ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE ESTADUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS RENOVÁVEIS – IBAMA
AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrito no CNPJ, com sede na Rua, no município, CEP, vem, por seu advogado, à presença de Vossa Senhoria, com fundamento no art. 71, I, da Lei Federal 9.605/98 e art. 113 do Decreto 6.514/08, oferecer
DEFESA ADMINISTRATIVA PARA MULTA AMBIENTAL DO IBAMA ENVOLVENDO DOF – DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL
contra o auto de infração ambiental em epígrafe lavrado por agente ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – IBAMA do Paraná, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A Autuada foi autuada por agente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, por suposta apresentação de informação falsa no sistema oficial de controle Documento de Origem Florestal – DOF, ao receber no sistema, créditos de produto madeireiro incompatíveis com o volume madeireiro real, que teria sido constatado durante análise de movimentação realizada pela empresa contratada para o transporte. A descrição sumária da infração restou assim redigida:
Descrição da Infração
Apresentar informação falsa no sistema oficial de controle Documento de Origem Florestal – DOF, ao receber no sistema, créditos de produto madeireiro incompatíveis com o volume madeireiro real recebido no pátio da empresa.
Segundo o agente que lavrou o auto de infração ambiental e elaborou o relatório de fiscalização, durante a aludida análise, constatou-se o volume de madeira constante no Documento de Origem Florestal – DOF era muito pequeno para ser transportado por uma distância longa em um caminhão com capacidade de carga alta.
Diante da suspeita de irregularidade, foi lavrada a notificação para que a empresa receptora, a ora Autuada, apresentasse as notas fiscais que acompanharam a carga de madeira acobertada pelo Documento de Origem Florestal – DOF em análise.
A nota fiscal e demais documentos foram devidamente apresentados pela Autuada, e de acordo com o agente, teria ficado demonstrado que na realidade, a carga física transportada não correspondia àquele constante na Documento de Origem Florestal – DOF, o que corroboraria com a suspeita inicial de fraude.
Para o agente autuante, a participação da Autuada na suposta “fraude”, se deu no momento em que aceitou a oferta e o recebimento no sistema, creditando em seu pátio virtual um volume 10 vezes inferior ao real recebido fisicamente em seu pátio.
Diante disso, foi lavrado o auto de infração ambiental que originou os autos do processo administrativo em epígrafe, indicando-se multa ambiental, cuja disposição normativa supostamente infringida foi assim lançada:
Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental: Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Ocorre que o auto de infração ambiental é manifestamente nulo, sobretudo porque não foi a Autuada que deu causa a suposta inserção de informação falsa no sistema oficial de controle Documento de Origem Florestal – DOF, mas sim, a empresa de origem empresa contratada para o transporte, a quem o próprio agente autuante imputou a prática de um “grande número dessas movimentações irregulares com empresas de diversos estados”, impondo-se, portanto, o cancelamento do auto de infração ambiental vergastado, como passa a demonstrar de melhor forma.
2. DO SISTEMA DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL – DOF
Prima facie, faz-se necessário observar que a questão em análise possui especificidades, pois envolve a utilização de sistema eletrônico instituído pelo IBAMA para controle do fluxo comercial de determinados produtos e subprodutos de origem florestal, sendo de fundamental importância sua compreensão para o deslinde do feito.
O sistema mencionado, pois, denomina-se Documento de Origem Florestal – DOF, e foi instituído pela Instrução Normativa IBAMA 112/2006, constituindo-se meio eletrônico de controle de produção, estoque, processamento, movimentação e consumo de produtos e subprodutos florestais.
O Documento de Origem Florestal – DOF é preenchido pelo usuário do sistema de forma individual para cada nota fiscal, e sua emissão para o transporte de produto ou subproduto florestal ocorre após aprovação no sistema pelo usuário recebedor ou empresa compradora ― como é o caso da Autuada ―, e a esta, cabe indicar o pátio de estocagem, também via sistema, para somente então, o Documento de Origem Florestal – DOF ser emitido.
A lógica do sistema se baseia em créditos (volumes) de origem legal, que nascem com os mais diversos tipos de autorizações de exploração de produtos florestais que são transformados em subprodutos.
O centro de administração do Documento de Origem Florestal – DOF é o denominado “pátio” que, em tese, seria o local de depósito de uma empresa, onde são creditados ou debitados diferentes “itens de pátio”, unidade administrativa, podendo uma mesma empresa operar com vários pátios, bem como ter vários itens.
Percebe-se, que cabe ao detentor da autorização florestal o preenchimento do DOF, bem como, indicar no sistema, a empresa compradora que deverá aprovar o recebimento para emissão do Documento de Origem Florestal – DOF, na quantidade e espécies a serem comercializadas de acordo com o saldo da autorização.
Isto é, a conduta da empresa compradora não se subsume ao conceito de “elaborar” ou “apresentar”, elementares do tipo ora imputado à Autuada, pois a esta, nos termos Instrução Normativa IBAMA 112/2006, cabe tão somente “aprovar” a emissão do Documento de Origem Florestal – DOF para que o produto possa ser transportado da origem até o destino, acompanhando, para tanto, de nota fiscal.
E no ato da “aprovação” pelo comprador/recebedor, deverá ser indicado o pátio de estocagem, que aí sim se subsume a elementar do tipo “elaborar” ou “apresentar”, pois estará informando o local em que o produto será mantido para eventual fiscalização.
Com efeito, a empresa compradora/recebedora, ao “aprovar” determinada quantidade de produto ou subproduto de origem vegetal no sistema Documento de Origem Florestal – DOF conforme “elaborado” ou “apresentado” pelo pátio de origem, está agindo na mais absoluta boa-fé, conquanto ausente a certeza de que a empresa de origem efetivamente irá transportar/entregar o que realmente declarou.
Feita essa digressão, passa-se ao mérito para, ao final, pugnar pela nulidade do auto de infração ambiental e seu consequentemente arquivamento.
3. DO MÉRITO
A Constituição Federal de 1988 assegura em seu art. 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Partindo desse princípio, sabe-se que a imposição de multa ambiental administrativa possui caráter penalizador, e, afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada, exige-se a demonstração cabal da autoria e materialidade, que são pressupostos autorizadores da imposição de sanção.
Nesse sentido, na hipótese de constarem nos autos elementos que conduzam à dúvida acerca da materialidade e autoria delitiva ─ in casu, se houver dúvida sobre a existência de “fraude” ou “danos ambientais”, ou seja, se a Autuada efetivamente apresentou informação falsa no sistema oficial de controle Documento de Origem Florestal – DOF ─, o cancelamento do auto de infração ambiental é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo, princípio clássico aplicável não apenas no Direito Penal, mas em todo Poder Estatal de punir, afastando a tipicidade material da conduta.
Isso porque, o ius puniendi do Estado é único, de modo que, a aplicação dos princípios penais e processuais penais garantistas e limitadores devem ser estendidos também, ao Direito Administrativo Sancionador, porque as infrações administrativas se diferenciam das penais tão somente em relação à autoridade que às aplica.
Desse modo, o Direito Administrativo Sancionador não pode constituir instância mais prejudicial ao administrado, revestido de ilegalidades e arbitrariedades, até porque, assim como no Direito Penal, são necessários elementos seguros que apontem para a existência de norma violada, tais como, tipicidade, lesividade, antijuridicidade e culpabilidade.
De igual forma, também cabe a aplicação do princípio da insignificância no Direito Administrativo Sancionador, a indicar a inaplicação da sanção administrativa quando houver mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada, como é o caso em questão, já que se trata de quantidade insignificante de produto vegetal (cerca de 15m³) que não causou nenhum dano à saúde pública nem à coletividade, nem se trata de dano potencial.
Aliás, o fundamento do princípio da insignificância é a inexpressividade da ofensa ao bem jurídico, ou seja, a tipicidade exige que o bem jurídico protegido pela norma que prevê a infração administrativa, cause efetivo dano. Infrações minimamente ofensivas ao meio ambiente não podem ser consideradas infrações à ordem administrativa, mas sim, meras irregularidades que não autorizam a aplicação de penas.
Não se desconhece a inexistência expressa de previsão legal para aplicação de tais princípios na esfera administrativa. Entretanto, em homenagem aos princípios e direitos do autuado, constitucionalmente assegurados, e até por força do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, é que se impõe estender o princípio do in dubio pro reo ou o da insignificância ao caso concreto, até porque, trata-se de infração administrativa aberta, que exige da autoridade julgadora cautela na aplicação da sanção e certeza de que a Autuada realmente tinha a intenção de “fraudar” o sistema.
Vale destacar, pois, que o próprio agente autuante fez constar no Relatório de Fiscalização que instrui os presentes autos, que “a divergência entre o virtual e o real constante na nota está apenas na posição da vírgula de cada um dos produtos transportados”, e que a participação da Autuada na suposta “fraude”, se deu no momento em que aceitou a oferta e o recebimento no sistema, mas neste momento, repise-se, a Autuada agiu na mais absoluta boa-fé, conquanto ausente a certeza de que o produto constante no Documento de Origem Florestal – DOF correspondia com a exata informação prestada pelo pátio de origem.
Aliás, da leitura do referido relatório fica evidente que o próprio agente autuante possui dúvidas sobre a existência do dolo da Autuada em fraudar o sistema, porquanto constou que o transporte de produto de origem vegetal aconteceu muito provavelmente como o Documento de Origem Florestal – DOF impresso adulterado. (g. n.), sendo de rigor a aplicação dos princípios supra mencionados.
Por fim, acrescente-se que, demonstrada nos autos a boa-fé da Autuada, não se afigura razoável a aplicação da penalidade de multa ambiental, impondo-se o reconhecimento da nulidade do auto de infração ambiental vergastado e o arquivamento dos autos, conforme passa a demonstrar.
3.1. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL – AUTUADA QUE NÃO “ELABOROU” NEM “APRESENTOU” INFORMAÇÃO NO SISTEMA DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL – DOF ACERCA DA VOLUMETRIA DO MATERIAL – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
É de se realçar que não existe responsabilidade objetiva por dano ambiental na esfera administrativa, a qual é subjetiva, estritamente pessoal e depende de prova de autoria, além do cumprimento do princípio constitucional da legalidade.
Pois bem. A infração imputada à Autuada está redigida no Decreto 6.514/08 da seguinte forma:
Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:
Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Como se percebe, para a ocorrência da infração prevista no art. 82, exige-se a comprovação do dolo, ou seja, o objetivo do agente de atingir o resultado de falsificar, enganar ou omitir fatos juridicamente relevantes mediante “elaboração” ou “apresentação”. Logo, não havendo qualquer elemento que demonstre que a Autuada apresentou informação falsa no sistema Documento de Origem Florestal – DOF com essa finalidade, não há se falar em dolo ou conduta imputável, pois ausente a elementar do tipo.
Vale observar, que o agente autuante sequer apontou qualquer elemento que demonstrasse o interesse da Autuada em falsificar, enganar ou omitir a quantidade de material adquirido ou como ela se beneficiaria com tal prática, restando insuficiente a mera indicação de dispositivo violado para imputar sanção administrativa.
Dessarte, a conduta descrita no auto de infração ambiental não se adequa ao tipo do art. 82 do Decreto 6.514/08, porque, como visto anteriormente, tal infração somente pode ser cometida por quem “elabora” ou “apresenta” informação no sistema Documento de Origem Florestal – DOF, o que não é o caso do comprador/recebedor, a quem incumbe tão somente indicar o pátio de estocagem para eventual fiscalização do IBAMA.
Isto é, o comprador/recebedor estará sujeito à infração prevista no art. 82 somente se indicar pátio de estocagem diverso, com a intenção de falsificar, enganar ou omitir subproduto de origem material.
Nesse contexto, para estar configurado o tipo infracional, seria necessário que a Autuada efetivamente tivesse “apresentado” ou “elaborado” as informações no sistema, tendo pleno conhecimento de que tais informações eram falsas e poderiam gerar um crédito virtual que, eventualmente, acobertaria transações ilícitas.
Tal fato, porém, não ocorreu no caso dos autos, nem restou demonstrado como ela se beneficiaria com tal prática, mas muito pelo contrário, a Autuada agiu com absoluta boa-fé, acreditando nas informações prestadas pelo pátio de origem. Aliás, não se pode perder de vista a divergência subsiste na posição da “vírgula”, enquanto a nota fiscal que acompanhava o produto continha a sua quantidade exata.
Vale destacar, que ao lavrar o Relatório de Fiscalização que instrui o feito, o agente autuante narrou que a empresa transportadora praticou um “grande número dessas movimentações irregulares com empresas de diversos estados”, porém, em consulta aos sistemas do próprio IBAMA, constatou-se que contra ela pesa apenas o auto de infração ambiental e que deu origem ao auto de infração ambiental lavrado em face da presente Autuada, inexistindo demonstração de dolo ou de prática reiterada com intenção de “fraudar” o sistema.
A Autuada é empresa varejista que adquire com frequência produtos de origem vegetal, nunca tendo infringido normas ambientais, o que corrobora com a ausência de dolo em fraudar o sistema Documento de Origem Florestal – DOF. Assim, o fato de apenas adquirir o produto cuja divergência reside na “vírgula” é insuficiente para caracterizar o elemento volitivo do tipo.