A conduta de apresentar informações falsas em sistema oficial de controle de madeira, seja o Documento de Origem Florestal – DOF, seja o SISFLORA, configura infração ambiental, passível de aplicação de multa ambiental e outras sanções.
Na maioria dos casos, os órgãos ambientais lavram o auto de infração ambiental com base no art. 82 do Decreto 6.514/08, o que pode resultar na nulidade do auto, conforme vamos explicar.
Necessário entender, antes disso, que o art. 82 do Decreto 6.514/08 dispõe que configura infração inserir informações falsas no sistema DOF/SISFLORA, ou seja, pune a conduta de quem acessa tais sistemas e pratica a infração dolosamente, com intenção efetiva de neles apresentar informações diferentes de madeiras, veja-se:
Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:
Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Índice
Princípios do Direito Penal aplicáveis ao Direito Administrativo Sancionador
O Direto Administrativo Repressivo ou Sancionador submete-se aos princípios do Direito Penal e à teoria do crime adotada pelo Código Penal (Teoria Finalista), que transferiu à conduta o dolo, consubstanciado na consciência e vontade do agente dirigida a obtenção de uma finalidade, qual seja, o resultado pretendido.
Daí decorrente a impossibilidade de reputar que a tipificação de infrações administrativas pode se restringir à descrição de eventos puramente materiais, não sendo suficiente, portanto, a mera relação de causalidade para a caracterização do ilícito administrativo.
Essa teleologia, contudo, gira em torno do poder punitivo estatal como expressão máxima do Estado atuando na prevenção e repressão a condutas delituosas (ilícitos jurídicos), com aplicabilidade tanto em relação à Lei Penal (condutas criminosas).
E também, em relação às ações públicas por atos de improbidade administrativa dada sua similitude com as ações penais[1], e, ainda, no âmbito de denominado Direito Administrativo Sancionador.
Nesse sentido, o direito de punir do Estado (jus puniendi) é uno, e daí decorre a inexistência de diferença ontológica entre os ilícitos penais (Direito Penal) e administrativos (Direito Administrativo Sancionador) por serem ambos ilícitos jurídicos, em razão da matriz constitucional comum.
A aplicação de princípios como o da legalidade, tipicidade, non bis in idem, irretroatividade (anterioridade), retroatividade da lei penal mais benéfica, etc, não são exclusivos do Direito Penal, caso em que decorrem do princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, aplicáveis indistintamente a todo o ordenamento jurídico.
Nesse contexto, diversas são as condutas que, a partir da lavratura de autos de infração ambiental e instauração do competente processo administrativo ambiental, podem ser analisadas à luz dos princípios do Direito Penal, inclusive, a do art. 82 do Decreto 6.514/08.
Artigo 82 do Decreto 6.514/08 depende de dolo
O elemento objetivo descritivo previsto no art. 82 do Decreto 6.514/08, consiste na elaboração ou apresentação de informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falsos em sistemas oficiais de controle ou no bojo de procedimento de regularização da atividade ambiental.
A elaboração consiste na confecção total ou parcial de documento inexistente. A apresentação de informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, pressupõe a existência de documentos escritos e emanados de agente determinado, contendo declaração de vontade ou exposição de fatos juridicamente relevantes.
Entretanto, quando a suposta infração ambiental decorre do cruzamento de dados do sistema estadual de controle (SISFLORA) ou sistema federal (DOF), ou ainda, nos casos que a fraude apontada pela fiscalização consiste na inserção de informações falsas no SISFLORA/DOF relativamente ao transporte ou recebimento de produtos florestais, há de se atentar para alguns detalhes.
Em muitos casos que o Escritório Farenzena & Franco Advocacia Ambiental é contratado para atuar, tem-se verificado que tanto o vendedor, como o comprador do produto florestal, é autuado por apresentar informações falsas em sistemas oficiais de controle.
O argumento, quase sempre, é que a autuação contra o comprador se justificaria pelo fato de que este acusou o recebimento da matéria prima no sistema, mesmo sabendo que ela não veio transportada na quantidade ou essência informada na guia e, com isso, o comprador não deveria ter recebido a carga.
Entretanto, em casos assim, sobreleva notar que o responsável pela emissão da Guia Florestal – GF e consequente apresentação de informações reputadas falsas pela fiscalização no SISFLORA é sempre o vendedor (remetente), enquanto o comprador participa apenas como destinatário do produto florestal.
Sem tangenciar a questão de fundo, fato é que um auto de infração ambiental lavrado contra o comprador por inserir informação falsa no sistema SISFLORA é equivocado, passível de anulação, pelo simples motivo de que a inserção de dados no SISFLORA, para o transporte de produto florestal, é realizado por outra pessoa, o vendedor/remetente.
Em outras palavras, a conduta do art. 82 do Decreto 6.514/08 somente pode ser imputada ao comprador da madeira nativa se o órgão autuante comprovar o dolo do destinatário comprador do produto florestal.
Conclusão
É cediço na doutrina que o ato administrativo é analisado sob o prisma dos cinco elementos que o compõe e justificam sua existência e validade, quais sejam a competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
Se ausente a justificação baseada em provas que legitimaria o agir estatal, ou seja, a motivação do ato administrativo sancionador, haverá sua nulidade, pois todos os elementos do ato administrativo devem estar presentes, concomitantemente.
No caso de auto de infração ambiental lavrado contra o comprador com base no art. 82 do Decreto 6.514/08, dificilmente haverá provas de ele, enquanto destinatário, tenha de fato inserido no SISFLORA informações acerca das madeiras transportadas por meio das Guias Florestais – GFs, ou mesmo que tenha efetivamente recebido o produto florestal.
Com efeito, é do órgão ambiental enquanto agente de fiscalização o dever de provas os fatos narrados no auto de infração ambiental, e se ele não se desincumbir de provar que além das informações que alimentaram o SISFLORA pelo remetente, o destinatário (comprador) reproduziu tais informações no sistema, não podendo a autuação ser levada a efeito com base em presunções ou unicamente com base em informações oriundas do cruzamento de dados entre sistemas, ou seja, será nula.
Outro ponto a ser enfrentado em casos assim, diz respeito a autuação acerca da volumetria da madeira constante no auto de infração ambiental, porque na maioria dos casos, são declaradas quantidades menores das efetivamente transportadas.
Ao cabo e ao fim, a questão pode ser postada à apreciação judicial, sobretudo se o órgão ambiental não comprovou no processo administrativo ambiental a origem ilícita da carga, não demonstrou o elemento subjetivo da conduta imputada ao comprador enquanto destinatário da madeira, e não demonstrou a subsunção do fato à norma de modo a provar a tipicidade da conduta prevista no art. 82 da Lei 9.605/08.
Nestes casos, o auto de infração ambiental deve ser anulado, porque a aplicação da regra do ônus objetivo da prova é medida que se impõe, não podendo o suposto infrator responder à infrações ambientais por meras presunções ou cruzamento de dados pelo órgão ambiental.
[1] AgInt no AREsp 1148753/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 01/12/2020, DJe 09/12/2020