É possível ajuizar ação para assegurar ao dono do animal silvestre sua posse definitiva, bem como, determinar ao órgão competente que regularize a guarda doméstica do animal.
Considerando o atual regramento da matéria previsto nos arts. 105, 106 e 107 do Decreto 6.514, de 2008, entendemos que existe a possibilidade de se conferir a guarda do animal silvestre, como medida excepcional e subsidiária.
Isso, desde que atendidas as condicionantes previstas nas normas aplicáveis, sendo certo se tratar de medida adotada em caráter provisório, enquanto pendente o trâmite do procedimento administrativo de apuração da infração ambiental.
É que, tendo o processo administrativo correlato atingido seu término regular, com a confirmação da infração e do termo de apreensão, devem os bens apreendidos ter a destinação prevista no art. 134 do Decreto 6.514, de 2008:
Art. 134. Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma: […].
VII – os animais da fauna silvestre serão libertados em seu hábitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
Desta forma, não há, após a homologação do auto de infração, com a consequente confirmação da infração administrativa, dispositivo legal que ampare pleito do autuado de permanecer definitivamente com a guarda do animal.
Índice
O que acontece com o animal silvestre após o fim do processo
Com efeito, determina o art. 134 que, após a decisão final no auto de infração, os animais silvestres apreendidos devem ser soltos, ou entregues às entidades descritas no inciso VII, não havendo ali previsão de manutenção do animal com o próprio autuado, a qualquer título.
Aliás, parece acertada a opção normativa em análise, dado que, se assim não o fosse, viabilizar-se-ia a situação de, já confirmada a infração, anuir o órgão ambiental com a continuidade delitiva, configurada em face da permanência do animal silvestre em guarda doméstica, excetuados os casos em que a guarda doméstica perdura por anos e o animal está domesticado.
É que não pode o legislador estimular a prática de um indesejado costume arraigado na tradição brasileira de manutenção de animais silvestres em domicílio, o que prejudica consideravelmente as suas possibilidades de procriação, em razão da retirada dos espécimes do convívio natural, ocasionando um desequilíbrio ao meio ambiente.
Outrossim, não tendo a norma trazido a possibilidade de, após decisão final em processo administrativo, permanecer o animal na guarda do autuado, não cabe ao intérprete estender sua aplicabilidade para alcançar situações não abarcadas pelo legislador, sob pena de, a despeito de interpretar a regra, promover verdadeira inovação legislativa.
E não se diga que o art. 134 foi omisso, esquecendo-se de contemplar a possibilidade de guarda do animal com o autuado após o trâmite processual, uma vez que, quando assim quis a norma, foi ela bastante explícita, trazendo claramente tal hipótese no art. 107.
Possibilidade de guarda doméstica como fiel depositário
Com efeito, há possibilidade de concessão de guarda doméstica de animal silvestre para o autuado, ainda que de forma provisória, ou seja, enquanto não julgado o respectivo auto de infração e o seu termo de apreensão, tal como previsto no art. 107, alhures transcrito.
Há, portanto, que se analisar a regulamentação vigente sobre o assunto, que traça os requisitos, os limites e o caráter subsidiário da concessão de guarda provisória, impondo-se, desde logo, destacar que não se trata de um direito subjetivo do autuado, mas uma possibilidade a ser avaliada, caso a caso, pelo órgão ambiental competente, sempre se atentando para as exigências normativas aplicáveis.
Em 26 de junho de 2013, foi publicada a Resolução 457, de 25 de junho de 2013, que, expressamente, revogou a Resolução Conama 384, de 2006, e dispôs sobre o depósito e a guarda provisórios de animais silvestres apreendidos ou resgatados pelos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, como também oriundos de entrega espontânea, quando houver justificada impossibilidade de se implementar uma das destinações previstas no §1º do art. 25 da Lei 9.605, de 1998.
Termo de depósito de animal silvestre
O mencionado ato normativo criou a figura do Termo de Depósito de Animal Silvestre – TDAS e do Termo de Guarda de Animal Silvestre – TGAS.
O primeiro se refere a documento de caráter provisório pelo qual o autuado assume voluntariamente o dever de prestar a devida manutenção e manejo do animal apreendido, objeto da infração, enquanto não houver a destinação nos termos da lei.
Já o segundo é termo, também de caráter provisório, pelo qual o interessado, que não detinha o espécime, devidamente cadastrado no órgão ambiental competente, assume voluntariamente o dever de guarda do animal resgatado, entregue espontaneamente ou apreendido, enquanto não houver destinação nos termos da lei.
Da definição do TGAS, pode-se depreender que o Conama não autoriza a concessão da guarda àquele que realiza entrega espontânea do animal silvestre, visto que só se pode deferi-la, por meio de TGAS, a quem não detinha a espécie.
Ainda sobre a Resolução Conama 457, de 2013, a definição adotada para a terminologia Termo de Guarda de Animal Silvestre – TGAS, estabelecida no inciso VII, do art. 2º, conforme segue:
VII – Termo de Guarda de Animal Silvestre – TGAS: termo de caráter provisório pelo qual o interessado, que não detinha o espécime, devidamente cadastrado no órgão ambiental competente, assume voluntariamente o dever de guarda do animal resgatado, entregue espontaneamente ou apreendido, enquanto não houver destinação nos termos da lei;
Entende-se, portanto, que não cabe a concessão do TGAS àquele que realiza entrega espontânea de animal.
Adicionalmente, infere-se que tal dispositivo teve por objetivo desestimular a retirada de indivíduos da natureza e a simulação de uma entrega espontânea, cujo objetivo oculto seria a obtenção do TGAS.
Identificação dos animais silvestres objeto de TDAS e de TGAS
Em relação à identificação dos animais objeto de TDAS e de TGAS, o Ibama, por meio da Instrução Normativa 20, de 23 de dezembro de 2013, cumpriu exigência regulamentar prevista na Resolução Conama 457, de 2013, por meio da qual resolveu:
Art. 1º. Especificar tecnicamente, dentro do sistema de marcação individual de animais, a identificação individual de espécimes da fauna silvestre, objeto de Termo de Depósito de Animal Silvestre – TDAS e de Termo de Guarda de Animal Silvestre – TGAS.
Estabelece a norma que os referidos Termos só serão concedidos em relação às espécies silvestres autorizadas para criação e comercialização como animal de estimação:
Art. 4º Serão objeto de concessão do TDAS e TGAS apenas os espécimes de espécies integrantes da lista das espécies silvestres autorizadas para criação e comercialização como animal de estimação em conformidade com a Resolução CONAMA nº 394, de 6 de novembro de 2007.
Parágrafo único. A eficácia da hipótese prevista no caput fica suspensa até que seja publicada a lista a que se refere à Resolução CONAMA nº 394, de 2007.
Cabe destacar ainda que a concessão do TDAS e do TGAS pelo órgão ambiental é condicionada à impossibilidade da realização das destinações previstas no art. 25, parágrafo primeiro da Lei 9.605/1998, e regulamentadas no art. 107 do Decreto 6.514, de 2008.
Ou seja, a guarda doméstica provisória do animal silvestre apreendido, por meio da concessão de TDAS/TGAS, só deve se configurar nos casos em que não for viável a liberação do animal em seu habitat ou a sua entrega a jardins zoológicos, fundações, entidades de caráter cientifico, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas.
Possibilidade de guarda provisória de animal silvestre
A possibilidade de guarda provisória do animal silvestre apreendido fica evidente do próprio texto da Resolução Conama 457, de 2013, que estabelece:
Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o depósito e a guarda provisórios de animais silvestres apreendidos ou resgatados pelos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como também oriundos de entrega espontânea, quando houver justificada impossibilidade das destinações previstas no §1º do art. 25, da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, observado o disposto nos arts. 102, 105 e inciso I do art. 107 do Decreto Federal 6.514, de 22 de junho de 2008.
Assim, do que se extrai, é que a Resolução Conama 457, de 2013 não regulariza a posse de animais silvestres por particulares que os têm como animais de estimação.
O depósito autorizado pelo Decreto 6.514, de 2008, e disciplinado na Resolução em comento, refere-se à medida excepcional, temporária (por ser provisória) e sujeita ao cumprimento de rigorosos requisitos.
Pressupõe, pois, entre outros critérios, a impossibilidade de destinação imediata do animal nos termos do art. 25 da Lei 9.605, de 1988, e do art. 107 do Decreto 6.514, de 2008.
Conclusão
Do que vimos, é possível a concessão da guarda provisória do animal, ao interessado, enquanto tramitar o processo administrativo respectivo, nos termos do Decreto 6.514, de 2008, e da Resolução Conama 457, de 2013.
Todavia, tal concessão está condicionada aos requisitos previstos na normativa aplicável, dentre os quais se destaca a impossibilidade da destinação imediata do animal, nos termos da norma constante do art. 25 da Lei 9.605, de 1988.
Registre-se, ainda, que a guarda de animal silvestre, admitida pela legislação aplicável, terá necessariamente caráter provisório, mesmo quando voltada ao atendimento de questões humanitárias.
Por fim, vale destacar que, ainda que comprovado que a permanência do animal no convívio familiar tornou-se imprescindível para garantir melhora ou estabilidade na saúde e na qualidade de vida de pessoas com dificuldades especiais, não tem se admitido, em âmbito administrativo, concedê-la de forma definitiva, ante a ausência de amparo técnico e legal para tanto.
Por outro lado, o objetivo da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo a intenção do legislador guiar a interpretação do julgador nos casos em que se discute questão ambiental.
Assim, devem ser consideradas, no caso da guarda doméstica do animal, o longo tempo de convivência com seus donos, animal domesticado e bons tratos, interpretação esta decorrente da norma ambiental que atende o princípio da razoabilidade, de modo q manter a guarda do animal com os seus donos, o que geralmente é possível mediante ação judicial.
Em resumo, ainda que o órgão ambiental não entenda pela concessão de guarda doméstica definitiva ao dono do animal silvestre, cabível o ajuizamento de ação própria para assegurar ao dono do animal a sua posse, bem como, determinar ao órgão competente que proceda às providências necessárias para regularização da guarda doméstica do animal.
2 Comentários. Deixe novo
O que acontece se o animal vier a óbito na posse do depositário fiel do animal? O depositário responde?
A responsabilidade do fiel depositário de aninal vai depender das causas do óbito. Se a causa do óbito foi maus-tratos, haverá responsabilização administrativa e criminal.