Embargos à execução fiscal. Multa ambiental. Auto de infração ambiental. CDC. Nulidade. Redução do valor da multa. Certidão de dívida ativa. Defesa. Recurso. Execução fiscal com pedido de efeito suspensivo. Advogado ambiental.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL AMBIENTAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE…
Execução Fiscal de multa ambiental do Ibama
Distribuição por Dependência
EMBARGANTE, brasileiro, casado, agricultor, inscrito no RG sob o n… e CPF n…, residente e domiciliado na Av…, Cidade…, Estado…, CEP…, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, com fundamento no art. 16 da Lei 6.830/80 e arts. 98, 914 e 919, § 1º do Código de Processo Civil, opor
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA AMBIENTAL COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO
vinculados aos autos epigrafados movidos pela Procuradoria Geral Federal para cobrança de crédito público inscrito em dívida ativa, originado de auto de infração ambiental lavrado pelo Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, conforme passa a expor.
1. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – CDA – MULTA AMBIENTAL
A certidão de dívida ativa que ampara a execução fiscal de multa ambiental está lastreada em crédito da União decorrente do auto de infração ambiental lavrado pelo IBAMA em face do Embargante, em 14.02.2019, com fundamento no art. 3º, II, VII e art. 50, do Decreto 6.514/08 c/c 70, I e 72, II e VII da Lei Federal 9.605/98.
A multa ambiental aplicada foi de R$ 785.000,00 por suposta destruição de 157 hectares de floresta amazônica considerada objeto de especial preservação, sem autorização do órgão competente, a partir de imagens do Núcleo de Geoprocessamento – NUGEO.
O auto de infração ambiental resultou na instauração do processo administrativo ambiental, instruído com a competente e tempestiva defesa prévia que negou a prática do dano ambiental e questionou a violação ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade no tocante ao valor da multa.
Ao final, requereu a realização de estudo técnico para fins de apurar a gravidade e a extensão do suposto dano, bem como, a oitiva de testemunhas e do próprio autuado/Embargante.
Contudo, em 21.11.2020, quando do julgamento em 1ª Instância[1], a Autoridade Ambiental, indeferiu todo os pedidos de produção de provas e homologou o auto de infração, reconhecendo a atenuante de baixo grau de escolaridade e colaboração com a fiscalização.
Entretanto, diante da impossibilidade sócio econômica de realizar o pagamento da multa, o Embargante foi inscrito em dívida ativa, originando a presente execução fiscal.
2. DO MÉRITO – EXCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL – VALOR DO MULTA AMBIENTAL DESPROPORCIONAL
O Embargante foi autuado pelo IBAMA por supostamente destruir 157 ha de floresta amazônica considerada objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente.
O auto de infração ambiental foi fundamentado nos art. 3º, II, VII e art. 50, do Decreto 6.514/08 c/c 70, § 1 e 72, II e VII da Lei Federal 9.605/98, assim redigidos:
Decreto 6.514/08
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: […]
II – multa simples;
VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.
Lei Federal 9.605/98
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
II – multa simples;
VII – embargo de obra ou atividade;
No caso, foi aplicada multa ambiental no valor de R$ 785.000,00, o que corresponde a R$ 5.000,00 por hectare, posteriormente reduzida pela autoridade julgadora em 20% com base nas atenuantes previstas no art. 21, I e IV, c/c art. 23, I, § 1º, da Instrução Normativa 10/2012 vigente à época, quais sejam, baixo grau de instrução ou escolaridade do autuado, e, colaboração do autuado com a fiscalização.
Ocorre que, a atuação da Administração deve obedecer aos princípios da legalidade, da razoabilidade e o da proporcionalidade, o que não aconteceu no caso em tela.
2.1. Limitação ao Poder de Polícia
Isso porque, o comando legal do art. 6º da Lei n. 9.605/98 impõe ao órgão fiscalizador uma limitação ao seu poder de polícia, estabelecendo critérios para a imposição de penalidades, assim dispondo:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Por seu turno, o art. 72 da Lei 9.605/98, ao discriminar as sanções cabíveis, em caso de prática de conduta lesiva ao meio ambiente, impõe estrita observância a gradação prevista no já citado art. 6º:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […].
No tocante ao valor da multa, o art. 75 da Lei 9.605/98 estabelece que:
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
E sobre a base para imposição do valor da multa, preceitua o art. 74, também da Lei 9.605/98:
Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Os citados dispositivos legais estabelecem, portanto, um limite mínimo e máximo da multa, que deve ser aplicado com observância ao disposto no art. 6º c/c art. 74 da Lei n. 9.605/98.
2.2. Princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade
Contudo, ao aplicar multa ambiental no valor de R$ 785.000,00, a autoridade ambiental violou os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, porque a multa deve observar a situação fática e os critérios estabelecidos em Lei, de modo que os presentes embargos á execução fiscal de multa ambiental merecem acolhimento.
No caso, a multa foi aplicada com base no Decreto 6.514.08 que, por ato presidencial, regulamentou a Lei 9.605/98 por força do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, cuja finalidade é executar fielmente os dispostos preconizados na referida lei, observando irrestritamente o comando legal.
Nessa esteira, leciona José dos Santos Carvalho Filho a respeito da observância do decreto regulamentar em não contrariar àquela que justifica sua existência:
O poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.[2]
Ainda em consonância sobre o poder regulador conferido ao presidente da República, o Ministro Luiz Fux, citando o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello no julgamento da ADI 4.218, asseverou:
É cediço na doutrina que ‘a finalidade da competência regulamentar é a de produzir normas requeridas para a execução de leis quando estas demandem uma atuação administrativa a ser desenvolvida dentro de um espaço de liberdade exigente de regulação ulterior, a bem de uma aplicação uniforme da lei, isto é, respeitosa do princípio da igualdade de todos os administrados’ (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 336).[3]
Logo, não pode o decreto regulamentar sobrepor os ditames da Lei, mesmo porque, o decreto, sob a ótica do sistema hierárquico de normas do ordenamento jurídico brasileiro, está abaixo das normas infraconstitucionais e, portanto, deve observar suas limitações sob pena de invalidade, como explica Hans Kelsen[4]:
Entre uma norma de escalão superior e uma norma de escalão inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma outra e essa outra, não pode existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na norma do escalão superior.
Se uma norma do escalão inferior é considerada como válida, tem de se considerar como estando em harmonia com uma norma do escalão superior.
2.3. Índices mínimo e máximo para cominação da multa
In casu, o art. 50 do Decreto 6.514/08 está em dissonância com o art. 75, da Lei 9.605/98, por não prever índices mínimo e máximo para cominação da multa, pois como norma inferior, não poderia o Decreto se sobrepor à Lei.
Á propósito, a aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei.[5]
Cediço, na ordem hierárquica, a Constituição Federal é a base de toda a ordenação jurídica, superior a todas as leis, que não podem contrariá-la, sob pena da mácula da inconstitucionalidade. Daí, que ninguém é obrigado a fazer nem a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), como clarifica Celso Antônio Bandeira de Mello[6]:
O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção, esta, que, conforme foi visto, informa o caráter da relação de administração.
No Brasil, o art. 5º, inciso II, da Constituição dispõe: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Mas há um inegável desprestígio do administrador à Constituição, como observa Di Pietro:
A consequência é que a evolução do direito administrativo depende, em grande parte, de reformas constitucionais, o que conduz a dois caminhos:
(a) um, lícito, que é a reforma pelos instrumentos que a própria Constituição prevê;
(b) outro que é feito ao arrepio da Constituição, que vai sendo atropelada pelas leis ordinárias, por atos normativos da Administração Pública e, às vezes, sem qualquer previsão normativa; a Administração Pública, com muita frequência, coloca-se na frente do legislador.
Daí o desprestígio da Constituição e do princípio da legalidade.[7]
2.4. Princípio da legalidade
Sobre o princípio da legalidade, Carvalho Filho leciona:
O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.
Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.
O princípio “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. […]
O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.[8]
Especificamente em relação a elaboração de decretos pelo executivo, Adilson Abreu Dallari, em obra coordenada por Paulo André Jorge Germanos, assinala:
O princípio da legalidade não pode ser violado. Se o decreto regulamentar dispuser de matéria que não poderia dispor, o regulamento em questão resultara viciado.
O ordenamento prevê para o decreto que extrapole sua competência a sanção mais grave existente, que é a da nulidade de pleno direito.
A ordem jurídica não reconhece eficácia ao dispositivo que, visando regulamentar uma lei, a modifica ou a contraria, pois seria negar eficácia a própria lei originadora do decreto ou do regulamento, violando, indiretamente, o princípio da separação de poderes.
Dada a relevância da lei, como fonte originaria do direito, como forma de criar, extinguir ou modificar direitos, a ordem jurídica prescreve uma forma democrática de produção da lei, que normalmente exige a participação e a soma das vontades do Legislativo e do Executivo.
Essa forma de produção da lei recebe a designação de processo legislativo.[9]
2.5. Princípio da individualização da pena
Além de violar o princípio da legalidade, o art. 50 do Decreto 6.514/08 também violou o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI/CF), à propósito, muito bem delineado pelo Ministro Ayres Brito, que apesar de se referir à esfera criminal, é perfeitamente aplicável ao caso, pois revela a função do julgador na individualização das sanções:
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo.
Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo.
Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.[10]
Ainda sobre o princípio da individualização da pena, José Francisco Cunha Ferraz Filho em obra organizada por Costa Machado, comenta:
Por princípio de justiça, a pena deve ser individualizada, ou seja, para cada tipo de crime haverá uma prescrição de pena que não poderá ser igual para todos os que delinquiram.
O princípio da igualdade impõe que se trate igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, podendo-se ajuntar, à medida que se desigualam.
Por isso mesmo, cumpre individualizar a pena, de acordo com o desvalor do ato praticado, mandando o constituinte que, dentre outras possíveis, o legislador infraconstitucional se valha, como critério, da privação ou restrição da liberdade, da perda de bens, da multa, da prestação alternativa ou da suspensão ou interdição de direitos.
Ao juiz caberá, sem dúvida, fazer a individualização da pena, em dois lances: primeiro, fazendo corresponder a espécie de pena ao ato praticado; depois, dosando a pena de acordo com a personalidade do infrator e outras circunstâncias que a lei preveja como possíveis de consideração.[11]
Vê-se que, a escolha da modalidade e do quantum de penalidade aplicável não é ato de livre-arbítrio da autoridade administrativa, tão pouco obra de decreto do executivo, de modo que os embargos á execução fiscal de multa ambiental merecem acolhimento.
Assim, em consonância com o princípio da individualização da pena, plenamente aplicável aos processos administrativos por força da sua natureza sancionadora, o julgador deve levar em consideração as circunstâncias de cada caso concreto, conforme disposto em Lei.
Com efeito, o art. 95 da Lei 6.514/08 dispõe que:
o processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
2.6. Decreto 6.514/08 à luz da Constituição Federal
É certo que o art. 50 do Decreto 6.514/08 prevê multa de R$ 5.000,00 por hectare.
Contudo, referido dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, como se fixasse o máximo de R$ 5.000,00 por hectare, e como mínimo, o previsto no art. 75 da Lei 9.605/98, ou seja, R$ 50,00 por hectare..
Sobre a matéria, calham-se as lúcidas considerações do e. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, assentadas por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 0000010-39.2016.4.01.3906/PA:
Sublinhe-se que a Lei 9.605/98, no seu art. 75, dispõe que “o valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais)”.
Existe, portanto, uma determinação do legislador ordinário de que haja parâmetros para regulação do valor da multa.
A interpretação que confere o entendimento da necessidade em se prever índices mínimo e máximo para o valor da multa é a que possibilita inclusive a ponderação e gradação na eleição da penalidade mais adequada, conforme regramento constante no art. 6°, daquela lei.
Se não há margem para aferição dos critérios de ponderação da penalidade, aqui incluído obviamente o valor da multa, acaso seja essa a sanção escolhida, viola-se a Lei 9.605/98, a qual o ato regulamentar deve observância obrigatória, além de esbarrar-se nos princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da própria proporcionalidade, como já ressaltado. […]
Com vistas a adequar o referido dispositivo em exame à lei e àqueles princípios regentes, como já ressaltado, a preservar notadamente o princípio da individualização da pena, verifico que esse dispositivo deve ser interpretado, conforme a Constituição, atribuindo à quantia ali fixada como o patamar máximo de fixação de multa por unidade. […]
Sublinhe-se que a aplicação do patamar mínimo se deve à ausência de exposição dos pressupostos fáticos para majoração da multa, aqui compreendidas especialmente as circunstâncias da infração, as quais não sugerem motivação suficiente para elevar a pena.
Neste ponto, inclusive, ressalte-se a função pedagógica da jurisprudência, com o importante papel de sugerir o aperfeiçoamento das autuações lavradas pelo IBAMA em casos semelhantes, em que a autoridade administrativa deveria indicar minimamente a motivação para escolha da penalidade, em atenção ao próprio regramento contido na lei e ao seu poder de polícia, que lhe confere aptidão idônea a registrar elementos da conduta infracional durante a fiscalização que é empreendida.
Destaque-se, não se tratar, evidentemente, de realizar uma inovação no estabelecimento de sanção administrativa por parte do Judiciário, hipótese sobre a qual haveria deturpação das funções e competências dos poderes. Não há criação de figura típica nem mesmo de penalidade.
A atividade é hermenêutica, e se limita a conferir uma interpretação adequada dos atos normativos regulamentadores da própria lei regente da matéria, assim como a atender aos preceitos constitucionais de nosso ordenamento jurídico.
O aresto foi assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. LEI 9.605/98, DECRETO 3.179/1999. IMPEDIMENTO DE REGENERAÇÃO NATIVA. REDUÇÃO DA MULTA. VIOLAÇÃO DA LEGALIDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. REVISÃO DO ATO. SENTENÇA REFORMADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. […]
5. “A aplicação da multa deve ter em conta a situação fática e os critérios estabelecidos por lei (art. 6º da Lei n. 9.605/98) em respeito ao princípio da individualização da pena, bem como observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.” (AC 0016472-97.2008.4.01.3600 / MT, Rel. JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, filho, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.472 de 12/11/2015).
6. Ofende a legalidade o dispositivo do ato regulamentar, no caso o artigo 33, do Decreto 3.179/99, que não prevê índices mínimo e máximo para cominação da multa, em desacordo com o comando de regulamentação contido nas disposições do art. 75, da Lei 9.605/98 (lei em sentido estrito regente da matéria), o qual determina: “o valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais)”.
7. De modo a preservar a legalidade do ato, e observar o atendimento aos princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade na aplicação da penalidade administrativa de multa por infração ambiental, faz-se necessário que o art. 33, do Decreto 3.179/99 receba interpretação conforme a Constituição, de modo que o valor cominado para o hectare – para fins de base do cálculo da sanção-, seja considerado como máximo, atento aos limites estabelecidos pelo art. 75, da Lei 9.605/98. Precedentes desta Corte.
8. Na hipótese, verificado que a conduta proscrita recai sobre uma área de 485,53 hectares, o que originou a aplicação de multa administrativa no montante de R$ 145.800,00 (cento e quarenta e cinco mil e oitocentos reais), orçada ao valor de R$ 300,00 (trezentos reais) por hectare/fração, deve ser revista para novo valor que deverá levar em consideração a quantia de R$ 50,00 por hectare/fração, sem que se comprometa o caráter educativo, repressivo e de prevenção da penalidade.
9. A aplicação no patamar mínimo legalmente previsto deve-se a ausência de exposição dos pressupostos fáticos para majoração da multa em sede administrativa, aqui compreendidas especialmente as circunstâncias da infração, as quais não sugerem motivação suficiente para elevar a pena.
10. Deve ser sublinhada a função pedagógica da jurisprudência que se firma nesta Corte, que confere o importante papel de sugerir o aperfeiçoamento das autuações lavradas pelo IBAMA em casos semelhantes, em que a autoridade administrativa deveria indicar minimamente a motivação para escolha da penalidade, em atenção ao próprio regramento contido na lei e ao seu poder de polícia que lhe pressupõe aptidão idônea a registrar e individualizar elementos específicos da conduta durante a fiscalização que é empreendida.
11. Configuração da infração. Comprovação do fato ilícito. Ausência de nulidade formal da autuação. Inaplicabilidade dos dispositivos do Código Florestal por falta de comprovação dos requisitos. Teses rejeitadas.
12. Reforma da sentença, apenas para redução do valor da penalidade de multa, conforme parâmetros expostos, com alteração, em consequência, da distribuição dos ônus sucumbenciais.
13. Apelação da parte autora da ação, conhecida e, em parte, provida, para minorar o valor da multa aplicada administrativamente. (AC 0000010-39.2016.4.01.3906, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 02/03/2018 PAG.)
2.7. Julgamentos recentes
Em julgamentos ainda mais recentes, nos quais estava em discussão a imposição de multa com base na mesma motivação que deu origem ao auto de infração ambiental (art. 50, Decreto 6.514/08) que originou a certidão de dívida ativa – CDA, objeto do presente processo de embargos á execução fiscal de multa ambiental, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região adotou o entendimento de que devem ser observados, não só o princípio da legalidade, mas, também, o da razoabilidade e o da proporcionalidade, considerando a peculiaridade de cada caso:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). AUTO DE INFRAÇÃO: DESTRUIÇÃO DE ÁREA DE VEGETAÇÃO NATIVA, CONSIDERADA DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LEGALIDADE DO AUTOR DE INFRAÇÃO E DO TERMO DE EMBARGO. MULTA. REDUÇAO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
1. Comprovado que a autuação administrativa se encontra dentro da legalidade, nos termos dos artigos 70 e 72 da Lei n. 9.605/1998, artigos 3º, 50 e 60 do Decreto n. 6.514/2008, e art. 225, § 4º, da Constituição Federal de 1988, é cabível a aplicação da penalidade por infração aos citados diplomas legais.
2. Hipótese em que o autor foi multado em R$ 845.000,00 (oitenta e quarenta e cinco mil reais), tendo como motivação destruir a área de 168,43 hectares de vegetação nativa, na Região Amazônica, Bioma Cerrado, objeto de especial preservação, sem licença outorgada pelo Órgão Ambiental competente (168,432*168fl. 134).
3. Apesar de constatada a infração à legislação ambiental, a atuação administrativa deve se ater aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, observado, ainda, os critérios previstos no art. 6º da Lei n. 9.605/1998: I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
4. Faz-se necessária a imposição da penalidade, pois tem caráter educativo, de forma a proteger o meio ambiente, objetivo buscado pela legislação de regência, mormente quando se trata de questão envolvendo a destruição de floresta nativa, considerada de especial preservação ambiental.
5. Por outro lado, deve ser considerado o fato de que o art. 9º do Decreto 6.514/2008 permite à autoridade responsável avaliar, em determinadas situações, se a multa cominada é desproporcional e aplicá-la, observado o limite mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), mesmo previsão constante do art. 75 da Lei n. 9.605/1998.
6. Hipótese em que, considerando que o autor é beneficiário da justiça gratuita, hipossuficiente, portanto, mas, observada a peculiaridade dos autos, o valor aplicado no auto de infração R$ 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil reais), não se mostra razoável, razão pela qual deve ser reduzido para R$ 33.686,00 (trinta e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais), de acordo com os artigos 75 da Lei n. 9.605/1998 e 9º do Decreto n. 6.514/1998.
7. É cabível o embargo sobre a área fiscalizada e que foi objeto da autuação, conforme previsto no art. 72, inciso VII, da Lei n. 9.605/1998 e art. 3º, inciso VII, do Decreto n. 6.514/2008. Assim, a lavratura do Termo de Embargo se justifica, mesmo porque faz parte das atribuições do agente fiscalizador, no uso de seu poder de polícia, conforme previsto no art. 101, inciso II, do Decreto n. 6.514/2008.
8. Sentença parcialmente reformada para reduzir o valor da multa aplicada. 9. Apelação do autor provida, em parte.
(AC 1000527-83.2017.4.01.3100, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 29/05/2020 PAG.).
No caso em tela, a autoridade ambiental não procedeu à correta análise obrigatória das circunstâncias atenuantes do art. 6º da Lei n. 9.605/1998, e homologou a multa em grau máximo, no valor de R$ 5.000,00 por hectare, totalizando R$ 785.000,00, sem considerar a sanção aplicada à conduta praticada, de modo que os embargos á execução fiscal de multa ambiental merecem acolhimento para extinguir a execução fiscal.
2.8. Conclusão – Redução do valor da multa
Contudo, o art. 50 do Decreto 6.514/08, objeto da autuação efetivada pelo IBAMA, prevê multa de R$ 5.000,00 por hectare ou fração.
Assim, com vistas a adequá-lo aqueles princípios regentes, o art. 50 do Decreto 6.514/08 deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, atribuindo à quantia de R$ 5.000,00 como o patamar máximo de fixação de multa por hectare, de modo a preservar inclusive o princípio da individualização da pena.
Dessa maneira, como mínimo, deve ser considerado o valor previsto na Lei 9.605/98, ou seja, R$ 50,00 por hectare, corrigidos periodicamente.
3. VALOR DO MULTA AMBIENTAL – ART. 917, §§ 3º E 4º, CPC
Cumprindo o disposto do art. 917, §§ 3º e 4º do CPC, com aplicação subsidiária a Lei 6.830/80, a fim de evitar rejeição dos embargos á execução fiscal de multa ambiental por ausência de apontamento do valor que entende ser correto diante do excesso de execução fiscal.
O Embargante informa, considerando os critérios estabelecidos em lei já anteriormente debatidos, e, que o suposto dano ambiental foi causado em 157 hectares, que o valor correto da execução fiscal de multa ambiental é de R$ 50,00 por hectare, totalizando R$ 7.850,00 (157 ha x R$ 50,00).
O valor apontado nestes embargos á execução fiscal de multa ambiental, atualizado a partir da constituição definitiva do débito, ou seja, após o prazo para pagamento de 20 dias contados do recebimento da notificação da decisão julgadora, cuja a data de início para fins de correção monetária é o dia 07.03.2020, totaliza, em 22.12.2020, o valor de é de R$ 8.100,00, conforme cálculo anexo.
4. CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA AMBIENTAL
O art. 1° da Lei n. 6.830/80 dispõe que à Execução Fiscal de multa ambiental será regida subsidiariamente pelas regras do Código de Processo Civil.
Por sua vez, referido diploma processual prevê, em seu art. 919, § 1º, que:
o juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
Em virtude de nos embargos á execução fiscal de multa ambiental estar presente, cumulativamente, a relevância da argumentação, a possibilidade de grave dano de difícil ou incerta reparação ao Embargante diante da continuidade da execução, ou ainda, diante da garantia parcial ao juízo consubstanciada na penhora de veículo já realizada, requer seja os embargos á execução fiscal de multa ambiental recebidos com…