É cediço que toda atividade desempenhada pela Administração Pública deve observar a legislação e os princípios constitucionais e infraconstitucionais orientadores da atuação estatal, principalmente quando se tratar de emissão de auto de infração ambiental.
Isso porque, quando da lavratura de auto de infração ambiental deve ser asseguradas todas as formalidades previstas, a exemplo, identificação do autuado, descrição clara e objetiva das infrações administrativas, indicação dos dispositivos legais e regulamentares infringidos.
Logo, não é conferido ao agente de fiscalização, no exercício do poder de polícia, agir de forma arbitrária, exorbitando o poder que lhe foi conferido pelo ordenamento jurídico.
E isso, porque o ato administrativo se sujeita aos princípios constitucionais básicos da Administração Pública, como o da legalidade, amparado expressamente no art. 37, caput, da Constituição Federal. Confira-se:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte […].
A violação do princípio constitucional da legalidade torna nulo o ato administrativo. A propósito, cumpre trazer à baila a obra de Celso Antônio Bandeira de Mello[1], in verbis:
“O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro. O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.”
Embora certo que o auto de infração lavrado por agente de fiscalização ambiental goza de presunção de legitimidade e veracidade, salvo prova em sentido contrário, a qual cabe ao autuado produzir, havendo vício formal estará caracterizada sua nulidade.
Índice
Inexistência de subsídio quanto à origem da infração ambiental
Um exemplo de vício formal é quando o auto de infração ambiental não estiver vinculado a algum relatório de fiscalização conforme estabelecido pela Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO 1, de 12 de abril de 2021, a qual regulamenta o processo administrativo federal para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente:
XXI – Relatório de fiscalização: documento administrativo que formaliza a propositura de processo administrativo ambiental sancionatório, de caráter preparatório ou concomitante ao auto de infração, contra o autuado pela prática de infração ambiental, por meio do qual o agente ambiental federal relata as evidências de autoria, de materialidade e o nexo causal entre a conduta descrita e o fato típico administrativo imputado ao infrator que incorreu na violação à legislação ambiental, fundamentando a imposição das sanções legalmente previstas, indicando as eventuais circunstâncias, o elemento subjetivo verificado na conduta, atenuantes ou agravantes, devendo, ainda, constar todos os elementos probatórios colhidos e a individualização de objetos, instrumentos e petrechos relacionados à constatada prática da infração ambiental;
Art. 13. Realizar-se-á a fiscalização ambiental federal para prevenir ou imputar responsabilidades ou obrigações administrativas na ocorrência de danos ambientais ou no descumprimento de legislação ambiental, mediante o seguinte rol indicado e conforme a possibilidade de execução dos atos elencados: […]
V – elaboração de relatório de fiscalização;
Art. 14. O relatório de fiscalização, elaborado pelo agente ambiental federal, deverá conter:
I – a descrição das circunstâncias que levaram à constatação da infração ambiental e à identificação da autoria,
II – o nexo de causalidade entre a situação infracional apurada e a conduta do infrator identificado, comissiva ou omissiva;
III – o registro dos meios de prova, evidências materiais, documentais ou testemunhais coletadas, aptos à demonstração das elementares do tipo infracional cometido e à dosimetria da sanção;
IV – os critérios e a dosimetria utilizados para a fixação da multa;
V – a identificação clara e objetiva do dano ambiental;
VI – as circunstâncias agravantes e atenuantes; e
VII – todos e quaisquer outros elementos considerados relevantes para a caracterização da responsabilidade administrativa.
Art. 15. Constatando a ocorrência de infração administrativa ambiental, demonstrada em relatório de fiscalização, nos termos do capítulo anterior, o agente ambiental federal designado para atividades de fiscalização lavrará auto de infração em termo próprio por meio do qual indicará a imposição de sanções e formalizará a aplicação de medidas administrativas cautelares, a seguir especificadas: […]
§1º O auto de infração deverá necessariamente ser lavrado pelo agente ambiental federal que elaborou o relatório de fiscalização.
Do cenário normativo verifica-se que realizada a fiscalização será lavrado o relatório de fiscalização e, após, auto de infração, devendo constar o fato constitutivo da infração.
Assim, é possível concluir que se o auto de infração ambiental não estiver vinculado a qualquer relatório de fiscalização, não havendo, portanto, elementos quanto à sua origem, sua nulidade é de rigor.
Conclusão
É nulo o Auto de Infração que não indica de forma clara e precisa o fato constitutivo da infração ambiental, por dificultar o exercício da ampla defesa e do contraditório do âmbito do processo administrativo, além de constituir violação aos mencionados dispositivos.
Sabe-se que uma norma regulamentadora não possui comandos inválidos ou desnecessários, devendo o Poder Público, através de seus agentes de fiscalização, respeitar as determinações legais.
Nesse passo, o auto de infração ambiental padecerá de irregularidade formal se lavrado em descompasso com o que determina a legislação regulamentadora que determina seja ele precedido de relatório de fiscalização.
Portanto, a falta de subsídio quanto à origem impede a exata compreensão da autuação e dificulta a defesa, retirando a necessária presunção de legitimidade e veracidade, sendo forçoso reconhecer a nulidade formal do auto de infração ambiental que não estiver amparado em relatório de fiscalização.
[1] Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. 26 ed. fls. 101 e 105.