ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS E AUTOS DE INFRAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE ESTADO DE MATO GROSSO
Auto de Infração Ambiental
AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ, com sede, vem, à presença do Superintendente de Procedimentos Administrativos e Autos de Infração, com fundamento no art. 113 e seguintes do Decreto 6.514/2008, art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 99 da Lei Complementar 38/1995, apresentar
em razão do Auto de Infração Ambiental lavrado em pela equipe técnica do Corpo De Bombeiros de Mato Grosso – Batalhão de Emergências Florestais, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA AMBIENTAL
A Autuada foi cientificada da lavratura do auto de infração ambiental em epígrafe, no dia, através do envio de carta com aviso de recebimento, de modo que, nos termos do art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 113 do Decreto 6.514/2008, o prazo para apresentar defesa prévia é de 20 dias contados da ciência da autuação, e, portanto, indiscutível a tempestividade da presente defesa.
E, ainda que se entenda de modo diverso, a audiência de conciliação ambiental prevista no art. 97-A do Decreto 6.514/08, não fora designada, de modo que a fluência do prazo a que se refere o art. 113 do mesmo diploma regulamentador fica sobrestada pelo agendamento da audiência e o seu curso se inicia a contar da data de sua realização, o que de fato não aconteceu.
2. DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR O AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A Lei Complementar 639, de 30 de outubro de 2019, deu nova redação ao art. 96 da LC 38, para incluir o Corpo de Bombeiros como autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo, como se vê:
Art. 96 São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo: (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)
III – o Corpo de Bombeiros Militar, em circunstâncias que envolvam queimadas ilegais, incêndios florestais e transporte de produtos perigosos, tóxicos ou nocivos à saúde humana.
Cediço que as infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições da LC 38 ─ inteligência do art. 98 ─, de modo que o seu processamento e julgamento cabe à SEMA, nos termos do art. 99 do mesmo diploma:
Art. 99 Os autos de infração ambiental serão processados junto à SEMA, incluindo aqueles lavrados pelos agentes do Batalhão de Polícia Militar de Proteção Ambiental e do Corpo de Bombeiros Militar. (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)
Desse modo, a SEMA é autoridade competente para receber a presente defesa prévia, processar e julgar o auto de infração em epígrafe.
3. DO USO DE NORMA FEDERAL
Antes mesmo de adentrar nos fatos e no direito, necessário observar que Corpo De Bombeiros de Mato Grosso – Batalhão de Emergências Florestais fundamentou o auto de infração ambiental em epígrafe nos arts. 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e arts. 58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08.
Com efeito, não há impedimento para que o Corpo De Bombeiros, órgão estadual, utilize decreto e lei federal para exercer a fiscalização e a autuação por infração à legislação de proteção ambiental, mesmo porque, há expressa previsão legal para utilização de norma federal, conforme redação do art. 95 da Lei Complementar 38/1995 (Código Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso), in verbis:
Art. 95. Para os efeitos deste Código, considera-se infração administrativa toda ação ou omissão, que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente ou que importe em inobservância das normas previstas nesta lei complementar e demais atos normativos, incluída a legislação federal pertinente.
Sendo assim, necessário que se observe o rito do processo administrativo aos moldes do Decreto Federal 6.514/08 e Lei Federal 9.605/98, mesmo que exista regulamento processual administrativo no âmbito do Estado do Mato Grosso, sob pena de conflito entre norma estadual e federal.
4. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Segundo informações lançadas no auto de infração ambiental, a Autuada teria desmatado ha (quatro mil e duzentos hectares) de vegetação nativa, objeto de especial, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente.
Já no Auto de Inspeção, constou que, no dia, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso se deslocou até a propriedade da Autuada para atender demanda informada pela Central Descentralizada Bombeiro Militar (BDBM), a qual informou sobre o uso de fogo após enleiramento de material vegetativo.
Segundo a equipe técnica do Corpo de Bombeiros, teria sido constatado no local, resíduo vegetal queimado e formato de leiras, que de acordo com informações obtidas através do sistema da SEMA, a propriedade teria autorização para queima controlada, mas realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso de fogo em período proibitivo.
Diante disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros lavrou o auto de infração ambiental indicando o valor de R$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil reais) a título de multa ambiental, com base nos arts. 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e arts. 58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08, assim redigidos:
Da Lei Federal 9.605/1998
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Do Decreto 6.514/2008
Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II – a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial.
Vê-se que, ao contrário do que constou na descrição da infração, nenhum dispositivo trata de desmatamento, mas sim, de uso de fogo.
No entanto, a Autuada possui todas as autorizações necessárias expedidas pela SEMA, as quais foram totalmente desconsideradas pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros quando lavraram o auto de infração ambiental, mesmo tendo ciência de sua existência, conforme constou no próprio auto de inspeção, senão vejamos:
- Autorização para Desmatamento;
- Autorização para Exploração Florestal;
- Autorização para Queima Controlada.
Já no Relatório Técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros que o elaborou reconhece a existência das mencionadas autorizações, mas deduz que:
A propriedade teria autorização para queima controlada, mas que deixou passar o período permitido causando assim crime ambiental por uso de fogo em período proibitivo.
Ainda que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros tenha colacionado imagens de satélite com os focos de fogo e do enleiramento, salta aos olhos a inexistência de prova inequívoca de que a Autuada infringiu a legislação ambiental.
E isso fica ainda mais evidente quando se constata que o próprio Relatório Técnico é irrefutavelmente contraditório, veja:
CONCLUSÃO […]
Foi analisada a forma de propagação, associada a recursos remotos de focos de calor, imagens de satélites e dados metrológicos, as evidências nas áreas de origem e adjacentes, e concluiu que o fogo teve origem no dia, tendo o primeiro foco captado pelo sensor térmico do satélite NPP do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE na Fazenda ao lado. Dinâmica subsidiada pelas imagens do satélite Sentinel hub, cicatriz da queimada disponibilizada pelo satélite Landsat-8 no dia.
Não obstante, tanto no auto de inspeção como no relatório técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros relata que se deslocou para atender demanda de uso de fogo no dia, mas conclui que o fogo teve origem no dia, e para tanto, anexam imagens aéreas da suposta origem do fogo tiradas no dia, data da fiscalização.
Evidentemente, não há como inferir que o fogo foi causado pela Autuada em sua propriedade a partir de duas meras imagens fotográficas tiradas um dia depois após o início do fogo, desprezando o fato de que a propriedade fica às margens da rodovia.
Além do mais, as imagens do Satélite Landsat 8 anexas ao Relatório Técnico comprovam que que os focos iniciais de fogo foram constatados em, mas não mencionam precisamente o primeiro foco.
Não se desconhece a importância do trabalho do Corpo de Bombeiros no combate aos incêndios, mas com todo respeito, no caso há o que a jurisprudência chama de erros grosseiros, impossíveis de serem convalidados, e por isso, a declaração de nulidade do auto de infração ambiental é medida que se impõe, conforme será demonstrado.
5. DA VERDADE SOBRE AS QUEIMADAS OU USO DE FOGO
Antes de adentrar nas questões preliminares e de mérito, faz-se necessário mais alguns esclarecimentos.
A Autuada é legítima proprietária de uma área denominada Fazenda, com área total de ha, localizada no Estado do Mato Grosso, às margens da rodovia estadual, devidamente inscrita no Cadastro Ambiental Rural – CAR.
No dia, a Autuada requereu regularmente Autorização para Desmatamento e Autorização para Exploração Florestal, as quais foram concedidas pela SEMA.
Por conseguinte, em, a Autuada requereu a Autorização para Queima Controlada – AQC, também concedida pela SEMA.
Não há dúvidas que a supressão de vegetação foi legalmente autorizada pela SEMA, assim como, a expedição de Autorização para Queimada Controlada, a qual observou e respeitou o período proibitivo para uso de fogo. É dizer, não foi realizado nenhum fogo durante o período proibitivo. A origem e autoria do fogo são desconhecidas.
As secas que atingem o país desde o ano de e propiciaram centenas de focos de fogo, principalmente a região Centro-Oeste e Norte, são públicas e notórias, amplamente noticiadas em todos os canais de mídia. Por isso, era de pleno conhecimento da Autuada que o período proibitivo para queimadas havia sido prorrogado, mesmo possuindo AQC válida.
Logo, meras conjecturas de que a Autuada tenha iniciado fogo criminoso não são aptas à imposição de sanções administrativas.
Aliás, a própria Autuada através de seu encarregado compareceu à Delegacia de Polícia Civil no dia, às, e lavrou o Boletim de Ocorrência, cuja data do fato foi o dia anterior, ou seja, o dia, narrando que:
Compareceu a esta unidade policial o comunicante, encarregado da fazenda, noticiando um incêndio que atingiu o pasto da propriedade rural. Que, foram realizados combates para apagar o fogo, além disso foram realizados aceiros na propriedade. Que o fogo atingiu o pasto e também a reserva legal. Que o fogo iniciou a margem da rodovia e posteriormente espalhou com facilidade devido ao vento.
O relato condiz totalmente com as imagens do Satélite Landsat 8, anexadas pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros no Relatório Técnico, comprovando que efetivamente o fogo teve origem no dia.
Ora. Não há como impor uma sanção por dedução de que o fogo tenha sido provocado pela Autuada, quando esta foi a própria prejudicada pelo fogo que devastou a pastagem de anos de cultivo, enorme quantidade de materiais de construção e benfeitorias, além de cercas e áreas de reserva legal.
Não há como crer que a Autuada, devidamente autorizada à supressão de vegetação, exploração florestal e uso de fogo, fosse realizar queimada dentro do período proibitivo, ainda mais quando este estava prestes a cessar.
Já as imagens aéreas anexadas no relatório técnico pela equipe do Corpo de Bombeiros, não se prestam a comprovar a origem do fogo, porque com dito linhas atrás, o próprio relatório é contraditório quanto ao início do fogo, aduzindo que a origem era na Fazenda Luta.
O pior, é que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros relata que se deslocou para atender demanda de uso de fogo no dia, mas conclui que o fogo teve origem no dia, em local diverso, data em que a cicatriz de queima teria sido constatada pelo satélite, quando as próprias imagens do Satélite Landsat 8 que juntaram aos autos comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia, data da cicatriz de queima.
A propósito, consta que o dano ambiental supostamente provocado pela Autuada atingiu uma área de ha. No entanto, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se limitou à juntada de duas imagens do Satélite Landsat 8 que mostram todos os focos de fogo do dia, enquanto o próprio relatório foi confeccionado em.
As outras duas imagens em anexo ao relatório, apenas demonstram fogo nas leiras, as quais foram realizadas com autorização da SEMA e, portanto, aguardava-se o fim do período proibitivo para o uso de fogo nos exatos termos da AQC.
Maxima venia, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros imputa à Autuada infração ambiental genérica e sem qualquer motivação do ato administrativo, ferindo o princípio da legalidade e moralidade, o que é passível, inclusive, de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput e inciso I da Lei 8.429/1992[1].
Outro ponto que chama a atenção, é que o auto de infração foi lavrado por desmatar ha de vegetação nativa, objeto de especial preservação, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente, o que é totalmente contraditório.
Primeiro, porque os dispositivos legais indicados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros como supostamente infringidos, são todos relacionados ao uso irregular de fogo.
Segundo, é que não há qualquer evidência de “desmatamento sem autorização”.
E, terceiro, não há como imputar à Autuada uma degradação de ha a partir de uma vetorização genérica indicando apenas focos iniciais de fogo vistos por satélite, mas não comprovados.
Kit de modelos de Recursos para Processos Ambientais
Nem seriam necessários tantos argumentos para demonstrar a nulidade do auto de infração ambiental, que assim como o auto de inspeção e relatório técnico, não comprovam efetivamente a origem e autoria do fogo, se limitando a mencionar que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou até a propriedade autuada para atender demanda de uso de fogo repassada pela BDBM no dia cujo fogo teve origem no dia, enquanto as imagens do Satélite Landsat 8 comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia, corroborando o Boletim de Ocorrência lavrado pelo encarregado da Autuada.
Portanto, a nulidade do auto de infração é imperativa.
6. PRELIMINARMENTE
6.1. INAPLICABILIDADE DO ART. 60 DO DECRETO 6.514/08
De início, observa-se que a majorante prevista no art. 60 do Decreto 6.514/08 é inaplicável à infração administrativa do art. 58 do mesmo diploma, senão vejamos:
Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II – a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial
Em análise perfunctória dos dispositivos acima transcritos, resta evidente que o próprio inciso I do art. 60 exclui sua aplicação se a autuação for lavrada com fundamento no art. 58.
É conhecida a fama de pouco sábio de nosso legislador, mas a pouca sapiência não chega ao raio de tipificar a mesma conduta duas vezes, num mesmo diploma legal.
Ora, se o legislador previu uma infração administrativa por uso de fogo sem autorização, por óbvio, o próprio uso de fogo irregular não pode ser causa de aumento da sanção, ao contrário, estar-se-ia diante de antinomia e violação ao princípio do non bis in idem.
O inciso II também é excluído no caso, porquanto a supressão de vegetação foi realizada mediante autorização da SEMA, não havendo se falar em espécies ameaçadas de extinção, até porque, não há no auto de infração ambiental, nem no auto de inspeção e muito menos no relatório técnico confeccionados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros, qualquer menção de espécies ameaçadas de extinção.
É dizer, somente pode incidir no aumento da sanção de multa pela metade, quando a vegetação for destruída, danificada, utilizada ou explorada, ao mesmo tempo em que atinge espécies ameaçadas de extinção, as quais obrigatoriamente, deverão constar na lista oficial.
Portanto, a majorante prevista no art. 60, incisos I e II, deve ser afastada, porquanto inaplicável por expressa previsão legal e por atipicidade da conduta.
6.2. DO VALOR DA MULTA AMBIENTAL – ERRO GROSSEIRO
Quando o auto de infração ambiental foi lavrado, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros indicou o valor de R$ 31.500,000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil reais) a título de multa ambiental, computada com fundamento nos arts. 58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08, assim descritos:
Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II – a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial.
No próprio auto de infração consta no campo “descrição do valor da multa ambiental”, o valor da multa ambiental por hectare e o número de hectares, exatamente assim:
- R$ 5.000,00 X 4.200 ha = 21.000.000,00
- R$ 2.500,00 X 4.200 ha = 10.050.000,00
Valor total da multa ambiental aplicada: R$ 31.500.000,00
Ocorre que, o art. 58 prevê multa de R$ 1.000,00 por hectare, e não de R$ 5.000,00. Assim sendo, a majorante prevista no art. 60 ─ a qual, repise-se, é inaplicável com visto anteriormente ─, seria de R$ 500,00. Desse modo, a matemática nos mostra que o cálculo ficaria assim:
- R$ 1.000,00 X 4.200 ha = 4.200.000,00
- R$ 500,00 X 4.200 ha = 2.100.000,00
Valor total da multa ambiental aplicada: R$ 6.300.000,00
Logo, o valor correto que deveria ter sido indicado no auto de infração a título de multa ambiental era R$ 6.300.000,00, mas como já dito quase que de forma exaustiva, o art. 60 é inaplicável ao caso concreto.
Portanto, há erro grosseiro no cálculo do valor da multa ambiental, que considerou valores diversos daqueles descritos aos tipos supostamente infringidos.
6.3. INEXISTÊNCIA DE 4.200 HECTARES
Não obstante o erro grosseiro na indicação do valor da multa, também há erro na extensão da área atingida pelo fogo, a qual seria de hectares.
Isso porque, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros imputou à Autuada a conduta de uso de fogo irregular em uma área de hectares, apenas e exclusivamente com base nas imagens do Satélite Landsat 8, que apontam focos de fogo para todo o período do dia.
Desse modo, é juridicamente impossível imputar exclusivamente à Autuada o uso de fogo irregular em ha, até porque, analisando a imagem, percebe-se facilmente que há focos de fogo fora da cicatriz de queima, ou seja, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros realizou vetorização genérica para imputar infração administrativa à Autuada sem nenhuma motivação.
Por outro lado, como já mencionado, não consta em nenhum dos documentos elaborados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros ou nos autos do processo administrativo, quais seriam os danos provocados fora da área de propriedade da Autuada.
Muito pelo contrário, consta apenas, duas meras imagens aéreas de foco de fogo nas leiras, as quais se repise, foram realizadas com autorização da SEMA.
Como se vê, as imagens juntadas aos autos apenas mostram fogo nas leiras, as quais realizadas com autorização da SEMA e, portanto, aguardava-se o fim do período proibitivo para o uso de fogo, de acordo com AQC, não havendo qualquer prova de efetivo dano em ha, de modo que deve ser declarado nulo o auto de infração por violação ao princípio da motivação e ao 16, § 1º e art. 97 do Decreto 6.514/08.
7. DO MÉRITO
7.1. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO CLARA E OBJETIVA DA INFRAÇÃO AMBIENTAL
No caso concreto, o auto de infração ambiental, o auto de inspeção e o relatório técnico são paupérrimos ao descrever a conduta considerada violadora da legislação ambiental.
Referidos documentos se limitam, ao mesmo tempo que são contraditórios, em dizer que a Autuada teria desmatado ha de vegetação nativa, objeto de especial preservação, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão ambiental competente, mas não indica a origem, quando e como isso teria ocorrido, muito menos a ação ou a omissão imputável à Autuada, que, ao menos em tese, tivesse força bastante para vinculá-la a algum fato ilícito.
Lembre-se que o encarregado da Autuada compareceu à Delegacia de Polícia Civil no dia e lavrou Boletim de Ocorrência relatando o início do fogo às margens da rodovia no dia.
Tal relato, como já mencionado linhas atrás, está de acordo com as imagens do Satélite Landsat 8 que comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia, enquanto a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou até a propriedade da Autuada para atender demanda de uso de fogo repassada pela BDBM somente no dia e concluiu que o fogo iniciou no dia, contradizendo as próprias imagens do Satélite Landsat 8.
O mais grave é que o auto de infração ambiental não descreve, minimamente, qualquer conduta que possa ser compreendida em seus aspectos temporal e espacial, tão pouco quais os danos provocados em ha.
Ou seja, não diz quando a Autuada teria praticado a infração, nem como teria agido (ou deixado de agir) e muito menos onde isso teria ocorrido, mas tão somente, que a Autuada teria praticado a seguinte conduta:
Desmatar 4.200 ha de vegetação nativa. Objeto de especial preservação, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão ambiental competente. Conforme auto de inspeção.
Já no auto de inspeção e relatório técnico são contraditórios ao mesmo tempo que não apresenta nenhuma evidência de que a infração foi efetivamente consumada por ação ou omissão da Autuada,
Como se vê, a descrição lançada pela equipe de técnica do Corpo de Bombeiros que lavraram o auto de infração ambiental, não condizem com indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, violando o art. 97 do Decreto 6.514/08 que assim dispõe:
Art. 97. O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade.
Trata-se de imposição legal a qual a equipe técnica do Corpo de Bombeiros está adstrita, de modo que, se o auto de infração não contém a descrição clara e objetiva da infração e a indicação correta do dispositivo violado, restará violado o princípio da legalidade conduzindo o auto à nulidade.
Além disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros desconsiderou o comando legal previsto no art. 16, § 1º do Decreto Federal 6.514/08, Regulamento da Lei 9.605/98, norteador de todos os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que estabelece:
Art. 16. No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência.
1º O agente autuante deverá colher todas as provas possíveis de autoria e materialidade, bem como da extensão do dano, apoiando-se em documentos, fotos e dados de localização, incluindo as coordenadas geográficas da área embargada, que deverão constar do respectivo auto de infração para posterior georreferenciamento.
No caso dos autos, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros não procedeu qualquer inspeção da fazenda a fim de colher provas possíveis de autoria e materialidade, ou origem do fogo, e embora tenham considerado haver infração administrativa, limitaram-se a junta no relatório técnico duas meras imagens de foco de fogo nas leiras realizadas com autorização da SEMA, e à vetorização a partir da imagem do Satélite LandSet 8.
Acontece que o poder de polícia não subtrai ao órgão público, a atribuição, o dever correlato de cumprimento, em sua plenitude, da legislação de regência, o que no caso, não foi cumprido. Ora, o simples fato de o “fogo” ter ocorrido na propriedade de responsabilidade da Autuada não decorre da responsabilidade desta pelo sinistro.
Trata-se, portanto, de vício insanável que conduz o auto de infração à nulidade, nos termos do art. 100 do Decreto 6.514/08, in verbis:
Art. 100. O auto de infração que apresentar vício insanável deverá ser declarado nulo pela autoridade julgadora competente, que determinará o arquivamento do processo, após o pronunciamento do órgão da Procuradoria-Geral Federal que atua junto à respectiva unidade administrativa da entidade responsável pela autuação.
No caso, há evidente impedimento ao exercício regular do direito de defesa da Autuada, porquanto o auto de infração não revela, mesmo que de forma perfunctória, tais elementos, limitando-se a inserir área de 4.200 ha como degradada pela Autuada, sem revelar como esta concorreu para o fogo.
Esse cômodo posicionamento equivale a não motivar, muito embora o auto de infração, ato administrativo que é, tenha a motivação como seu elemento nuclear. A motivação do auto de infração se dá pela descrição exata e precisa dos motivos de fato e de direito que lhe serviram de fundamento.
A falta desses motivos resultará na prática de ato administrativo imotivado e, consequentemente, sem motivação, acarreta sua nulidade insanável.
É evidente que a simples menção de textos de lei no auto de infração não supre a necessidade da descrição do ilícito que se pretende imputar, pois do contrário, bastaria notificar a Autuada para se defender contra texto de lei, o que é inconcebível, de modo que deve ser reconhecida a nulidade do auto guerreado.
7.2. DA AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO – NULIDADE CONFIGURADA
Como se vê, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros utilizou norma federal para fiscalizar e lavrar o auto de infração. Sendo assim, deve, por força do princípio da legalidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal, cumprir com as determinações impostas em Lei ou Decreto.
In casu, não foi cumprido o disposto no 97-A do Decreto 6.514/08, incluído pelo Decreto 9.760/19, que dispõe:
Art. 97-A. Por ocasião da lavratura do auto de infração, o autuado será notificado para, querendo, comparecer ao órgão ou à entidade da administração pública federal ambiental em data e horário agendados, a fim de participar de audiência de conciliação ambiental.
A audiência de conciliação não é opção, e sim, uma imposição legal, da qual a equipe técnica do Corpo de Bombeiros está adstrita. Indiscutível a violação da norma, pois nada consta no auto de infração e documentos correlatos sobre a audiência de conciliação. Muito pelo contrário. Consta o prazo de 20 dias para apresentação de defesa prévia ou pagamento da multa com grosseiro erro de cálculo.
À propósito, o art. 95 do Decreto 6.514/08 impõe estrita observância, sobretudo do princípio da legalidade ao processo administrativo:
Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.