramitação e instrução do presente feito, que demonstraram de forma inequívoca a ausência de pressupostos fáticos e jurídicos que justificassem a lavratura da autuação, o MM. Juízo a quo nem mesmo precisou analisar o mérito da alegada infração imputada à Apelada, uma vez que, de plano, constatou a gritante prescrição intercorrente do processo administrativo e declarou a inexigibilidade do crédito oriundo do auto de infração:
Isso porque, após a lavratura do auto de infração e apresentação de defesa administrativa, a Apelada teve de aguardar por mais de cinco anos para receber a notificação de indeferimento de sua defesa.
Neste período de cinco anos, o processo permaneceu paralisado por mais de três anos sem qualquer tramitação no sentido de efetivamente apurar a infração ou subsidiar atos decisórios da Apelante.
1.1. PRESCRIÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL
De fato, após a lavratura do auto de infração, a Apelada apresentou sua defesa administrativa e foi emitido o parecer instrutório. A partir daí, não foi dado ao processo administrativo sancionador qualquer movimentação que importasse na apuração da infração até que foi proferido despacho do processo administrativo, dando encaminhamento ao processo.
Ora, como se pode notar, houve um lapso temporal de mais de três anos entre a emissão do parecer instrutório e o despacho de encaminhamento, que deu seguimento ao processo conforme conclusões do aludido parecer.
Foi o que corretamente entendeu o MM. Juízo prolator da r. sentença apelada. Irresignada, a Apelante devolve a matéria a este E. Tribunal com o objetivo de maquiar a evidente ocorrência de prescrição intercorrente no processo.
Para isso, como restará demonstrado no capítulo seguinte, precisou ignorar/omitir importantes dispositivos normativos, tanto do Decreto Federal 6.514/2008, quanto da Lei Federal 9.873/1999, que descrevem os atos administrativos capazes de interromper a prescrição intercorrente.
Em suas razões, a Apelante aduz que qualquer tramitação ou despacho juntado aos autos de processo administrativo seria capaz de interromper o decurso do prazo para configuração de prescrição intercorrente, mencionando um relatório técnico.
No entanto, como se verá, tal relatório e ofício, que foram juntados ao processo administrativo sancionador durante o decurso do prazo prescricional, nada tinham a ver com a apuração da infração administrativa.
Isso porque, o aludido relatório técnico e seus documentos dizem respeito à reparação civil do dano ambiental, quanto à apuração das diligências realizadas nesse sentido, não correspondendo à apuração da infração que ensejou a lavratura do Auto de Infração Ambiental. Mesmo destino do ofício, que também trata do Termo de Compromisso e do implemento da reparação via PRAD, tanto que seu assunto identifica a notificação a qual trata da apresentação do protocolo do PRAD.
Nesse contexto, diante da inequívoca ocorrência de prescrição intercorrente no processo administrativo em questão, a Apelada vem, perante este E. Tribunal, apresentar suas razões que demonstram que o recurso interposto pela Apelante não merece prosperar.
2. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Sem rodeios, o que se verifica no presente recurso é que a Apelante pretende sustentar, em relação à prescrição intercorrente, que qualquer ‘despacho’ lançado nos autos é capaz de interrompê-la, uma vez que, ainda segundo a Apelante, o art. 21, § 2º, do Decreto Federal 6.514/2008 não destaca quais ‘despachos’ teriam o condão de interromper a prescrição intercorrente.
No entanto, aparenta a Apelante ter ignorado, quiçá omitido intencionalmente, o que dispõem o art. 22 do Decreto Federal 6.514/2008 e o art. 2º da Lei Federal 9.873/1999, que trazem claramente as causas de interrupção da prescrição:
Art. 22 – Interrompe-se a prescrição:
I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;
II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e
III – pela decisão condenatória recorrível. Lei Federal 9.873/1999
Art. 2º – Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
Ora, nenhum dos documentos ou movimentações existentes no processo administrativo sancionador no período dizia respeito a qualquer tipo de ato que importaria a efetiva apuração do cometimento ou não da alegada infração administrativa.
Conforme já destacado, o Auto de Infração Ambiental foi lavrado em, com defesa administrativa apresentada pela Apelada em.
A partir daí, o processo desviou-se para assunto que nada tinha a ver com a apuração da infração – Projeto de Recuperação de Área Degradada, sendo que, conforme atestado pelos agentes da própria Apelante, o assunto não era conduzido pela Superintendência Estadual do IBAMA, responsável pela instrução e julgamento do processo administrativo sancionador. Despacho anterior, chegou a afirmar que eram desconhecidas as razões de tal assunto ter sido ventilado no processo sancionador.
Afinal, como sabido, o processo administrativo sancionador deve apurar única e exclusivamente assuntos relacionados à infração e respectiva sanção administrativa, tais como os argumentos de defesa, a apresentação de alegações finais, de peças recursais etc. – sendo certo que discussões a respeito de medidas reparatórias ou compensatórias são indiscutivelmente alienígenas à sanção propriamente dita e que, portanto, deveriam ter sido tratadas em procedimento próprio.
2.1. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
Pois bem. Fato é que somente anos após o processo retomou sua regular tramitação no sentido de efetivamente buscar apurar a infração imputada à Apelada, conforme se nota do despacho, que dá encaminhamento aos autos conforme conclusão do parecer instrutório.
Ao contrário do que pretende sustentar a Apelante, nenhum dos despachos e andamentos citados pelo IBAMA no despacho em questão teve o condão de dar prosseguimento à apuração da infração e da validade do auto de infração.
De fato, para que fosse interrompido o prazo prescricional ora demonstrado, seriam necessários atos que realmente importassem a apuração da infração, conforme disposição expressa dos já analisados arts. 22, do Decreto Federal 6.514/2008, e 2º da Lei Federal 9.873/1999.
Conforme já mencionado, despachos que tratam de tema absolutamente estranho à apuração da infração, e despachos que meramente encaminham os autos de uma repartição a outra, não são causas interruptivas de prescrição.
Ora, assim como não se pode considerar a multa elidida pela reparação civil ambiental, não se deve entender que a apuração do cumprimento de PRAD em processo que apurava fato para aplicação de sanção pecuniária tenha o condão de servir como diligência administrativa que apurou a infração e se prestaria a interromper a correspondente prescrição, até porque não é útil à solução do processo administrativo, e não serve nem foi utilizado como elemento instrutório para a sua conclusão, sendo inábil à constituição do crédito.
Isso fatalmente leva ao reconhecimento da incidência da prescrição intercorrente, pois no lapso compreendido entre a emissão do parecer instrutório e o despacho que teria tornado ao tema e ao intento de instrução/análise da infração, passaram-se mais de três anos.
Os despachos proferidos nesse intervalo, quando não tratam de tema diverso, apenas encaminham o processo e/ou especificam um destinatário para a finalidade, providências meramente ordinatórias.
Outrossim, medidas de natureza claramente administrativa, tais como embargos, suspensão de atividades e apreensão de bens, as quais, além de não terem incidido no caso concreto, também não guardam qualquer conexão com medidas de caráter reparatório, próprias da responsabilização civil, como é o caso do Projeto de Recuperação de Área Degradada e Termo de Compromisso que invadiram o processo administrativo sancionador em comento.
2.2. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
Como não poderia deixar de ser, a incidência da prescrição intercorrente sobre processos administrativos sancionadores ambientais é amplamente reconhecida pela jurisprudência pátria, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, coadunando com os dispositivos destacados acima e com o princípio da segurança jurídica e da duração razoável do processo:
(…) Em que pese ter havido despacho de recebimento da inconformidade administrativa antes do implemento do prazo prescricional intercorrente, forçoso reconhecer que referido ato administrativo não pode ser confundido com “inequívoco” ato apuratório de fatos ou de verdadeiro ato de impulso procedimental, porquanto restrito à manutenção da decisão objurgada e à remessa do feito ao órgão atribuído para julgamento.
Com efeito, somente os atos tendentes a apurar o ato ilícito e, consequentemente, capazes de possibilitar o julgamento no sentido da homologação ou não do auto de infração serão capazes de anular eventual incidência da prescrição intercorrente. Isso porque o procedimento administrativo é conduzido pelo Princípio da Segurança Jurídica, o qual estaria totalmente fragilizado caso a lei possibilitasse que todo e qualquer ato, mesmo aqueles que não objetivem o deslinde da controvérsia, afastassem a prescrição intercorrente. (…)
Assim, não havendo como considerar distribuição do processo, bem como mero carimbo como atos hábeis a dar impulso útil ao processo, não há outra conclusão senão pela ocorrência de prescrição intercorrente, nos termos do art. 1º. da Lei 9.873/99 e art. 21, § 2º, do Decreto 6.514/08, em razão da inércia do IBAMA que acarretou a paralisação do processo administrativo por período superior a 3 (três) anos.[1]
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO – ANP. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE RECONHECIDA. LEI 9.873/99. SENTENÇA REFORMADA.
O Auto de infração lavrado pela autoridade administrativa competente em função de a empresa-autora não possuir equipamento obrigatório de detecção de vazamento de GLP e não observar as normas mínimas de segurança, em desacordo com a legislação aplicável.
Importante frisar que o simples encaminhamento do procedimento administrativo para realização da instrução, por constituir mero ato de expediente que impõe a lógica procedimental, não tem, em verdade, o condão de interromper o prazo prescricional, vez que não se encaixa às hipóteses previstas no art. 2º da Lei 9.873/99.
Assim, extrapolado o período de 3 (três) anos previsto no § 1º, do art. 1º, da Lei 9.873/1999 entre a defesa apresentada pela Administrada e o despacho que determinou a sua notificação para fins de apresentação de alegações finais, forçoso reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente da pretensão punitiva da Administração. Precedente. Prejudicado a análise dos demais pedidos.
Recurso adesivo provido, para, reconhecida a prescrição intercorrente, declarar a nulidade do procedimento administrativo, bem como das penalidades dele decorrentes. Prejudicados os demais pedidos e a apelação da ANP. Verba honorária fixada em 10% sobre o valor da condenação a cargo da parte ré, com fulcro no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.[2]
2.3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE PRESCRIÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIDO. IBAMA. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 1º, PARÁGRAFO 1º, DA LEI Nº 9.873/99.
(…) Conforme disposto no art. 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/99, “incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.
Mostra-se razoável o entendimento manifestado pelo Magistrado de Primeiro Grau, especialmente anotando-se o intervalo, quando ultrapassado mais de três anos sem qualquer julgamento ou despacho.
O argumento de que o processo teria estado, no período, no IBAMA-Sede, em Brasília, não pode ser acatado, porquanto não inscrito qualquer ato praticado pelo referido órgão, limitando-se a autarquia a trazer simples registros temporais, que demonstram exatamente a fluência do tempo. 6. Apelação e remessa oficial improvidas. Agravo retido não conhecido.[3]
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REABERTURA DE DISCUSSÃO ACERCA DE MATÉRIA JÁ ANALISADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. CABIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO MULTA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO IBAMA. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI Nº 9.873/99, ARTIGO 1º, PARÁGRAFO PRIMEIRO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
I -Manutenção do reconhecimento da ocorrência da prescrição intercorrente administrativa, dado o transcurso de mais de três anos desde a primeira verificação, em 2.10.00, do não atendimento à solicitação (de 15.8.00) de entrega de planta da propriedade para viabilizar vistoria, até a determinação para adoção da providência cabível despachada em 15.12.03.
II – No caso dos autos, a paralisação do Processo Administrativo não pode ser atribuída exclusivamente ao próprio autor, pois a ocorrência da prescrição intercorrente administrativa não é mero reflexo de sua conduta omissiva, mas decorrência da inércia da própria Administração a quem incumbia diligenciar na apuração da infração. (…)[4]