EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DESEMBARGADORES FEDERAIS DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
APELANTE…, já qualificado nos autos da Ação Penal n…, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, que tramita em sede de Recurso de Apelação perante esta colenda Turma do TRF4, vem à presença de Vossas Excelências, por seu advogado, apresentar RAZÕES DE APELAÇÃO POR CRIME AMBIENTAL pugnando seja processada e, após a liturgia de estilo, julgada inteiramente procedente para reformar a sentença e julgar improcedente o pleito ministerial pelas razões a seguir delineadas.
1. SÍNTESE DA LIDE
Trata-se de Ação Penal em que o Ministério Público Federal imputou ao acusado a prática das condutas típicas descritas no art. 38-A, 40, caput, 48 cumulado com o art. 53, caput e II, C da Lei n. 9.605/98, além do art. 50, caput e I da Lei n. 6.766/79.
O feito foi inicialmente processado pela magistrada…, que conduziu a instrução do processo e presidiu a oitiva das testemunhas. Contudo, a sentença foi proferida por magistrado diverso, julgando-se procedente o pedido ministerial para condenar o apelante como incurso nos tipos penais previstos nos artigos 38-A, 40 e 48 da Lei n. 9.605/95, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido veiculado na denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 38-A, 40 e 48 da Lei 9.608/95, ficando sujeito à sanção de dois anos e seis meses de detenção em regime aberto, bem como a pena de multa de dez dias multa, com valor unitário de um salário mínimo vigente à data do fato delituoso, corrigido monetariamente. A pena de detenção foi substituída pelo pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e prestação de serviços à comunidade pelo prazo de dois anos e seis meses.
Contudo, a sentença merece reforma pelas razões de direito a seguir expostas.
2. PRELIMINARMENTE
2.1. NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DE IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
É consabido que o art. 399, §2º do Código de Processo Penal assevera o princípio da identidade física do juiz como corolário da garantia constitucional do Juiz Natural insculpido no art. 5º, LIII e XXXVII da Carta Magna.
A jurisprudência, por sua vez, mitiga a aplicação do citado princípio em hipóteses taxativas, aplicando-se por analogia as hipóteses previstas no antigo Código de Processo Civil, como se depreende da ementa abaixo transcrita.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. LICENÇA DE SAÚDE. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. Embora o § 2º do art. 399 do Código de Processo Penal disponha que “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”, o preceito contido no referido dispositivo legal não pode ser aplicado de maneira absoluta, visto que a prestação jurisdicional dos togados investidos na competência para a apreciação e o julgamento de causas criminais passaria a ser, necessariamente, ininterrupta, impedindo-os de se afastar temporariamente de suas funções, seja por motivo de férias, de licença médica, de convocações, seja, até mesmo, de progressão funcional, o que é inerente à carreira. Em razão da ausência de outras normas que regulamentam o disposto no referido artigo, esta Corte Superior de Justiça consolidou o entendimento de que é possível a mitigação do aludido princípio nos casos de convocação, licença, promoção, aposentadoria ou de qualquer outro motivo que impeça o juiz que houver presidido a instrução de sentenciar o feito. Aplica-se, por analogia (permitida pelo art. 3º do Código de Processo Penal), o art. 132 do Código de Processo Civil. O rol constante no art. 132 do CPC não é taxativo – haja vista a expressão “afastado por qualquer motivo”, contida no caput -, razão pela qual a substituição é admitida também na hipótese de licença de saúde, tal como ocorreu no caso. Para a caracterização do delito previsto no art. 35 da Lei de Drogas, é necessário que o animus associativo seja efetivamente provado. Isso porque, se assim não fosse, estaria evidenciado mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico de drogas. O Tribunal de origem – dentro do seu livre convencimento motivado – apontou elementos concretos, constantes dos autos, que efetivamente evidenciam a estabilidade e a permanência exigidas para a configuração do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1579227/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 30/04/2020)
Contudo, é bem sabido que o antigo art. 132 do Código Buzaid não encontra paralelo no diploma processual civil hodierno. Ademais, não se verificou no presente caso as hipóteses que excetuavam a aplicação do princípio da identidade física do juiz e modo que restou configurada, no caso vertente, a desobediência ao preceito legal, razão pela qual a sentença objurgada deve ser cassada.
2.2. DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO PARQUET FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE BEM OU INTERESSE FEDERAL. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 109, IV, DA CONSTITUIÇÃO
Deve ser destacado que inexiste interesse federal de modo a justificar a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, pois ausente interesse qualificado federal no caso em apreço. Com efeito, a Constituição Federal explicita os casos envolvendo a competência da Justiça Federal.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: […] IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
O acervo probatório amealhado aos autos não demonstrou que o litígio debatido envolva qualquer bem ou interesse federal, na forma preconizada no art. 109, IV, da Constituição Federal.
Com efeito, a única possibilidade de se vislumbrar o interesse federal seria a ocorrência de dano comprovado à Unidade de Conservação que está localizada aproximadamente quinhentos metros do local dos fatos.
Entretanto, vale frisar o teor do laudo produzido pela Polícia Federal sobre a caracterização do suposto dano ao meio ambiente. É complexa a individualização para fins criminais dos danos ambientais à Unidade de Conversação (UC) do entrono, que estejam sendo causados especificamente pelas ações de degradação ambiental constatadas no terreno examinado.
Considerando-se que havia conectividade do fragmento vegetal suprimido com os ecossistemas da UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, em tese, o desflorestamento interferiu nessa conexão, causando fragmentação e perda das funções ecológicas inerentes, importantes para UC. Ressalte-se, entretanto, que essa interferência individual é de difícil mensuração.
Ou seja, a equipe técnica da Polícia Federal, formado por três peritos criminais, atestou que a supressão de vegetação interferiu na conexão com a Unidade de Conservação, e não na Unidade de Conservação propriamente dita.
Além disso, afirmaram ser de difícil mensuração a interferência individual da supressão. Assim, a presente persecução penal foi lastreada em danos em tese, hipotéticos, a um fragmento de vegetação nas proximidades da Unidade de Conservação e não no interior da UNIDADE DE CONSERVAÇÃO.
Restou comprovado que o dano, in casu, é meramente hipotético, caso fosse dado prosseguimento à supressão da vegetação, ou caso fosse implantada atividade poluidora na área adjacente à Unidade de Conservação federal. In casu, inexiste qualquer interesse federal que justifique a atuação do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade nos moldes preconizados na Lei n.º 11.516/07 e, por conseguinte, não há legitimidade ativa para o Ministério Público Federal atuar no feito.
Portanto, como os próprios técnicos da Polícia Federal não conseguiram comprovar o dano ambiental pela conduta atribuída ao apelante, falece a legitimidade ativa do parquet federal para funcionar no caso em tela visto que o dano deve ser comprovado e nunca hipoteticamente considerado, além de inexistir zona de amortecimento para a localidade.
É válido frisar que a legislação aplicável à espécie sequer exige a anuência prévia da Unidade de Conservação para a construção de edificações localizadas em áreas urbanas consolidadas, conforme o teor do art. 5º da Resolução n. 428/2010 do CONAMA.
Em suma, a única possibilidade de legitimação do MPF pra a propositura da presente Ação Penal era o interesse federal pelo suposto dano à Unidade de Conservação administrada por autarquia federal, porém na ausência de qualquer comprovação de dano, ou na hipótese da absorção do dano pela conduta de construir em solo não edificável, falece a atribuição do parquet federal para a propositura da presente ação competindo, assim, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina o patrocínio da causa como já firmado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:
COMPETÊNCIA. DOCUMENTO FALSO. VISTO.
Trata-se de conflito negativo de competência entre o juízo estadual e o juízo federal nos autos em que a acusada foi presa em flagrante por ter cometido, em tese, o crime previsto no art. 304 do CP , ao instruir requerimento de visto em passaporte com documentos falsos (contracheque, extrato bancário e declaração de imposto de renda). Para o Min. Relator, considerando-se que a utilização dos documentos falsificados deu-se dentro de seção consular da embaixada, que é apenas representação de Estado estrangeiro dentro do território nacional, não se pode falar em prejuízo de bens, serviços ou interesse da União, devendo fixar-se a competência da Justiça estadual. Ressalta, ainda, que as declarações de imposto de renda falsas também só foram usadas para requerer o visto e não em detrimento da União, motivo pelo qual não há como fixar a competência da Justiça Federal. Diante do exposto, a Seção declarou competente uma das varas criminais da Justiça comum de Brasília. Precedentes citados: CC 12.423 -PR , DJ 5/5/20071009, e CC 33.157-RS , DJ 11/3/2002. CC 104.334-DF , Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 24/6/2009.
Igualmente, o julgado do STJ sob a relatoria do Min. Herman Benjamin.
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO POLO ATIVO QUE POR SI SÓ ATRAI A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, EMBORA, EM TESE, POSSA SE CONFIGURAR HIPÓTESE DE ILEGITIMIDADE ATIVA DIANTE DA FALTA DE ATRIBUIÇÃO DO RAMO ESPECÍFICO DO PARQUET. USO IRREGULAR DE RECURSOS REPASSADOS PELO FNDE AO MUNICÍPIO PARA APLICAÇÃO NO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR. PREVISÃO LEGAL DE FISCALIZAÇÃO PELO FNDE E PELO TCU. INTERESSE DE ENTE FEDERAL. ATRIBUIÇÃO DO MPF E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CONFIGURADA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. PENA APLICADA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONFIGURAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INADEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA AO DISPOSTO NO ART. 12, II, DA LEI 8.429/1992. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO APENAS NESSE ASPECTO. HISTÓRICO DA DEMANDA Na origem, trata-se de Ação de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal contra ex-prefeito municipal, funcionário público e particular em razão de alegadas irregularidades na gestão de recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Educação, à conta do Programa Nacional de Alimentação Escolar nos exercícios de 1997 a 2000. O AJUIZAMENTO DE AÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL POR SI SÓ ATRAI A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, PODENDO-SE COGITAR APENAS DE EVENTUAL FALTA DE ATRIBUIÇÃO DO PARQUET FEDERAL Sendo o Ministério Público Federal órgão da União, qualquer ação por ele ajuizada será da competência da Justiça Federal, por aplicação direta do art. 109, I, da Constituição. Todavia, a presença do MPF no polo ativo é insuficiente para assegurar que o processo receba sentença de mérito na Justiça Federal, pois, se não existir atribuição do Parquet federal, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito por ilegitimidade ativa ou, vislumbrando-se a legitimidade do Ministério Público Estadual, ser remetido a Justiça Estadual para que ali prossiga com a substituição do MPF pelo MPE, o que se mostra viável diante do princípio constitucional da unidade do Ministério Público. O MPF não pode livremente escolher as causas em que será ele o ramo do Ministério Público a atuar. O Ministério Público está dividido em diversos ramos, cada um deles com suas próprias atribuições e que encontra paralelo na estrutura do próprio Judiciário. O Ministério Público Federal tem atribuição somente para atuar quando existir um interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles abarcados pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. […] 17. Recurso Especial de Mário de Souza Porto parcialmente conhecido e não provido e Recurso Especial de Marivando Fagundes de Souza parcialmente conhecido e provido apenas para arbitrar a multa civil em duas vezes o valor dos danos, a ser apurado em liquidação, limitando-a, porém, ao valor estabelecido pelo Tribunal de origem. (STJ – REsp 1513925/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 13/09/2017)
Constou do voto condutor do o seguinte excerto:
O simples fato de a ação ter sido ajuizada pelo Ministério Público Federal implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por aplicação do art. 109, I, da Constituição, já que o MPF é parte da União. Destaco, porém, pois é um ponto que ainda não está perfeitamente claro nos julgados, que o fato de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do parquet federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito. O Ministério Público está dividido em diversos ramos, cada um deles com suas próprias atribuições e que encontra paralelo na estrutura do próprio Judiciário. Assim, grosso modo, o Ministério Público Federal tem atribuição para atuar apenas naqueles processos que seriam da competência da Justiça Federal em virtude da participação da União, autarquia federal ou sociedade de economia mista, o Ministério Público do Trabalho tem atribuição para atuar nos processos cujo foro seria da Justiça do Trabalho e assim por diante. […] Concluo, então, em síntese, que a presença do Ministério Público Federal é suficiente, por si só, para assegurar a competência da Justiça Federal, mas não basta para assegurar que o processo receba sentença de mérito nesse ramo da Justiça, pois, se não existir atribuição do Parquet federal, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito por ilegitimidade ativa ou, vislumbrando-se a legitimidade do Ministério Público Estadual, ser remetido à Justiça Estadual para que ali prossiga com a substituição do MPF pelo MPE, o que seria viável diante do princípio constitucional da unidade do Ministério Público. E quando haverá a atribuição do Ministério Público Federal? Em síntese, quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles abarcados pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal.
De modo semelhante, o julgado do STJ do Min. Teori Albino Zavascki.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. 1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho”. Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º ). Recurso especial provido. (STJ, REsp 440.002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2004, DJ 06/12/2004, p. 195)
Frise-se o teor do voto condutor do Recurso Especial:
Põe-se em foco, no presente caso, um tema freqüente em nossos pretórios, nem sempre enfrentado com clareza, que é o da distribuição da competência, entre justiça federal e justiça estadual, para processar e julgar ações civis públicas destinadas a tutelar direitos transindividuais (coletivos e difusos). As dificuldades para encontrar linha objetiva de orientação se agravam porque, no geral dos casos, não se dá ênfase ao problema que subjaz à questão competencial, que é o da repartição de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. Realmente, também a ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, a saber: cabe aos juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho “. Ocorre que, nessa espécie de ação, o direito tutelado tem natureza transindividual, a significar que são indeterminados os titulares do direito material. Não estando legitimado, para o pólo passivo, nenhum ente federal, estaria descartada a competência da Justiça Federal? Esta pergunta envolve não uma questão de competência, e sim de legitimidade. Com efeito, para fixar a competência da Justiça Federal, basta que a ação civil pública seja proposta pelo Ministério Público Federal. Nesse caso, bem ou mal, figurará como autor um órgão da União, o que é suficiente para atrair a incidência do art. 109, I, da Constituição.
Embora sem personalidade jurídica própria, o Ministério Público Federal está investido de personalidade processual, e a sua condição de personalidade processual federal determina a competência da Justiça Federal. É exatamente isso o que ocorre também em mandado de segurança, em habeas-data e em todos os demais casos em que se reconhece legitimidade processual a entes não personalizados: a competência será fixada levando em consideração a natureza (federal ou não) do órgão ou da autoridade com personalidade apenas processual, e essa natureza é a mesma da ostentada pela pessoa jurídica de que faz parte. Figurando o Ministério Público Federal, órgão da União, como parte na relação processual, a um juiz federal caberá apreciar a demanda, ainda que seja para dizer que não é ele, e sim o Ministério Público Estadual, o que tem legitimação ativa para a causa. Para efeito de competência, como se sabe, pouco importa que a parte seja legítima ou não.
A existência ou não da legitimação deve ser apreciada e decidida pelo juiz considerado competente para tanto, o que significa que a questão competencial é logicamente antecedente e eventualmente prejudicial à da legitimidade das partes. Para efeito de competência, o critério ratione personae (que é o estabelecido no art. 109, I, da CF) é considerado em face apenas dos termos em que foi estabelecida a relação processual. Em outras palavras, para efeito de determinação de competência, o que se leva em consideração é a parte processual, o que nem sempre coincide com a parte legítima . Parte processual é a que efetivamente figura na relação processual, ou seja, é aquela que pede ou em face de quem se pede a tutela jurisdicional numa determinada demanda. Já a parte legítima é aquela que, segundo a lei, deve figurar como demandante ou demandada no processo.
A legitimidade ad causam , conseqüentemente, é aferível mediante o contraste entre os figurantes da relação processual efetivamente instaurada e os que, à luz dos preceitos normativos, nela deveriam figurar. Havendo coincidência, a parte processual será também parte legítima; não havendo, o processo terá parte, mas não terá parte legítima. Reafirma-se, assim, que a simples circunstância de se tratar de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal é suficiente para fixar a competência da Justiça Federal. Por isso mesmo é que se enfatiza que a controvérsia posta não diz respeito, propriamente, à competência para a causa e sim à legitimidade ativa. Competente, sem dúvida, é a Justiça Federal. Cabe agora, portanto, investigar se, à luz do direito, o ajuizamento dessa ação, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos, é atribuição do Ministério Público Federal ou do Estadual. Concluindo-se pela ilegitimidade daquele, a solução não será a da declinação de competência, mas de extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Quando se trata de repartir competências (legislativas, administrativas ou jurisdicionais), o princípio a ser seguido, decorrente de nosso sistema federativo, é o de reconhecer como da esfera estadual toda a matéria residual, ou seja, a que não estiver conferida, por força de lei ou do sistema, ao órgão federal. Para os fins aqui perseguidos, o princípio é o mesmo.
Ocorre que a Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, que seria a sede normativa adequada para explicitar as atribuições desse órgão (CF, art. 128, § 5º), não foi nada feliz no particular. Os seus artigos 5º e 6º, por exemplo, ao tratar das funções institucionais e da competência do “Ministério Público da União”, elencou, na verdade, funções institucionais e competências do próprio Ministério Público, que são também comuns, portanto, às do Ministério Público dos Estados. No ponto que aqui interessa, outorgou-se ao Ministério Público “da União” competência para “promover o inquérito civil e a ação civil pública”, entre outras hipóteses, para a proteção “dos direitos constitucionais” (art. 6º, VII, a), “do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (VII, b) (…) e de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos” (VII, d), sem maiores explicitações e, aparentemente, incluindo toda a competência residual. Bem se vê que tais dispositivos não podem ser entendidos na extensão que decorre de sua interpretação puramente literal. Devem, ao contrário, ter seu alcance compreendido à luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente do antes referido princípio federativo.
O limitador implícito na fixação das atribuições do Ministério Público da União é, certamente, o da existência de interesse federal na demanda. Caberá a ele promover, além das ações civis públicas que envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral), todas as que devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais). Será da alçada do Ministério Público Federal promover ações civis públicas que sejam da competência federal em razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI) — ou em razão da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou as que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I). Este último ponto merece explicitação. Na ação civil pública, a legitimação ativa é em regime de substituição processual.
Versando sobre direitos transindividuais, com titulares indeterminados, não é possível, em regra, verificar a identidade dos substituídos. Há casos, todavia, em que a tutela de direitos difusos não pode ser promovida sem que, ao mesmo tempo, se promova a tutela de direitos subjetivos de pessoas determinadas e perfeitamente identificáveis. É o que ocorre nas ações civis públicas em defesa do patrimônio público ou da probidade administrativa, cuja sentença condenatória reverte em favor das pessoas titulares do patrimônio lesado. Tais pessoas certamente compõem o rol dos substituídos processuais.
Havendo, entre elas, ente federal, fica definida a legitimidade ativa do Ministério Público Federal. Mas outras hipóteses de atribuição do Ministério Público Federal para o ajuizamento de ações civis públicas são configuradas quando, por força do princípio federativo, ficar evidenciado o envolvimento de interesses nitidamente federais, assim considerados em razão dos bens e valores a que se visa tutelar. É o caso dos autos. Aqui, a demanda visa a tutelar o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que, nos termos do art. 20, VII, da Constituição, são bens da União, sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º). Em suma, a competência para a causa é da Justiça Federal, porque se trata de demanda promovida pelo Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área que compõe o patrimônio da União e submetida ao poder de polícia de autarquia federal.
Mutatis mutandis, tal entendimento se amolda com perfeição ao caso vertente, de sorte que impende o reconhecimento da preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para patrocinar a presente demanda, devendo ser reformada a sentença para julgar improcente o pleito ministerial.
2.3. DA AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL COLHIDA SOB O SIGNO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. CONDENAÇÃO LASTREADA EM LAUDO DA POLÍCIA FEDERAL E CONTRÁRIA AO TESTEMUNHO DOS AGENTES FISCAIS DO ICMBIO.
É consabido que o art. 158 do Código de Processo Penal exige a realização de exame de corpo delito quando o fato típico deixar vestígios. Pois bem, no caso vertente, foi apresentado laudo da polícia federal que não constatou a existência de dano ambiental à Unidade de Conservação adjacente ao local dos fatos.
Ou seja, a equipe técnica da Polícia Federal, formado por três peritos criminais, atestou que a supressão de vegetação interferiu na conexão com a Unidade de Conservação, e não na Unidade de Conservação propriamente dita. Além disso, afirmaram ser de difícil mensuração a interferência individual da supressão.
Assim, a presente persecução penal foi lastreada em danos em tese, hipotéticos, a um fragmento de vegetação nas proximidades da Unidade de Conservação e não no interior da UNIDADE DE CONSERVAÇÃO.
De modo semelhante, as testemunhas de acusação, servidores do ICMBio, Negaram a existência de dano ambiental à Unidade de Conservação Federal. Finalmente, o magistrado não apresenta qualquer fundamentação técnica para excluir a apreciação do laudo técnico apresentado pelo apelante, limitando-se a afirmar que não está tão bem fundamentado.
Ora, afirmar unicamente que o laudo técnico não está bem fundamentado não se revela argumentação idônea para derruir a prova produzida pela defesa. Como sabido, em situações que desafiam a expertise de profissionais versados no ramo de conhecimento da biológica, ecologia e botânica, é essencial que se produza uma prova pericial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Nesse diapasão, diante da inexistência de certeza quanto a existência do dano ambiental, mister a realização de prova pericial sob pena de violação do princípio in dubio pro reo. Nesse diapasão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a nulidade da sentença cujo processo não houve a produção de laudo pericial em desobediência à expressa previsão legal.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO QUALIFICADO. INFRAÇÃO QUE DEIXA VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE. PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. – Nos crimes que deixam vestígios é imprescindível a realização de corpo de delito, por expressa determinação legal prevista no art. 158 do Código Penal. – É pacífica jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando os vestígios tenham desaparecido, hipótese não demonstrada na instância de origem. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1785868/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CRIME DE INCÊNDIO. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE. PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. – A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. – O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável para configuração da materialidade delitiva nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido por outro meio de prova, quando os vestígios tenham desaparecido ou quando justificada a impossibilidade de realização da perícia. Precedentes. – No caso sob exame, não foi realizada perícia para constatar a materialidade do crime de incêndio, não existindo nos autos justificação alguma para a ausência da perícia, o que indica a presença de flagrante constrangimento ilegal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular a r. sentença condenatória e o v. acórdão que a confirmou, absolvendo o paciente da prática do crime de incêndio, nos termos do art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal, considerando a inexistência de prova da materialidade da conduta imputada. (HC 440.501/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2018, DJe 01/06/2018)
Assim, requer-se seja reformada a sentença para absolver o apelante dos crimes a ele imputados por ausência de requisito essencial para a persecução criminal.
3. DO DIREITO
3.1. DA CONDENAÇÃO POR MERO JUÍZO DE PROBABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANO AMBIENTAL À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
Colhe-se da sentença vergastada que o magistrado condenou o apelante em mero juízo de probabilidade, pois supostamente sua conduta poderia em tese representar dano à Unidade de Conversação.
Ora, diante do testemunho dos técnicos do ICMBio que atestaram não poder afirmar a existência de dano, mas a mera potencialidade do dano, o magistrado contrariou o laudo da polícia federal e as testemunhas por acreditar que restou comprovada a ocorrência de dano ambiental à Unidade de Conservação.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aduz que a ausência de demonstração do efetivo prejuízo conduz à necessária absolvição do apelante. Vejamos:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. CAUSAR DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO (ARTIGO 40, LEI 9.605/98). AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. ABSOLVIÇÃO PELO ARTIGO 386, VI, DO CPP. A materialidade do delito previsto no artigo 40 da Lei nº 9.605/98 – “causar dano” à Unidade de Conservação -, necessita demonstração do efetivo prejuízo ambiental. Não há prova nos autos de que o réu tenha cortado árvores, não havendo como afirmar que tenha causado danos à unidade de conservação, requisito essencial para que fosse condenado pelo art. 40 da Lei 9.605/98 Não evidenciada autoria e materialidade do crime, não pode o réu ser condenado pela conduta do art. 40 da Lei 9.605/98, impondo-se a absolvição com fundamento no art. 386, VI do CPP. (TRF4, ACR 2007.71.00.012219-0, SÉTIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, D.E. 02/09/2010)