ILUSTRÍSSIMA AUTORIDADE AMBIENTAL FISCALIZADORA DO INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE – IMA DE SANTA CATARINA
Auto de Infração Ambiental
Termo de embargo
Processo IMA/SC
AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ, com sede na, Florianópolis/SC, CEP, vem, por seu advogado, à presença de Vossa Senhoria, com fundamento no art. 73 da Lei Estadual 14.675/2009, art. 98 e 100 da Portaria Conjunta CPMA/IMA 143/2019 e art. 113 do Decreto 6.514/08, oferecer
em face do Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo, Interdição ou Suspensão – TEIS que originaram o Processo IMA/SC, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Consta na Informação Técnica, que o Instituto de Meio Ambiental de Santa Catarina – IMA/SC, teria constatado supressão de vegetação nativa em possível área de preservação permanente em que a Autuada estava construindo um empreendimento, o qual amparado no Alvará de Licença.
Por entender que a Autuada impediu/dificultou a regeneração de vegetação nativa em área de preservação permanente, mediante edificação do empreendimento, a agente fiscal lavrou o Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo, Interdição ou Suspensão imputando à Autuada a conduta tipificada no art. 48 do Decreto 6.514/98, in verbis:
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em unidades de conservação ou outras áreas especialmente protegidas, quando couber, área de preservação permanente, reserva legal ou demais locais cuja regeneração tenha sido indicada pela autoridade ambiental competente: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por hectare ou fração.
A descrição sumária da infração foi assim redigida:
Impedir/dificultar a regeneração natural de vegetação nativa em área de preservação permanente, mediante edificação do empreendimento denominado “[…]”, mesmo após cientificado da restrição ambiental ali existente mediante Intimação/Notificação e Informação Técnica.
Por ocasião da lavratura do Auto de Infração, a agente fiscal indicou a título de multa simples, o valor de R$ 5.000,00, além de embargar a obra.
Conforme se extrai da Informação Técnica, a agente entendeu que próximo ao empreendimento da Autuada havia um olho d’água, “aparentemente perene” (considerando ausência de chuva no município no dia da vistoria e também nas semanas anteriores).
Todavia, o Auto de Infração Ambiental e seus acessórios padecem de vício e devem ser declarados nulos, sobretudo pela ausência de conduta ilícita praticada pela autuada, que previamente ao início da obra, requereu e lhe foi concedida o alvará de licença precedido de vistoria in loco pelo órgão competente, conforme será demonstrado a seguir.
2. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – SANÇÃO DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA QUE EXIGE DOLO OU CULPA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE NEXO DE CAUSALIDADE – VÍCIO
Outra constante no auto de infração vergastado, é a inexistência de nexo causal com o suposto dano. Isso porque, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, ou seja, exige demonstração de que a conduta foi cometida pelo alegado transgressor, além de prova do nexo causal entre o comportamento e o dano, conforme pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ nos autos dos embargos de divergência do REsp 1.318.051.
Sendo assim, a mera lavratura de auto de infração ambiental não comprova que os pressupostos, ou seja, demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e o dano estão presentes, porque os fatos narrados pela agente fiscal foram apenas supostos, e não comprovados, como exige a teoria da responsabilidade subjetiva, ou seja, para a agente, o simples fato de água empoçada seria suficiente para conceber um “olho d’água” e assim caracterizar a infração de impedir ou dificultar a regeneração de vegetação nativa, quando ausente a própria vegetação.
Com efeito, não há confundir o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil ambiental, de modo que necessária a comprovação do dano e do nexo causal, além da demonstração de dolo ou culpa, não sendo suficiente para imposição de sanção a mera alegação de ocorrência do dano, até porque, a próprio agente fiscal fez constar na Informação Técnica que o olho d’água seria “aparentemente perene”, o que evidentemente não é suficiente para impor sanção à Autuada, pois lhe falta os elementos ensejadores da responsabilidade administrativa, senão vejamos:
Somado a isso, verifica-se que o lote ao lado, onde a vegetação nativa encontra-se preservada, apresenta uma ampla área úmida, com vários afloramentos naturais do lençol freático, caracterizados como olhos d’água, aparentemente perenes (considerando ausência de chuva no município no dia da vistoria e também nas semanas anteriores) e inseridos na Bacia Hidrográfica do Rio Tavares. (g. n.)
Nesse ponto, há de se destacar que a ilação – caracterizada pela inferência, pelos indícios, pelas presunções e pela ausência de prova material – em tudo se diferencia da comprovação, operação por meio da qual se afirma e se torna irrefutável determinado fato, que é integralmente demonstrado a partir de provas materiais.
Com isso, torna-se imperioso reconhecer que, embora a agente fiscal tenha inferido a existência de nexo causal, e até mesmo de um dano ambiental imputável à Autuada – o que foi feito por meio de uma operação lógica denominada ilação –, a autuação não se sustenta por falta de comprovação da ocorrência de referido nexo e do citado dano.
Logo, o auto de infração ambiental hostilizado decorre da presunção de ocorrência de nexo causal e de dano ambiental, e não de prova propriamente dita, cuja ausência afasta a sua higidez.
Por outro lado, o alvará de licença emitido pela municipalidade em sua estrita competência e legalidade, leva à conclusão lógica de inexistência de infração por ausência de sua comprovação, até porque, sua concessão foi precedida de vistoria in loco, enquanto somente a agente fiscal que lavrou o auto de infração concebeu um “olho d’água aparentemente perene”, aliás, disse ela que haviam 4 pontos, mas só fez constar 1 único ponto na Informação Técnica, e mais, omitiu a informação a respeito da altimetria de toda a região. E não se pode perder de vista, que a alegação de “falta de chuvas” sucumbiu diante dos dados oficiais de precipitação ut retro.
E por mais que se alegue que os agentes estatais gozam de fé pública e seus atos se revestem de legitimidade, é incontroverso que tais princípios são relativos e que os atos administrativos, especialmente aqueles que impõem penalidade, devem ser devidamente instruídos e as decisões respectivas fundamentadas e motivadas, sob pena de nulidade.
Por fim, vale destacar que a declaração de insubsistência da autuação não pode ser obstada ao simples argumento de que a Autuada teria praticado a conduta de “impedir/dificultar a regeneração natural de vegetação nativa em área de preservação permanente, mediante edificação do empreendimento”, mormente porque não comprovada a existência do suposto olho d´água, tão pouco a existência de vegetação. É que por óbvio, só se impede ou se dificulta de se regenerar a vegetação que existe, e não o que não existe!
Dito isto, necessário que se reconheça a inexistência de nexo causal entre a alegada conduta e o suposto dano, bem como, a ausência de demonstração de dolo ou culpa da Autuada, declarando nulo o auto de infração ambiental.
2.1. ATIPICIDADE DA CONDUTA
Não obstante o exposto, restou evidente que não há que se falar em área de preservação permanente porque o olho d’água, bem como a vegetação nativa não existem/existiram! Tanto é, que a própria agente fiscal registra na Informação Técnica que tal olho d’água é aparentemente perene, considerando “a falta de chuvas”, argumento já rechaçado no início da presente defesa, conquanto dados oficiais colhidos pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/INPE demonstram que a precipitação de chuvas em Florianópolis no mês da fiscalização (março/2020) foi superior a 180 mm, ultrapassando 200 mm no mês anterior.
Além disso, a agente fiscal omitiu informação técnica de que a área onde concebeu o tal “olho d’água aparentemente perene”, possui a menor declividade de todo o local, o que também já foi objeto de discussão nos capítulos anteriores, colacionando-se, inclusive, mapa da altimetria local.
Dessa forma, não há se falar em tipicidade, a qual é um dos elementos do fato típico e para que seja reconhecida diante de uma suposta violação às normas ambientais, reclama seu elemento formal e o material, em dois momentos distintos, mas que a ausência de qualquer um deles, conduz ao fato atípico.
A tipicidade formal consiste na subsunção do fato à infração administrativa, ou seja, se a conduta praticada pelo alegado transgressor preenche todos os elementos previstos pela norma que prevê a infração administrativa, isto é, deve ser constatada a conduta, o resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a adequação típica (do fato à letra da lei), in casu, o impedimento ou dificuldade de regeneração da vegetação existente, de modo que se ausente a vegetação, não há preenchimento dos elementos.
Já a tipicidade material, é a valoração da conduta e do resultado, objetivando delimitar as condutas que realmente possuem relevância para o Direito Administrativo Sancionador. Isto é, para caracteriza a infração, a conduta perpetrada pela Autuada deve ser juridicamente relevante, a fim de ter lesionado o bem jurídico tutelado, ao passo que, condutas consideradas irrelevantes ou insignificantes, não são capazes de materializar o fato típico, afastando a lesividade e tornando o fato atípico.
Pois bem. Segundo a agente fiscal do IMA, a Autuada estaria impedindo ou dificultando a regeneração natural de vegetação nativa em área de preservação permanente, mediante edificação de um empreendimento em área urbana, mesmo sem comprovação de existência de vegetação.
Lado outro, antes de iniciar a obra, a Autuada requereu e lhe foi concedida todas as autorizações e licenças necessárias, as quais precedidas de vistoria in loco, não havendo se falar em cometimento de infração, até porque, inexistia vegetação nativa sobre o terreno, e tanto é verdade, que a agente fiscal não descreveu a espécie de vegetação nativa que teria sido impedida ou dificultada de se regenerar. Em outras palavras, para subsunção à norma, só se pode impedir ou dificultar a regeneração da vegetação que existe no mundo real, e não no mundo imaginário da agente fiscal.
O auto de infração ambiental guerreado é frágil. Além de ter sido lavrado com base em meras imagens do sistema de Geoprocessamento da Prefeitura de Florianópolis, as quais, frise-se, apontam a área como sendo ARP-2.5, não possui nenhum dos elementos do tipo no local, o que implica em atipicidade formal, ou seja, a conduta da Autuada não se subsume ao tipo do art. 48 descrito no auto de infração.
Por outro lado, de forma hipotética, ainda que se entenda presente a tipicidade formal, ou seja, a perfeita adequação entre a conduta e a infração administrativa do art. 48, do Decreto 6.514/08, a valoração da conduta e do resultado implica no reconhecimento da tipicidade material, ante a insignificância da lesão ao bem jurídico protegido pela norma, até porque, inexistem laudos técnicos que comprovem a real existência do dano como narrado pela agente fiscal, bem como, a ausência de comprovação de vegetação nativa que teria sido impedida ou dificultada de se regenerar.
Diante disso, não há como concluir que os fatos narrados pela agente fiscal configuram ato capaz de prejudicar o meio ambiente e justificar a aplicação de multa e medidas acessórias tão gravosas sob esse fundamento, sobretudo, frise-se, quando ausente a comprovação de olho d’água e até mesmo de vegetação nativa.
Assim, em qualquer dos casos, está-se diante de fato atípico, porquanto lhe falta um dos elementos, e, portanto, conduz a nulidade do auto de infração ambiental, é o que se requer.
2.2. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE E MOTIVAÇÃO
Não obstante todo exposto, evidenciam-se vícios que de legalidade e motivação, visto que não existem fundamentos legais que comprovam a infração ambiental. Isso porque a imputação da referida infração careceu de requisito mínimo à sua subsistência, já que a agente fiscal não motivou seus atos administrativos adequadamente no sentido de comprovar a suposta conduta da Autuada, em franca violação aos dispositivos que estabelecem os tipos administrativos.
Como cediço, a Administração Pública está sujeita ao princípio da motivação dos atos administrativos, impondo-se o dever de fundamentar e justificar especialmente atos que impuserem sanções.
Ocorre que, a despeito da necessidade de observância ao princípio da motivação dos atos administrativos, em nenhum momento a agente fiscal trouxe qualquer motivação hábil a comprovar e demonstrar a autoria da suposta infração, ou seja, hábil a comprovar como a Autuada teria, por uma conduta de sua parte, dado causa à infração, já que lhe fora concedido alvará de licença para construção, precedido de vistoria in loco que não atestou vegetação nativa que poderia ser impedida ou dificultada de se regenerar, muito menos, olho d’água na menor declividade do terreno lindeiro, conforme comprova o mapa temático de altimetria ut retro colacionado.
Além disso, como já abordado, para que se configure a responsabilidade administrativa, é imperativo que exista uma conduta culpável do pretenso infrator e que esta conduta se subsuma a um tipo administrativo previamente estabelecido. À luz do princípio da motivação, é óbvio que a existência desta conduta e sua subsunção (autoria) devem ser comprovadas e demonstradas no ato administrativo sancionador.
E nem se argumente que os atos administrativos são dotados de presunção de veracidade. Com efeito, os atos administrativos devem ser devidamente motivados, especialmente quando sancionadores, sob pena de se incorrer em abuso de poder e desvio de finalidade.
Afinal, sem a motivação, não há se falar em garantia de direitos fundamentais contra o arbítrio, na medida em que não há alternativas a serem exploradas pelas partes se a autoridade puder, a seu bel prazer, ditar resoluções arbitrárias e despidas da mais mínima e elementar fundamentação, como é o caso dos autos, cuja infração reside em um olho d’água “aparentemente perene”. Ora!
Desse modo, seja pela inexistência de conduta infratora, seja pelo fato de que a Autuada não gerou dano à APP ― a qual sequer restou comprovada ―, resta descabida a lavratura do Auto de Infração Ambiental e o Termo de Embargo, considerando que tais atos administrativos estão eivados pelo vício da ilegalidade e de motivação, porque a sua falta representa defeito substancial de forma, que acarreta nulidade do ato.
No caso em análise, falta motivação por não ter havido qualquer fundamento específico sobre os motivos que embasaram a lavratura do referido ato administrativo ou sequer uma conduta que pudesse ser atribuída à Autuada para ensejar sua responsabilidade administrativa.
Ora. Não basta a simples indicação dos artigos supostamente infringidos ou informações genéricas sobre os motivos que ensejaram a autuação, mas sim, que sejam apontadas as razões que conduziram a agente fiscal à prática do ato administrativo. O que se observa da leitura do auto de infração, é a descrição de condutas e fundamentos legais genéricos, sem qualquer narrativa ou fundamento concreto.
Portanto, diante da inegável ausência de motivação que macula a forma do auto de infração, é inevitável que se reconheça a sua nulidade.
2.3. INCOMPETÊNCIA DO IMA/SC PARA AUTUAR – ÁREA URBANA – PLANO DIRETOR – COMPETÊNCIA MUNICIPAL
É cediço que a municipalidade concedeu alvará para concretização do empreendimento em questão, que inclusive, foi renovado pela Autuada sem qualquer óbice. No entanto, a agente fiscal, por algum interesse e sem qualquer motivo, não apenas lavrou o auto de infração ambiental, mas também impôs o indevido embargo à obra, o que afronta gravemente a legislação de regência. Colhe-se da Informação Técnica:
Considerando que o empreendimento apresenta uma placa informando possuir alvará, e considerando também que o município possa ter expedido as demais autorizações necessárias (como a autorização de corte de vegetação), optou-se por, primeiramente, lavrar Intimação/Notificação, requerendo a apresentação do alvará e da autorização de corte, se existente, estando sujeito a aplicação posterior de auto de infração ambiental, se for o caso. Pelo mesmo instrumento, também notificou-se a empresa sobre a presença de nascentes e APP no imóvel.
Ocorre que, o local é uma Área Residencial Predominante – ARP-2.5, e não uma APP como faz crer a agente fiscal, além disso, não se faz necessário uma licença para retirada de árvores ou vegetação que não existem!
O IMA tem o total respaldo para atuar e agir com seu poder de polícia, contudo, não pode lavrar auto de infração sem motivo se sobrepondo à competência do ente municipal que é o responsável pela concessão do alvará de licença.
Daí decorre a incompetência do IMA para lavrar auto de infração ambiental, nos termos do art. 17 da Lei Complementar 140/2011, in verbis:
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.