EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL – SC
AUTOR, brasileiro, solteiro, empresário, inscrito no RG e CPF, residente e domiciliado na, Florianópolis/SC, CEP, endereço eletrônico, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, propor
AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face de ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público, por seu Procurador, com endereço profissional na, Florianópolis-SC, CEP, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
No dia 17.05.2016 o 1º Grupamento do 1º Pelotão da 1ª Companhia do 1º Batalhão de Polícia Militar Ambiental – Rio Vermelho lavrou auto de infração ambiental em face do Autor, pela suposta infração capitulada no art. 50 do Decreto 6.514/08, com a seguinte redação:
Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Na mesma ocasião, foi lavrado o termo de embargo e arbitrada multa no valor de R$ 5.000,00. Os fatos originaram o Processo Administrativo de Infração Ambiental cadastrado no SGP-e sob o n…
Segundo consta no auto de infração, o Autor havia promovido a destruição de “floresta nativa e vegetação de restinga objeto de especial preservação, sem autorização do órgão competente”.
Diante disso, o Autor apresentou a tempestiva defesa prévia no dia, alegando, em síntese, que não destruiu nenhuma vegetação de restinga; que não violou a legislação ambiental, não erigiu edificação, nem promoveu abertura de arruamento.
Contudo, somente no dia, é que a autoridade ambiental remeteu os autos do processo administrativo ao agente autuante para manifestação acerca da defesa prévia, a qual foi assinada digitalmente no dia.
O próprio e-mail enviado à Setec Rio Vermelho/PMA e juntado ao processo administrativo, denuncia que o auto de infração estava pendente de julgamento há … anos ─ período em que o processo ficou paralisado.
1.1. Julgamento do processo administrativo
No dia, a autoridade ambiental julgou o processo administrativo e homologou o auto de infração ambiental nos seguintes termos:
a) HOMOLOGAR o Auto de Infração Ambiental e CONDENAR o Infrator, como incurso no Art. 50 do Decreto Federal 6.514/2008, à Sanção Administrativa de Multa Simples, elencada no Art. 3°, II, do Decreto Federal 6.514/08 e art. 72, inciso II, da Lei Federal 9.605/98, no quantum de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
b) HOMOLOGAR o Termo de Embargo/Interdição , e APLICAR a Sanção Administrativa de Embargo da Área, elencada no art. 3º, VII, do Decreto Federal 6.514/08 e art. 72, VII, da Lei Federal 9.605/1998, como consequência da medida preventiva aplicada pelo Agente Fiscal Autuante e manter o seus efeitos até a comprovação da respectiva recuperação;
c) APLICAR a Sanção de Obrigação de Promover a Recuperação Ambiental da área degradada, nos termos do art. 33, inciso X, c/c art. 69 da Portaria 143/2019/IMA/CPMA-SC, e Art. 58, I, e Art. 79, §1º, da Lei Estadual 14.675/2009, a qual poderá ocorrer mediante simples isolamento da área degradada a fim de viabilizar o processo de regeneração natural da vegetação nativa.
d) DETERMINAR que o administrado comprove ao final do processo a recuperação da área
objeto e se abstenha de nova intervenção sem o competente estudo técnico e autorização da autoridade competente;
e) DETERMINAR à SETEC que proceda à emissão do respectivo Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais (DARE), no valor da multa simples indicada e confirmada em decisão (item “a” da presente decisão).
Ocorre que, o processo administrativo relativo ao Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo está eivado de vícios, porquanto ocorreu a prescrição intercorrente.
Isso porque, o processo administrativo ambiental se quedou inerte por mais de 3 (três) anos sem despacho decisório ou instrutório, conforme mandamento dos art. 21, §2º do Decreto 6.514/2008 e art. 1º, §1º da Lei Federal 9.873/99, razão pela qual requer seja declarado nulo, conforme passa a expor.
2. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Prima facie, impõe-se perquirir a legislação aplicável ao caso sob apreço.
De imediato, importante salientar que a multa, pela ausência de prestação de contas, não tem caráter tributário, pois, segundo dicção do art. 3º, do Código Tributário Nacional (CTN):
tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Sobre o assunto, leciona Geraldo Ataliba[1] que:
a multa se reconhece por caracterizar-se como sanção por ato ilícito. Para que alguém seja devedor de multa, é necessário que algum comportamento anterior seu tenha sido qualificado como ato ilícito ao qual a lei atribuiu a consequência de dar nascimento à obrigação de pagamento de dinheiro ao Estado, como punição, ou consequência desfavorável daquele comportamento.
Portanto, embora possa ser inscrita em dívida ativa e sujeitar-se às normas de cobrança estabelecidas na Lei n. 6.830/80 (com supedâneo nos arts. 1º e 2º dessa Lei), são inaplicáveis à espécie as regras dispostas no CTN.
Superada essa questão, passar-se-á a demonstração da incidência inequívoca da prescrição intercorrente, o que torna nulo o processo administrativo em questão.
2.1. Processo administrativo paralisado por mais de 3 anos – Prescrição Intercorrente
O auto de infração ambiental e termo de embargo foram lavrados em 17.05.2016. Devidamente notificado, o Autor apresentou sua defesa administrativa em 01.06.2016.
Não obstante o disposto no art. 76 da Lei Estadual 14.675/09, o qual determina que a decisão deve ser exarada no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da apresentação da defesa prévia, o processo foi enviado para manifestação do agente autuante apenas em 15.04.2020, ou seja, mais de 3 (três) anos após a apresentação da Defesa Prévia.
De fácil percepção, evidencia-se que entre 26.04.2016 (última movimentação) e 21.06.2020, o processo permaneceu inerte, pendente de julgamento e sem nenhum despacho da Autoridade Ambiental que pudesse interromper o prazo prescricional.
O agente autuante somente se manifestou em 08.07.2020, data de sua assinatura digital lançada na margem direita do documento.
Contudo, a Lei Estadual 14.675/09 que institui o Código Catarinense do Meio Ambiente, em que pese determinar um prazo máximo para que Administração Pública emita suas decisões em seu art. 76, não regulamentou de forma expressa a prescrição intercorrente em processos administrativos punitivos de matéria ambiental.
2.2. Legislação aplicável – Prescrição Intercorrente
Conquanto não haja Lei Estadual regulamentando especificamente a matéria, vige a Portaria FATMA/BPMA 170/2013 ─ que apesar de ter sido revogada pela Portaria Conjunta CPMA/IMA 143/2019, e esta ser omissa em relação a prescrição intercorrente ─, que era a norma de vigência quando da lavratura do auto de infração em 07.04.2016, da qual extrai-se do seu § 2º, art. 97:
2º – Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de 03 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação e da reparação dos danos ambientais.
Em âmbito federal e com maior escopo de abrangência quanto à matéria, há a Lei Federal 9.873/99, que estabelece em seu § 1º do art. 1º da:
1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Redação semelhante é encontrada no § 2º, art. 21, do Decreto Federal 6.514/08, que regulamenta o processo administrativo sancionador ambiental. Transcrevo:
2º Incide a prescrição no procedimento de apuração de auto de infração paralisado por mais três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente de paralisação.
Pela leitura dos três diplomas legais acima colacionados, vislumbra-se que há distinção entre o prazo prescricional destinado à instauração do processo administrativo – 5 (cinco) anos – e o prazo prescricional intercorrente atinente ao tempo de paralisação de processo já instaurado – 3 (três) anos.
Inarredável, portanto, a conclusão de que o lapso temporal a ser observado no caso sob apreço, ao menos neste capítulo, é o prazo de 3 (três) anos, que trata da prescrição intercorrente.
Com efeito, extrai-se do sistema SGP-e em que tramita o processo administrativo em questão, que entre a apresentação da Defesa Prévia e a manifestação do agente autuante, transcorreu mais de 03 anos, circunstância que culmina no reconhecimento da prescrição intercorrente, sobretudo porque ausente qualquer marco interruptivo durante o período.
2.3. Jurisprudência sobre prescrição intercorrente
O Superior Tribunal de Justiça – STJ quando debruçado sobre essa matéria, reconheceu que incide prescrição quando o processo ficar paralisado por mais de 03 anos, como é o caso em tela. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL E EMBARGO. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AGRAVO REGIMENTAL DO IBAMA DESPROVIDO.
1. A Lei 9.873/99, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta, prevê em seu art. 1º, § 1º, que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso, ou seja, prevê hipótese da denominada prescrição intercorrente.
2. Cumpre ressaltar que, in casu, o próprio IBAMA reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente, consoante parecer técnico recursal (1689-EQTR, fls. 133/134 do PA, e-STJ fls. 506) e parecer da equipe técnica do IBAMA em Brasília, às fls. 146 do PA (e-STJ fls. 519).
3. A prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º. da Carta Magna. 4. Agravo Regimental do IBAMA a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 613.122/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 23/11/2015).
2.4. Reconhecimento da prescrição intercorrente AgRg no AREsp 613.122/SC
Desse modo, dada a fluidez inerente ao termo, torna-se fundamental definir o que caracteriza “despacho”. E a definição não poderia ser melhor, senão aquela atribuída pelo e. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ao relatar o AgRg no AREsp 613.122/SC:
No caso, despacho, deve ser compreendido como qualquer ato da Administração praticado no processo administrativo que resulte efetiva inovação nos autos, como ocorre com as manifestações técnicas produzidas pela Administração acerca dos elementos trazidos aos autos processuais (análise de fatos, provas e defesas), com os pareceres e até mesmo com a adoção de providências internas ou externas que importem impulso processual (expedição de intimações, por exemplo).
Entretanto, não pode ser considerada como despacho a mera circulação dos autos pelas diversas áreas técnicas da Administração envolvidas no processo sem a produção de uma efetiva manifestação, ou a mera repetição de manifestações ou providências já presentes nos autos. […]
Em que pese ter havido despacho de recebimento da inconformidade administrativa antes do implemento do prazo prescricional intercorrente, forçoso reconhecer que referido ato administrativo não pode ser confundido com “inequívoco” ato apuratório de fatos ou de verdadeiro ato de impulso procedimental, porquanto restrito à manutenção da decisão objurgada e à remessa do feito ao órgão atribuído para julgamento.
Com efeito, somente os atos tendentes a apurar o ato ilícito e, consequentemente, capazes de possibilitar o julgamento no sentido da homologação ou não do auto de infração serão capazes de anular eventual incidência da prescrição intercorrente. Isso porque o procedimento administrativo é conduzido pelo Princípio da Segurança Jurídica, o qual estaria totalmente fragilizado caso a lei possibilitasse que todo e qualquer ato, mesmo aqueles que não objetivem o deslinde da controvérsia, afastassem a prescrição intercorrente. […]
2.5. Conclusão
Nesse caso, quando sobrestado o curso do procedimento administrativo por mais de 03 (três) anos, e desde que neste período não tenha sido lavrado um despacho sequer, operar-se-á a prescrição intercorrente.
Frise-se que o escopo da norma é conferir andamento do processo visando o deslinde da causa. Desse modo, não é capaz de obstar a ocorrência da prescrição intercorrente, mero ato processual necessário a impulsionar o processo ao seu fim.
Os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente, tão pouco a movimentação processual, pois não impulsionam o feito ao deslinde da causa.
Saliente-se, por oportuno, que a prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivadas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal.
Diante disso, forçoso reconhecer que incidiu a prescrição intercorrente sobre o processo administrativo relativo ao Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo, determinando seu arquivamento.
3. TUTELA DE URGÊNCIA PARA SUSPENDER PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL
O que se pretende com o pedido de tutela de urgência é tão somente suspender os efeitos da Decisão Administrativa de Penalidade proferido nos autos do Processo Administrativo de Infração Ambiental, até o julgamento definitivo da presente ação que denuncia a prescrição intercorrente.
O art. 300 do novo Código de Processo Civil assim dispõe sobre a tutela de urgência:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Constata-se que o novo diploma processual estabelece que, para concessão da tutela de urgência, será necessário preencher cumulativamente os requisitos da probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sobre os requisitos, Luiz Guilherme Marinoni[2] anota:
A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder a tutela.
In casu, os requisitos para concessão da tutela de urgência restam preenchidos.
3.1. Requisitos da tutela antecipada
A probabilidade do direito resta consubstanciada nos documentos acostos ao processo administrativo, que de forma cristalina evidenciam a ocorrência de prescrição intercorrente pois, transcorreu mais de 03 anos entre a apresentação da Defesa Prévia e a manifestação do agente autuante.
Já o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo subsiste no fato de que o descumprimento das obrigações estabelecidas Ofício entregue ao Autor poderá acarretar na aplicação de multa R$ 1.000,00 a R$ 1.000.000,00 por infringência do art. 80 do Decreto 6.514/2008, além da deflagração de ação civil pública para cobrança de indenização e imposição de reparar integralmente o suposto dano ambiental, aplicando a penalidade de demolição, uma medida extrema que somente pode ser adotada em casos excepcionais.
Ainda, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo se faz presente diante do risco de o Autor ser inscrito em dívida ativa e consequentemente deflagrada execução fiscal.
Portanto, demonstrados os requisitos, requer a concessão de tutela de urgência para tão somente…