Modelo de Defesa Prévia em Crime Ambiental. Resposta à acusação.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE…
ACUSADO, já qualificado nos autos em epígrafe que lhe move o Ministério Público de Santa Catarina, vem, por seu advogado, à honrada presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, apresentar RESPOSTA À ACUSAÇÃO pelas razões de fato e de direito que passa a expor.
1. DA DENÚNCIA
O Ministério Público apresentou denúncia sob a alegação de que o denunciado
(i) destruiu floresta considerada de preservação permanente;
(ii) promoveu a construção em solo não edificável, assim considerado em razão de seu valor ecológico, sem autorização da autoridade competente, consubstanciada na canalização de curso d’água natural e edificação residencial, em alvenaria, situada próxima a curso d’água natural, e por isso,
(iii) impediu e dificultou a regeneração natural das formas de florestas e demais formas de vegetação em razão da manutenção da edificação situada dentro de área de preservação permanente;
(iv) deixando de cumprir obrigação de relevante interesse social.
Dessa forma, entendeu o Parquet que o denunciado praticou os crimes tipificados no art. 38, art. 48, art. 64 e art. 68, todos da Lei n. 9.605/98 c/c os artigos 29 e 69 do Decreto-Lei n. 2.848/40, in verbis:
Lei n. 9.605/98
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.
Decreto-Lei n. 2.848/40
Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1º – Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.
§ 2º – Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
A denúncia foi recebida tendo em vista o entendimento desse d. Juízo acerca da configuração dos pressupostos para o exercício da ação penal e da justa causa para a sua deflagração, razão pela qual o denunciado foi citado. Daí a presente manifestação.
2. INÉPCIA DA INICIAL – FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO E ATIPICIDADE DA CONDUTA
Com efeito, a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
No caso em tela, data máxima vênia, com elevado e profundo respeito ao digno subscritor da denúncia, a peça acusatória não descreve satisfatoriamente o fato delituoso supostamente perpetrado. Isso porque, imputa-se ao denunciado os crimes, mas não se aponta sequer uma única prova a respeito do fato. Assim, impossível se aferir a materialidade ou não da infração penal.
Nesse espeque, ainda que a jurisprudência pátria venha minimizando os rigores do art. 41 do CPP, é certo que não se pode tolerar uma acusação genérica, vaga e imprecisa, como aquela ofertada contra o denunciado, concessa venia.
In casu, como já mencionado, a denúncia não descreveu com clareza suficiente quais os fatos que apontavam a responsabilidade o denunciado em cada um dos crimes elencados.
Frise-se, que o conhecimento exato destas questões é salutar para se verificar a ocorrência da prescrição, já que muitos dos delitos imputados ao denunciado, ao que parece, datam de longínquos anos.
O Parquet alegou que os fatos foram comprovados por estudo pericial realizado anos após a ocorrência dos supostos delitos, que atestou a existência da construção distante do curso d’água de 2 metros de largura, a supressão da vegetação ciliar das margens do corpo hídrico, a canalização, bem como a impossibilidade da regeneração da vegetação nativa em decorrência da manutenção da construção.
Equivoca-se o Parquet.
É que a perícia constatou que o local não era um ambiente pristino, sendo que o curso d’água ali existe, bem como suas margens, encontravam-se extremamente descaracterizados, em função do processo de urbanização histórico já estabelecido, com ausência de vegetação ciliar de grande porte.
Desta forma, as funções ecológicas comumente desempenhadas pela vegetação ciliar já se encontravam comprometidas.
Ao ser questionado sobre a natureza do local, o Expert esclareceu que a região era urbanizada e possuía infraestrutura, com vias pavimentadas, meio-fio, abastecimento por energia elétrica e água encanada, sistema de iluminação pública e rede de drenagem de águas pluviais.
Seu entorno era ocupado por diversas residenciais e estabelecimentos comerciais. O solo no local era predominantemente arenoso e o relevo era plano. Ou seja, trata-se de área consolidada.
Já quando questionado se a referida área é de preservação permanente, o Expert limitou-se a citar o art. 4º, inc. I, alínea a da Lei 12.651/12 que trata da distância mínima para construção da margem dos rios. Ora. Em perícia inconclusiva, diz o Expert que no local havia um curso d’água inominado.
Data venia, referido curso d’água, foi aberto há muitos anos pela própria municipalidade e munícipes, agravando-se devido a erosão causada pelas águas da chuva devido à urbanização no bairro, e quando não há chuva, há somente esgoto ─ basta uma análise microbiológica da água ─ Prova disso, são as próprias imagens do laudo pericial.
Ora. O artigo 41 do Diploma Processual Penal disciplina que a denúncia conterá a exposição do fato supostamente criminoso “com todas as suas circunstâncias”, exatamente para excluir as inseguranças que trazem a denúncia incompleta, insuficiente e deficiente.
No caso dos autos, a data em que teria ocorrido os fatos é genérica. Por outro lado, a perícia concluiu que não havia floresta no local, o que descaracteriza a incidência do art. 38 da Lei 9.605/98.
Mas veja, quando prestou depoimento na Delegacia de Polícia, o denunciado informou que a consulta de viabilidade foi deferida pela Prefeitura Municipal, razão pela qual iniciou a construção do imóvel, ainda sem alvará, dada a urgência com a qual o locador do imóvel que residia até então solicitou a devolução para alugar na temporada.
Mas frise-se, jamais construiu sobre curso d’água ou desrespeitou as normas ambientais, mesmo porque, quando iniciou a obra, não havia uma gota de água sequer na vala.
Depois, a denúncia, ainda que vaga, imputa ao denunciado a canalização do suposto curso d’água. Pois bem. Como já esclarecido, inexiste natural de curso d’água. E só há água, quando há chuva. No mais, só há esgoto com odor repugnante.
Daí a necessidade de se construir uma canalização, que não causou dano ambiental algum. Pelo contrário, apenas melhorou as condições habitacionais de toda a região, negligenciadas pela Prefeitura.
A acusação também refere-se ao art. 68 da Lei 9.605/98, mas é totalmente descabida, pois não há na peça acusatória, nenhuma menção de qual seria o dever legal ou contratual de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental que o denunciado teria, limitando-se o Parquet, à simples inclusão do referido artigo na denúncia.
Assim, a denúncia não estabelece o vínculo suficiente entre o denunciado e os supostos atos ilícitos que lhes estão sendo atribuídos, notabilizando a ofensa ao devido processo legal (artigo 5º, LV, da CF/88), o qual impõe o contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), e determina o onus probandi à acusação (art. 156, 1ª parte, do CPP).
Com certeza, todas estas lacunas ensejam a imediata rejeição da denúncia em relação à denunciado, ou ao menos, a rejeição parcial, principalmente em relação aos delitos do art. 38 e art. 68 da Lei 9.605/98.
3. INEXISTÊNCIA DE CURSO D’ÁGUA E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – CRIME AMBIENTAL ATÍPICO
Outra injusta imputação diz respeito a alegada edificação residencial, situada a 4 metros do afigurado curso d’água natural. Ocorre que não é isso que existe no local.
Trata-se, na verdade, de canal aberto há muitos anos pela municipalidade e munícipes, que se agravou pela erosão causada pelas águas da chuva devido ao processo de urbanização do bairro, e atualmente, serve apenas para escoamento de esgoto advindo de outros imóveis.
Frise-se que só há água na vala, quando há chuva, o que não pode ser confundindo com curso d’água protegido por lei em nenhuma hipótese, muito menos para condenar injustamente pessoa inocente.
É fundamental esclarecer a correta interpretação do artigo do art. 4º, I, do Código Florestal vigente, uma vez que este protege apenas as faixas marginais que estejam situadas ao longo de cursos d’água naturais, perenes e intermitentes, excluídos os efêmeros.
Ou seja, exclui da sua proteção, os cursos d’água que possuem escoamento superficial apenas durante os períodos de precipitação. Dita o referido dispositivo:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (…).
Ressalte-se que os cursos d’água naturais, cuja função ambiental é reconhecidamente de suma importância para o ecossistema, por certo não se equiparam aos elementos hídricos que já sofreram diversas modificações e intervenções, como é o caso daquele apontado na denúncia, que serve simples e puramente para escoamento de esgoto. Basta uma análise microbiológica dos dejetos que por ele passam.
Assim sendo, consoante a própria exegese do artigo 4º, I, do Código Florestal, para que as faixas marginais de cursos d’água sejam consideradas áreas de preservação permanente, o elemento hídrico deve ser natural, não se aplicando aos canais abertos por erosão.
4. DO CRIME AMBIENTAL DO ART. 38
A denúncia faz menção de que entre o dia 2013 e 2014 o denunciado teria supostamente praticado o crime do art. 38 da Lei 9.605/98, in verbis:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.
Ocorre que a perícia realizada anos depois constatou que o local periciado não era um ambiente pristino, sendo que o curso d’água ali existe, bem como suas margens, encontravam-se extremamente descaracterizados, em função do processo de urbanização histórico já estabelecido, com ausência de vegetação ciliar de grande porte. Desta forma, as funções ecológicas comumente desempenhadas pela vegetação ciliar já se encontravam comprometidas.
Como se vê, a solução da controvérsia está na definição da abrangência do elemento normativo do tipo “floresta”, constante no tipo penal.
Contudo, a questão dispensa maiores dilações, visto que o Superior Tribunal de Justiça, em situação análoga à presente, decidiu que a destruição de vegetação rasteira ─ ainda que fosse o caso nestes autos ─ não se subsume ao tipo legal previsto no art. 38 da Lei 9.605/1998, senão vejamos:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 2. CRIME AMBIENTAL. ART. 38 DA LEI N. 9.605/1998. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ELEMENTARES DO TIPO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO. 3. DENÚNCIA QUE NÃO INDICA AS ELEMENTARES DO TIPO PENAL IMPUTADO. DESCRIÇÃO QUE NÃO SE AMOLDA AO ART. 38 DA LEI N. 9.605/1998. NARRATIVA INCOMPLETA. AMPLA DEFESA INVIABILIZADA. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. […]. 2. O art. 38 da Lei n. 9.605/1998 dispõe que é crime “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção”. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar referido tipo penal, assentou que “o elemento normativo ‘floresta’, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei nº 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte”. 3. Na hipótese dos autos, consta da denúncia que o recorrente construiu em zona costeira, sem a devida licença ambiental e contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes, ao proceder à “ampliação de um imóvel com construção de uma academia de ginástica e lanchonete com dois pavimentos, distando aproximadamente 70 (setenta) metros do mar e próximo a dunas móveis e fixas, falésias vivas e fontes de água doce”. Não consta, portanto, da narrativa nenhuma indicação de que houve desmatamento de floresta considerada de preservação permanente nem se menciona a legislação em vigor que foi eventualmente desrespeitada. Dessa forma, tem-se que a narrativa não se amolda ao tipo penal imputado, revelando a incompletude da imputação trazida na denúncia, situação que inviabiliza o exercício da ampla defesa. 4. Recurso em habeas corpus a que se dá provimento para trancar a Ação Penal n. 8560-28.2013.8.06.0164/0 por inépcia, sem prejuízo de oferecimento de nova inicial acusatória, desde que observados os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. (RHC 63.909/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 22/04/2019).
Ora. Além de devidamente comprovado pela perícia que não havia floresta no local, sequer há provas nos autos da prática do art. 38 da Lei 9.605/98, muito menos na denúncia.
Logo, a conduta atribuída à denunciado é equivocada, situação que impõe a rejeição da denúncia neste ponto com a consequente absolvição.
5. DOS CRIMES DOS ARTS. 38, 48, 64 E 68 – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – POSSIBILIDADE
Certo de que Vossa Excelência aceitará as alegações do denunciado, porém, ainda assim, faz-se necessário discorrer sobre o princípio da consunção, plenamente aplicável ao caso em tela.
Pois bem. Não há como acolher a pretensão punitiva estatal quanto a condenação individual por suposta infração aos artigos 38, 48 e 64 da Lei no 9.605/98, na medida que o fato específico que consubstancia a presença da elementar do tipo penal na hipótese de “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente” (lembrando que inexistia floresta no local) e “impedir a regeneração vegetação natural”, configura mero exaurimento do ato de erigir obra em área non aedificandi.
No caso em questão, o denunciado teria erigido edificação de forma irregular em supostamente área de preservação, o que denota a conduta prevista no r. art. 64.
O enquadramento no art. 38 e 48 se deu em razão de que para construir, ter-se-ia destruído floresta, ao passo de que a edificação promovida estaria em consequência, impedindo a regeneração da vegetação, e por isso deixou de cumprir dever legal nos termos do art. 68.
Esta breve síntese permite perceber que a conduta enquadrada nos arts. 38 e 48 é, sem dúvida, crime-meio em relação ao art. 64, porquanto a finalidade era, evidentemente, a edificação de determinada obra para utilização de moradia.
De igual forma, o tipo penal previsto no art. 68 também está absorvido pelo art. 64, pois como aponta o Parquet, o objetivo era construir, sendo este portanto, o crime-fim e único passível de apreciação.
De mais a mais, o STJ tem entendimento pacificado no sentido de que o art. 48 da Lei 9.605/98 é absorvido pelo art. 64 da mesma Lei, entendimento este que também deve ser aplicado aos arts. 38 e 68. Inclusive, esse é o tema do Informativo de Jurisprudência n. 0597 de 15 de março de 2017, cujo destaque é exatamente o discutido nestes autos:
O crime de edificação proibida (art. 64 da Lei n. 9.605/1998) absorve o crime de destruição de vegetação (art. 48 da mesma lei) quando a conduta do agente se realiza com o único intento de construir em local não edificável.
Posto isto, uma vez absorvido o crime-meio, não autônomo, pelo crime-fim, a desclassificação desse tipo penal é medida que se impõe e se requer a este d. Juízo.
6. DO CRIME DO ART. 68 – IMPOSSIBILIDADE
Por fim, a denúncia aponta que o denunciado teria infringido o art. 68 da Lei 9.605/98, o qual prevê: “Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental. ”
O dispositivo em tela configura tipo penal aberto, pois a lei não definiu o que seja “obrigação de relevante interesse ambiental”. Nesse sentido:
DIREITO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTIGO 68 DA LEI Nº 9.605/98. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INOCORRÊNCIA DE ELEMENTARES. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. O crime inscrito no art. 68 da Lei nº 9.605/98 é tipo penal aberto. A lei não definiu o que seja “obrigação de relevante interesse ambiental”, hábil a configurar a conduta típica, de modo que a compreensão e alcance da norma devem ser delimitados no caso concreto. (TRF-4 – ACR: 18 PR 2005.70.05.000018-4, Relator: Revisor, Data de Julgamento: 27/05/2009, OITAVA TURMA).
Logo, trata-se de crime que consiste em deixar de cumprir dever legal ou contratual relativo a relevante interesse ambiental.
Ocorre que a denúncia sequer aponta qual seria a obrigação descumprida pelo denunciado, muito menos qual é o relevante interesse ambiental, o que por si só, impõe a rejeição da denúncia ou absolvição em relação ao tipo do art. 68.
Ademais, considerando hipoteticamente que o denunciado o tenha praticado, seria necessário a previsão do prazo para o cumprimento de tal obrigação, pois do contrário não é possível identificar o momento consumativo da infração, o que viola preceito constitucional.
O Professor Luiz Flávio Gomes, em lição que discute a constitucionalidade do aludido artigo, leciona que:
De qualquer sorte, ainda que se reconheça a constitucionalidade deste tipo penal, sua aplicação demanda redobrada cautela, sendo necessário ficar perfeitamente demonstrado o dever (legal ou contratual) do agente e a relevância do interesse ambiental violado. (Lei de Crimes Ambientais: comentários à Lei 9.605/1998. São Paulo: MÉTODO, 2015. P. 261).
Assim, a infração ao art. 68 da Lei n. 9.605/98 depende da existência do dever legal ou contratual, conferido ao servidor público ou particular, de prevenir ou reprimir as agressões ao meio ambiente, fato não demonstrado na denúncia. Portanto, necessária é a rejeição da denúncia com a consequente absolvição da denunciado. É o que se requer.
Mas caso não seja esse o entendimento de Vossa Excelência, requer seja aplicado a pena mínima prevista no parágrafo único do art. 68 da Lei 9.605/98, por tratar-se de prática de delito culposo, em razão da Prefeitura ter deferido a viabilidade de construção, na qual constou que o terreno era edificável. Assim, incorreu o denunciado em erro de tipo, consoante o exposto abaixo.
7. PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE – DO ERRO DE TIPO – CONFIGURAÇÃO DE CRIME CULPOSO
Na improvável e remota hipótese de não ser acatado o pedido de rejeição da denúncia e absolvição conforme argumentação despendida até agora, o que não se acredita, discorre-se, em homenagem ao princípio da eventualidade, sobre elementos que certamente acarretarão na improcedência de denúncia.
É que segundo o Parquet, o denunciado teria erigido casa em área de preservação permanente. Acontece, que o imóvel só foi construído, porque a Prefeitura deferiu a viabilidade, conforme consta nos autos.
Ora. Não poderia imaginar o denunciado, que a Prefeitura estaria cometendo um erro grotesco, mesmo porque, não havia no local nenhum curso d’água, apenas uma vala de esgoto, que durante o verão daquela temporada, estava mais seco do que a areia do deserto.
Então, evidente que o denunciado incidiu em erro de tipo, conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt:
Erro de tipo é aquele que recai sobre circunstância elementar da descrição típica. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento constitutivo do crime. O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo, uma vez que a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui a tipicidade não por falta do tipo objetivo, mas por carência do tipo subjetivo. (Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. rev.,ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 787).
Guilherme de Souza Nucci é escorreito ao conceituar o instituto:
Conceito de erro de tipo: é o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo. Não basta o agente afirmar que lhe faltou noção precisa dos elementos do tipo penal; é fundamental existir verossimilhança nessa alegação. Se houver razoabilidade no equívoco, afastam-se o dolo e também a culpa. Inexistindo razoabilidade, pode-se afastar o dolo, mantendo-se a culpa (pune-se, caso haja, o tipo culposo). )Código penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 146).