A demolição de uma única casa isolada não surtirá nenhum efeito ao meio ambiente quando a área é consolidada e o entorno do local em que se pretende recuperar está todo edificado.
Sem delongas, a existência de inúmeras intervenções antrópicas em uma área em que se pretende a demolição de uma casa, impede que se exija de um único morador a reparação do dano ambiental mediante a recuperação da área degradada, por questão de isonomia.
Isso porque, quando se tratar de área de ocupação histórica, há muito urbanizada, é certo que a retirada de uma edificação isolada não surtirá efeitos significativos ao meio ambiente, sobretudo quando as adjacências do local se encontrarem edificadas.
É que a efetiva recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas na área, de modo que a demolição exclusiva de uma única edificação não constituiria medida útil para referido fim, sendo desproporcional.
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Demolição é desproporcional em área consolidada
Essa ideia é muito bem traduzida nas valiosas observações do Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon[1] constantes do voto que proferiu no julgamento da Apelação Cível 2003.72.00.004185-0:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de que ‘o mal já está feito.’
Porém, ainda que não se perca de vista a realçada importância do meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de preservação permanente.
Assim penso, guiado pela ideia de que benefício algum surtirá em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga, pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho. […]
A intervenção recuperadora do meio ambiente alegadamente agredido, por outro lado, não pode se dirigir a um único ocupante da área.
Todos que estão em idênticas condições, e são muitos, alguns, inclusive, sócios da associação autora, deveriam ser concitados a promover a demolição de seus imóveis e a reconstituição da área ambiental degradada.
Modo diverso, não haveria a concretização da justiça, mas verdadeiro abuso de direito, porquanto ter-se-ia, travestida de exercício da cidadania, perseguição particular e direcionada.
Este desvio não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário, quanto mais verificando-se, como já disse acima, ser crível que muitos dos associados da entidade autora estão em idêntica situação à da construtora-ré.
Leia o acórdão que nega o pedido de demolição em área consolidada
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO MULTIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO.
1. É regra a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00m de frente a leste e 60,00m nas laterais).
2. Várias circunstâncias inibem seja determinada a demolição da edificação como medida reparatória do meio ambiente, mesmo considerando haver sido ela construída em área de preservação permanente (300 metros a partir da linha preamar média), a saber:
a) está ela situada em loteamento de há muito urbanizado e ocupado;
b) o histórico de ocupação da área revela que a implantação do loteamento ocorreu no ano de 1991, atendendo, presumivelmente, as regras urbanísticas e ambientais vigentes à época, dentre as quais, importante que se registre, não se inscrevia a Resolução 303 do CONAMA, que empresta sustentação jurídica à tese da associação autora, e que foi editada somente em 13/05/2002;
c) o pleito desatende o princípio da proporcionalidade, porquanto grandes seriam os prejuízos financeiros para a construtora, sem qualquer garantia da possibilidade de recuperação efetiva da área, mediante a reconstituição da cobertura vegetal primitiva – restingas, e, ainda que assim não fosse, não há um dimensionamento do impacto ambiental em face da ausência da flora originária naquela porção de terra em que edificado o empreendimento;
d) não há evidências de ameaça ao equilíbrio ecológico, fim último das regras de direito ambiental, pois é pouca e imprecisa a repercussão ambiental da supressão de cobertura vegetal realizada pela recorrida; e, ainda,
e) há notícia nos autos de que, em frente ao empreendimento, remanesce importante e significativa área de preservação devidamente delimitada e identificada com placas alertando para a sua condição jurídico-ambiental, o que minimiza qualquer temor de descompensação ambiental na região.
3. O empreendimento foi licenciado pelos órgãos competentes, tendo, inclusive, a FATMA expedido Licença Ambiental Prévia. A procura da aquiescência dos órgãos públicos, até mesmo daquele de controle ambiental estadual, evidencia a boa-fé da empresa construtora e desengana a possibilidade da sua responsabilização.
4. Havendo disposição na sentença que reconhece a nulidade dos autos de infração e de embargo da obra exarados pelo IBAMA, o que, evidentemente, discrepa do pedido inicial formulado no sentido do reconhecimento do dano ambiental, resta configurada a clássica hipótese de decisão extra petita, cuja solução recomenda é a glosa parcial do julgado, o que, vale dizer, pode ser feita mesmo ex officio, sem prejuízo de que tal declaração de nulidade seja posteriormente reivindicada.
Conclusão
Corroboramos do entendimento acima exposto, por ser conclusão lógica que a remoção de um imóvel e a recuperação, pura e simplesmente de uma área isolada, nunca contribuirá de maneira significativa a recomposição do habitat natural local.
Ora, se a área é urbana e consolidada, nenhum efeito surtirá ao meio ambiente a retirada de apenas uma edificação isolada, sobretudo quando o entorno do local em que se pretende recuperar está todo edificado.
Especificamente no caso de construção em área de preservação permanente, também defendemos que a demolição é medida desproporcional, quando for evidente a urbanização da área.
Até porque, tratando-se de construção em APPs, há possibilidade de regularização através da REURB, ou então, ao invés de aplicar a excepcional medida de demolição, deve-se apenas impor ao proprietário ou possuidor medida compensatória.
Portanto, à vista da situação consolidada, a determinação de remoção de uma única residência para o fim de recuperação da área não se revestirá de sucesso prático quando as adjacências do local que se pretende recuperar estiverem consolidadas.
Impor a demolição, nestes casos, mostra-se em descompasso com o princípio da isonomia, podendo, inclusive, ser mais prejudicial ao meio ambiente, já que demolir uma residência irá gerar entulho e maior degradação do meio ambiente do que a manutenção do imóvel.