Habeas Corpus. Crime Ambiental. Modelo HC. Infração Ambiental. Advogado Ambiental. Escritório de Advocacia.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA… REGIÃO
O advogado…, brasileiro, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Santa Catarina, sob o n…, com endereço profissional na Av…, n…, Bairro…, Cidade/UF…., CEP…, vem, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal e art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal de 1988, impetrar
HABEAS CORPUS CRIME AMBIENTAL
em favor de…, brasileiro, casado, produtor rural, possuidor do RG… e CPF…, residente e domiciliado na Rua…, Nº…, Cidade…, ora Paciente, em razão de estar sofrendo manifesto constrangimento ilegal por ato do eminente Juiz Federal da… Vara Criminal da Seção Judiciária da Cidade, o qual, do exame do pedido de absolvição sumária negou tal pretensão, a qual essa decisão dormita nos autos do processo nº…, como se verá nas exposições fáticas e de direito a seguir delineadas.
1. DOS FATOS QUE ENSEJARAM A DENÚNCIA POR CRIME AMBIENTAL
Segundo o relato fático contido na peça acusatória, no dia 00 de novembro do ano de 0000, por volta das 15:40h, o Paciente fora surpreendido por fiscais do IBAMA realizando desmatamento em área de preservação ambiental e, com isso, cometera delito contra a flora. (doc. 01)
A peça acusatória também destaca que dormita nos autos laudo de fiscalização que aponta o delito em espécie. (doc. 02). Extrai-se do mencionado laudo, ainda segundo a acusação, que a materialidade se encontra delimitada no bojo dos autos.
Afirma que o Paciente desmatara 1,3 (um hectare e 3 hares). Igualmente esse fora multado em R$ 122.0000,00 (cento e vinte e dois mil reais).
Assim procedendo, continua a denúncia, o Acusado violou norma prevista o art. 38 da Lei de Crimes Ambientais, praticando crime de lesão à flora.
Citado, o Paciente apresentou tempestivamente sua Resposta à Acusação (CPP, art. 396-A) e, nessa ocasião processual, pediu o julgamento antecipado do processo com a sua absolvição sumária. (doc. 03)
Nesse enfoque, evidenciou considerações de que havia atipicidade de conduta, uma vez que a área desmatada era ínfima frente à área total alvo de preservação ambiental (937 hectares).
Sendo assim, segundo o sólido entendimento de doutrina e jurisprudência, remetia-se à aplicação do princípio da insignificância.
Todavia, ambos pedidos foram negados, consoante decisão ora acostada. (doc. 04)
Em síntese apertada, a Autoridade Coatora situou que a hipótese em estudo não era caso de julgamento antecipado, muito menos de absolvição sumária.
Para tanto, sustentou que a Lei de Crimes Ambientais não traz consigo qualquer dimensão capaz de delimitar o dano mínimo para que seja a regra penal aplicada, ou não.
Essas são algumas considerações necessárias à elucidação fática.
2. CRIME AMBIENTAL – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE TIPICIDADE
Como visto alhures, a própria denúncia anuncia que o Paciente desmatara 1,3 (um hectare e 3 hares). Todavia, a mesma fora omissa quanto à dimensão da área total alvo de preservação em espécie.
O mesmo laudo em que se apoiou a peça acusatória igualmente traz essa dimensão.
A área total protegida, também referida no laudo, é de 937,00 (novecentos e trinta e sete hectares).
De outro turno, o desmatamento mencionado fora unicamente com o propósito de limpeza de área para replantar outras espécies de plantas para sua utilização pessoal.
É dizer, o espaço desmatado em pouco tempo já estaria reposto com outra vegetação.
Por esse norte, é inescusável a insignificância do desmatamento. A área total preservada é substancialmente maior (937 hectares).
A limpeza da área, tida como crime contra a flora, em verdade nada representa quando levado em conta a dimensão total da área.
De outra banda, o Paciente não é voltado à prática de delitos. Inexiste contra o mesmo condenações pretéritas, o que se comprova de pronto com as certidões anexas. (docs. 05/09)
Outrossim, a hipótese em estudo diz respeito à imputação de crime onde não há grave ameaça contra a parte ofendida.
As circunstâncias descritas certamente remetem à aplicação do princípio da insignificância.
É consabido que o princípio da insignificância tem franca aceitação e reconhecimento na doutrina e pelos Tribunais.
Funcionando como causa de exclusão da tipicidade, representa instrumento legal decorrente da ênfase apropriada dos princípios da lesividade, fragmentariedade e intervenção mínima.
Oportuno destacar que ao Judiciário cabe somente ser acionado para solucionar conflitos que afetem de forma substancial os bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras.
A propósito, vejamos as lições doutrinárias de Cezar Roberto Bitencourt acerca deste tema, in verbis:
A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico.
Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetivida proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal.
Amiúde, condutas que se amoldam ao determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1. Pág. 51).
Consoante as linhas doutrinárias mencionadas, para que seja conferida a atipicidade da conduta delituosa, faz-se mister, além da análise abstrata desta, o exame das circunstâncias que denotem a inexistência de lesão relevante ao bem jurídico tutelado.
Doutrina e jurisprudência são firmes em assentar que a aplicação do princípio da significância reclama aferir-se
(a) mínima ofensividade da conduta sub examine;
(b) inexistência de periculosidade social no comportamento;
(c) reduzido grau de censura do proceder do agente e;
(d) insignificância da lesão jurídica produzida.
Nesse exato tocante vejamos o que professa o penalista Rogério Greco:
Ao contrário, entendendo o julgador que o bem subtraído não goza da importância exigida pelo Direito Penal em virtude da sua insignificância, deverá absolver o agente, fundamento na ausência de tipicidade material, que é o critério por meio do qual o Direito Penal avalia a importância do bem no caso concreto.
(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, vol. III. Pág. 39)
Com a mesma sorte de entendimento vejamos as considerações de Guilherme de Souza Nucci:
O Direito Penal não se ocupa de insignificâncias(aquilo que a própria sociedade concebe ser de menos importância), deixando de se considerar fato típico a subtração de pequeninas coisas de valor nitidamente irrelevante.
(NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª Ed. São Paulo: RT, 2010. Pág. 735)
À luz das considerações doutrinárias destacadas, o Acusado faz jus à absolvição sumária.
A situação dos autos importa que seja acatada a tese da irrelevância material da conduta em estudo, maiormente quando
(a) a res é financeiramente inexpressiva;
(b) o Paciente é réu primário, consoante já demonstrado;
(c) não há qualquer relato que a conduta do Paciente tenha provocado consequências danosas à flora;
(d) inexistiu violência na conduta; (e) a extensão da área desmatada não foi e nem será afetada com a irrisória área alvo de limpeza.
Lapidar nesse sentido o entendimento expendido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, conferido em julgamento emblemático:
AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCADOR FLAGRADO COM DOZE CAMARÕES E REDE DE PESCA, EM DESACORDO COM A PORTARIA 84/02, DO IBAMA. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.605/98. REI FURTIVAE DE VALOR INSIGNIFICANTE. PERICULOSIDADE NÃO CONSIDERÁVEL DO AGENTE. CRIME DE BAGATELA. CARACTERIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. HC CONCEDIDO PARA ESSE FIM. VOTO VENCIDO.
Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento. (STF; HC 112.563; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 21/08/2012; DJE 10/12/2012; Pág. 33)
Em hipóteses similares igualmente o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou para a ênfase do princípio da insignificância, verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 40 DA LEI N. 9.605/1998. CRIME AMBIENTAL. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. PEQUENO PRODUTOR RURAL. ENTENDIMENTO EM SENTIDO CONTRÁRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de ser possível a aplicação do princípio da insignificância em sede ambiental, exigindo, para tanto, a conjugação dos seguintes vetores: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. No caso, o tribunal regional, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, entendeu que a lesão ao bem jurídico tutelado se revelou praticamente inexpressiva, ressaltando, ainda, que a área desmatada está se recuperando naturalmente.
3. Diante disso, concluiu que a intervenção do poder público por meio do direito penal é desnecessária, considerando que não restou demonstrada a degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local. Parque nacional da serra do divisor. , objeto de especial preservação.
4. Nesse contexto, em Recurso Especial, não há como afastar essa conclusão e acolher a tese de que, “embora não tenha sido extensa a área lesionada, é inconteste que a conduta do ora agravado pode levar a um prejuízo muito mais elevado ao meio ambiente”, ante a impossibilidade de reexame de provas (Súmula nº 7/STJ).
5. Cumpre registrar, ainda, tratar-se de pequeno produtor rural que utilizou a área desmatada para fins de sustento de sua família. Portanto, deve-se realizar, aqui, um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe seria imposta como consequência da intervenção penal do estado.
6. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ; AgRg-REsp 1.366.185; Proc. 2013/0041043-8; MG; Quinta Turma; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 21/08/2014).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PESCA VEDADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE DANO EFETIVO AO MEIO AMBIENTE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. O denunciado é pescador de origem simples, amadorista, tendo sido apreendidos apenas três molinetes, três varas e dois bagres, o que demonstra a mínima ofensividade da conduta.
2. Ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora (art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998), verificando-se a atipicidade da conduta imputada ao paciente.
3. Recurso ordinário provido para conceder a ordem e determinar o trancamento da ação penal n. 5000614-16.2011.404.7200 (juízo federal da vara ambiental da subseção judiciária de florianópolis/SC). (STJ; RHC 33.465; Proc. 2012/0161601-4; SC; Sexta Turma; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 02/06/2014)
De toda prudência ainda mencionarmos outros julgados de Tribunais inferiores:
PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 34, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I. Para a incidência do princípio da insignificância devem ser considerados aspectos objetivos referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como a inexpressividade da lesão jurídica causada (hc 84.412/sp, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/11/2004)
II. No caso concreto, a conduta do autor, consubstanciada na prática de pesca em local interditado pelo órgão competente, se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela, na medida em que foi apreendido apenas petrecho (rede) destinado à prática da pesca e não se chegou a capturar sequer algum espécime do rio, não ocasionando qualquer dano ao bem jurídico tutelado.
lII. Recurso desprovido. (TRF 2ª R.; ACr 0014926-40.2011.4.02.5001; ES; Segunda Turma Especializada; Rel. Des. Fed. André Fontes; Julg. 12/08/2014; DEJF 27/08/2014; Pág. 34)
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. ARTIGO 34, CAPUT, DA LEI N. 9.605/98. PESCA DE ESPÉCIME TUCUNARÉ. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXCEPCIONALIDADE.
1. É dispensável ao oferecimento da denúncia a prévia instauração de inquérito policial. Deve a inicial estar consubstanciada em documentos e peças informativas nas quais seja evidente a materialidade do fato delituoso e estejam presentes os indícios de sua autoria. Preliminar rejeitada.
2. A tese da insignificância em crimes ambientais deve ser aplicada com cautela, excepcionalmente. Incide o princípio da insignificância, quando se observa que a pesca se deu para consumo próprio, com apetrechos de pesca amadora.
3. A posse de 7 kg de tucunaré não representa risco potencial ao equilíbrio ecológico, ainda mais por se tratar de espécie que não está ameaçada de extinção.
4. A conduta, embora formalmente típica, apresenta potencialidade ofensiva insignificante, sendo injustificável a incidência da norma penal incriminadora. Aplicabilidade do princípio da bagatela.
5. Apelação do réu provida para, reconhecendo a incidência do princípio da insignificância, absolvê-lo com fundamento no art. 386, III, do código de processo penal.
(TRF 1ª R.; ACr 0005956-88.2007.4.01.3200; AM; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Ney Bello; Julg. 01/07/2014; DJF1 15/08/2014; Pág. 688).
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Hipótese na qual o recorrido foi denunciado pela prática, em tese, do crime ambiental previsto no art. 38-A, caput, da Lei nº 9.605/98, pois teria desmatado 0,20ha (zero virgula vinte hectares) de vegetação nativa da mata atlântica em estágio avançado de regeneração, sem autorização do IDAF, conforme auto de infração.
2. No caso, mediante juízo de ponderação entre o ínfimo dano ambiental, incapaz de comprometer a flora que compõe o ecossistema local, e a imposição de sanção penal, torna-se ilegítima a intervenção do estado no âmbito criminal, por força do princípio da insignificância, descaracterizando materialmente o tipo penal. Precedentes dos tribunais superiores.
3. Recurso ministerial desprovido. (TJES; RSE 0000887-21.2011.8.08.0027; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Fernando Estevam Bravin Ruy; Julg. 23/07/2014; DJES 31/07/2014).
Em arremate, no caso específico a absolvição pela atipicidade de conduta é de rigor, maiormente quando a res criminalis é ínfima e, mais, quando conjugada pela ausência de periculosidade social da conduta e não reprovabilidade do comportamento.