Inicialmente, conceitua-se atividade de subsistência familiar em área rural aquela que tem objetivo precípuo a produção de meios ou alimentos para garantir a sobrevivência do trabalhador rural, de sua família e da comunidade em que está inserido, a qual, por assim ser, não pode ser embargada.
Como veremos, a atividade de subsistência é aquela atividade desenvolvida em área rural, e que garante o sustento da família que ali trabalha. Neste ponto, é importante destacar que o legislador foi benevolente com este grupo.
Pois bem. A atividade de subsistência é um assunto muito falado pelos profissionais do direito ambiental, mas pouco discorrido por doutrinadores e outras autoridades a área. Talvez pelo fato de que não estejam tão acostumados com a aplicabilidade prática desses institutos legais.
Entretanto, no cotidiano do advogado ambientalista, é vital o conhecimento acerca das peculiaridades que envolvem a atividade familiar (subsistência), notadamente quando falamos de infrações ambientais em propriedades rurais, que podem culminar na aplicação de multa simples e embargo ambiental por parte dos órgãos de fiscalização.
O assunto de hoje, portanto, versa sobre (im)possibilidade de embargar as atividades rurais de subsistência familiar, destrinchando os dispositivos legais e normativas sobre o tema.
Índice
O Código Florestal e a atividade de subsistência familiar – normativas
Um ponto de avanço no Código Florestal de 2012, notadamente no que se refere à técnica legislativa, foi o seu artigo 3º, que traz definições de diversos termos utilizados na lei, facilitando a compreensão do hermeneuta na leitura da legislação.
Dentre eles, ao que hoje interessa à presente matéria, é a pequena propriedade ou posse rural familiar, descrita no artigo 3º, inciso V, do Código Florestal, que a conceitua como “aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006”.
Por sua vez, a Lei 11.329/2006 (Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais), mencionada no art. 3, inciso V, do Código Florestal, dispõe:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Também regulamentando o empreendimento familiar rural, Decreto Federal 9.064/2017, que trata das questões de Reforma Agrária, estabelece alguns requisitos para sua configuração:
Art. 3º A UFPA e o empreendimento familiar rural deverão atender aos seguintes requisitos:
I – possuir, a qualquer título, área de até quatro módulos fiscais;
II – utilizar, predominantemente, mão de obra familiar nas atividades econômicas do estabelecimento ou do empreendimento;
III – auferir, no mínimo, metade da renda familiar de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; e
IV – ser a gestão do estabelecimento ou do empreendimento estritamente familiar.
Assim, conforme a legislação de regência, é considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que:
- pratique atividades no meio rural: criação de animais para venda ou sustento próprio, hortifrutis, psicultura etc.;
- possua área de até quatro módulos fiscais – lembrando que cada local tem seu módulo fiscal definido em regramento próprio. No MT varia entre 70 a 100 hectares o módulo fiscal rural;
- utilize mão de obra predominantemente familiar própria família;
- pelo menos metade da renda familiar seja oriunda do próprio estabelecimento – de modo que não se proíbe o exercício de uma atividade urbana, por exemplo, desde que não supere a renda obtida no meio rural;
- gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento seja feito pelos integrantes da família.
Vejam, portanto, que não é requisito obrigatório residir na área rural.
Atividade de subsistência e infração ambiental
Um ponto que merece bastante atenção quando se versa sobre infrações ambientais e atividade de subsistência familiar, tanto no Código Florestal, quanto no Decreto 6.514/2008, são as disposições referente à imposição de embargo ambiental. Vejamos:
Código Florestal – Art. 51. O órgão ambiental competente, ao tomar conhecimento do desmatamento em desacordo com o disposto nesta Lei, deverá embargar a obra ou atividade que deu causa ao uso alternativo do solo, como medida administrativa voltada a impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada.
§ 1º O embargo restringe-se aos locais onde efetivamente ocorreu o desmatamento ilegal, não alcançando as atividades de subsistência ou as demais atividades realizadas no imóvel não relacionadas com a infração.
Decreto 6.514/2008 – Art. 16. No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência.
Vê-se, portanto, que a política ambiental brasileira visou à manutenção do sustento familiar em uma espécie “detrimento” do meio ambiente. Não se pode ver isso pelo aspecto negativo, porquanto são incontáveis as famílias que, para criar “boizinhos” ou produzir outros cultivos, necessita “desmatar” para realizar a atividade, de modo a suprir as próprias necessidades vitais.
Sabe-se que quando se fala em áreas do INCRA existem as reservas legais coletivas das glebas. Entretanto, sabemos que nem todas as pequenas propriedades rurais são regularizadas ou concedidas pelo INCRA, de modo que os trabalhadores rurais apenas possuem a posse da área, mas sem nenhum documento que lhe conceda a legítima posse ou domínio.
Nesses casos, ainda assim é possível ter o Cadastro Ambiental Rural e, havendo o desmate, o órgão de fiscalização terá condições de saber “quem” foi o responsável, por meio do CAR, que está atrelado à área rural.
Assim, constatado o desmate na pequena propriedade rural e ficando comprovado que naquela área desmatada executa-se atividade de subsistência, não é possível ao órgão ambiental impor a medida cautelar de embargo, uma vez que prejudicaria a produção que viabiliza a subsistência daquela família.
O problema é que o órgão de fiscalização ambiental não pensa desta forma, embargando a referida área e a atividade de subsistência ali exercida. Ora, se o desmate se deu para o cultivo de mandioca, abacaxi, melancia, criação de boi, vaca leiteira, hortaliças, galinha, porco, arroz, sendo que a venda ou troca desta produção é o que garante o sustendo daquela família rural, não se pode impor o embargo.
O que fazer, então?
A pequena propriedade rural com atividade de subsistência foi embargada, o que fazer?
O primeiro passo é procurar um advogado especialista na área ambiental. Isso porque ele terá condições de verificar, no caso concreto, as estratégias que deverão ser utilizadas para suspender o embargo ambiental da propriedade rural que é utilizada para atividade de subsistência ou agricultura familiar.
Uma das coisas mais importantes é que os produtores rurais tenham notas fiscais de venda de sua produção, bem como notas de aquisição de insumos e outros utensílios utilizados nas atividades rurais.
Também são excelentes fontes de prova a filiação em sindicato de pequenos produtores rurais, declaração de prefeitura sobre a pequena propriedade rural, obtenção de empréstimo no PRONAF (Programa Nacinoal de Fortalecimento da Agricultura Familiar), cadastro junto ao INCRA da propriedade e tudo aquilo que demonstre que na área é exercido atividade de subsistência e agricultura familiar.
Faz excelente papel, também, a prova testemunhal. É ali que o Estado-Juiz, poderá, visualmente, reconhecer o trabalhador campesino e entender o quão importante é aquela atividade para o seu sustento e, até mesmo, para colaborar no sustento de outras famílias com a venda da pequena produção.
Isto posto, com as fontes de prova adequadas, acrescido de um excelente trabalho técnico, é possível suspender o embargo ambiental lançado sobre a propriedade rural utilizada para agricultura familiar ou atividade de subsistência, com fulcro nos artigos acima mencionados, cabendo aos proprietários da área demonstrar o preenchimento dos requisitos legais.
Conclusão: não é possível embargar as atividades rurais de subsistência
O legislador primou pela política da prioridade à vida e ao sustento daqueles que realizam atividades campesinas, e portanto, não é possível ao órgão ambiental aplicar a medida de embargo ambiental nas áreas que são utilizadas para o exercício da atividade de subsistência, sendo necessário, entretanto, comprovar o exercício dessa atividade.
Obtidas fontes de provas corretas, é possível suspender e anular o embargo ambiental lançado sobre a propriedade rural utilizada para atividade de subsistência e agricultura familiar.
Portanto, conclui-se pela impossibilidade de aplicar termo de embargo quando a atividade é de subsistência.
6 Comentários. Deixe novo
Olá! Moro numa área que foi desmatada depois de 2008, mas foi outra pessoa que desmatou. Essa área é de 60 hectares e metade dela já está embargada nessa área. Trabalho com leite e tenho uma granja de galinha, vendo ovos e frango com minha esposa e filhos. Só que eu só tenho a posse da área, tem como fazer alguma coisa para desembargar a área?
Tem sim Deliomar. Claro que temos que analisar melhor o caso, mas a princípio me parece que a sua atividade se enquadra como de subsistência, autorizando o levantamento do embargo ambiental.
Tenho uma área de 5 hectares foi desmatada recente, porém, quem desmatou foi o proprietário anterior. Quem nesse caso receberá a multa ambiental?
A multa ambiental é exclusiva do infrator, ou seja, quem desmatou. Entretanto, o proprietário atual da área, embora não possa sofrer as sanções penais e administrativas pela infração ambiental cometida pelo anterior proprietário terá o dever de reparar o dano ambiental na esfera cível.
Boa noite.
Dr , é cabível a tese também para área de reserva legal desmatada para fins de atividade de subsistência ( em pequena propriedade) ?
Olá Juliani, questão difícil, mas não impossível. Para responder a sua pergunta, seria necessário analisar algumas questões para verificar a possibilidade de realizar atividade rural de subsistência em reserva legal.