EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE
DENUNCIADA, já devidamente qualificada nos autos do processo em referência, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, vem, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados, com fundamento nos arts. 396 e 396- A do Código de Processo Penal, apresentar RESPOSTA À ACUSAÇÃO, nos seguintes termos.
1. DOS FATOS
A ora respondente, pessoa jurídica de direito privado, foi denunciada pela prática, em tese, do crime ambiental previsto no art. 38 da Lei 9.605/1998[1].
A peça acusatória foi preliminarmente recebida, conforme previsão do art. 396, caput, do Código de Processo Penal. Na mesma oportunidade, a d. juíza de direito designou audiência para proposta de suspensão condicional do processo.
Assim, com fundamento nos arts. 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal, passa a demonstrar que tais argumentos não condizem com a realidade. É o relatório do necessário.
2. DAS PRELIMINARES
2.1. DA INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DO DELITO
Não bastasse a incerteza quanto ao local do dano, o Relatório de Fiscalização emitido pelo órgão ambiental, no qual o Ministério Público fundamenta sua denúncia, não comprova a existência de floresta na referida área. Tampouco se comprovou tecnicamente a existência, extensão, cubagem e natureza de suposto aterro com material asfáltico, a que aludiu a peça exordial.
Com efeito, o mencionado Relatório presume tratar-se de área de floresta, uma vez que constatou a existência, no entorno imediato do local afetado, da presença de espécies características de Floresta Ombrófila densa de formações primárias e secundárias em solos úmidos ou brejosos.
A doutrina e a jurisprudência pátrias, por sua vez, consagram que o termo floresta designa vegetação cerrada, composta de árvores de grande porte. De fato, neste sentido leciona Fernando Pereira Sodero[2]:
“Toda vegetação, genericamente considerada, é flora. Floresta é espécie, qual seja, ‘a vegetação cerrada, constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terras’”.
Conceito idêntico é dado por Vladmir e Gilberto Passos de Freitas[3], para quem, floresta é a “vegetação cerrada, constituída por árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terras”.
2.2. CONCEITO DE FLORESTA PARA CARACTERIZAR O CRIME AMBIENTAL
O STJ, manifestando-se sobre tal conceito, decidiu que:
“O elemento normativo ‘floresta’, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira”. (STJ, Habeas corpus nº. 74.950/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. em 21/6/2007).
O TJ/MG, em inúmeros julgados, já decidiu que a supressão de vegetação que não se enquadre na definição de floresta não caracteriza o crime em apreço, não podendo ser utilizada a analogia para ampliar o alcance do art. 38 da Lei Federal 9.605/1998, sob pena de violação do princípio da legalidade, senão vejamos:
“APELAÇÃO DE CRIME AMBIENTAL – ART. 38 DA LEI 9.605/1998 – ELEMENTAR FLORESTA NÃO CONFIGURADA – CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.
O crime do artigo 38 da Lei 9.605/1998 exige que a área desmatada seja de floresta de preservação permanente, mesmo que em formação. Se o acusado promoveu a aração em área considerada de preservação permanente, causando a supressão de vegetação rasteira, o crime não se caracteriza, pois, como cediço, não há como adotar no Direito Penal uma extensão analógica do termo floresta para abarcar outras formas de vegetação, sob pena de violação ao princípio da legalidade”. (Apelação Criminal nº 1.0701.10.035380-7/001 – Rel.: Des. Flávio Leite – Data Julg.: 12/03/2013 – Data Publ.: 21/03/2013).
“CRIME AMBIENTAL – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – DELITO NÃO CARACTERIZAÇÃO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Não há como se imputar ao réu a prática do delito previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, uma vez que o referido tipo penal destaca que a destruição ou danificação deve ocorrer em ‘floresta’ considerada de preservação permanente, não abrangendo a supressão de vegetação rasteira.
O laudo pericial realizado nove meses depois da notícia de supressão de vegetação não pode ser tido como prova robusta da materialidade do crime, já que a vegetação pode ter sido alterada nesse período por ato de terceiros ou por causas naturais.
Recurso não provido”. (Apelação Criminal nº 1.0596.08.051150-1/001– Rel.: Des. Antônio Armando dos Anjos – Data Julg.: 10/05/2011 – Data Publ.: 09/06/2011).
2.3. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL
O referido laudo, no entanto, conforme já descrito anteriormente, apenas aponta a existência de exemplares de algumas espécies características, no entorno imediato do local (às margens do rio), sem definir o porte das mesmas e a extensão da área ocupada por elas, características essenciais para a definição do conceito de floresta.
Aliás, a questão relativa ao conflito entre o desenvolvimento urbano e as restrições ambientais vem ganhando maior repercussão nos dias atuais. Merecem destaque as áreas de preservação permanente (APPs), previstas no art. 4º da Lei Federal 12.651/2012, dentre elas as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene ou intermitente, que, muitas vezes, por estarem inseridas em imóveis urbanos, têm seu aproveitamento restringido.
Entretanto, para que uma área seja considerada de preservação permanente, não basta apenas estar localizada dentro dos limites estabelecidos pelo art. 4º do Código Florestal. Ela deve cumprir sua função ecológica, sua função ambiental no espaço, ou seja, deve preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Em áreas urbanas, no entanto, está cada vez mais difícil encontrar APPs que tenham essa função preservada. Em razão da intensa urbanização e consolidação das áreas, muitas dessas áreas estão descaracterizadas, não sendo necessário mais observar os limites previstos em lei, o que tem sido reconhecido em diversas decisões.
Segundo o TJSP, a perda da função ambiental da APP impede a aplicação das limitações impostas pelo Código Florestal, uma vez que os recursos que seriam protegidos pela APP, eventualmente, deixam de existir nas zonas urbanas consolidadas ou perdem a sua finalidade.
Todas essas situações não foram sequer mencionadas pelo Relatório de Fiscalização, que dirá comprovadas. É fato que toda infração penal, para produzir efeitos processuais penais, deve ter a sua existência demonstrada.
2.4. JURISPRUDÊNCIA
A condenação criminal é a resultante de uma soma de certezas. Sem a certeza da materialidade (existência do delito) e a certeza da autoria do imputado, se faz certa a absolvição. Este é o posicionamento dos tribunais pátrios:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. […] MÉRITO. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO, PELO DELITO DO ARTIGO 39. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA. ” (Apelação Crime Nº 70057073298, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 23/01/2014)
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. […] CRIME AMBIENTAL. LEIS 8.176/91 E 9.605/98. MATERIALIDADE DOS DELITOS. AUSÊNCIA DE PROVAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.
Apelação contra sentença que absolveu os denunciados da prática dos delitos tipificados no art. 55 da Lei 9.605/98 (extração de recursos minerais sem a competente autorização) e no art. 2º da Lei 8.176/91 (usurpação de recursos minerais pertencentes à União). Existência de dúvida mais que razoável quanto à própria materialidade dos delitos, isto é, se houve, ou não, exploração do minério fora do período de autorização dada pelo órgão competente para tal aplicação.
Aplicação do princípio in dubio pro reo. Não bastam à condenação criminal dilações ou presunções, ainda que legítimas, pois se requer para tanto a presença de comprovação induvidosa dos fatos, da sua autoria e culpabilidade.
O ato judicial de condenação criminal demanda muita ponderação, porque é necessário o rígido convencimento do julgador acerca da materialidade e autoria do evento criminoso, uma vez que condenação criminal produz imediatos efeitos danosos à reputação, honra e imagem das pessoas, além da implicação mais grave de restrição ao status libertatis do condenado. Manutenção da sentença absolutória. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.
(Apelação Crime Nº 200985000012710, Primeira Turma, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Julgado em 02/05/2013. Publicado em 09/05/2013) (grifos nossos)