Tem sido comum em ações anulatórias de auto de infração e multa ambiental que após ser citado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) apresente contestação e proponha reconvenção objetivando a reparação de dano ambiental e pagamento de indenização.
Entretanto, eventual reconvenção não merece ser aceita como pedido contraposto em ação que visa anular auto de infração ambiental, porque tal instrumento atrapalharia totalmente o trâmite processual, visto que neste caso a reconvenção possuiria natureza de ação civil pública, que demanda outro procedimento, conforme já explicamos aqui no site.
Além disso, o IBAMA não possui legitimidade para propor reconvenção em formato de ação civil pública para buscar a reparação do dano ambiental e pagamento de indenização, porque tal competência foge às suas funções institucionais, conforme vamos demonstrar.
Índice
Ilegitimidade do IBAMA para propor reconvenção
Em relação a ilegitimidade do IBAMA para propor reconvenção, vale lembrar que a Constituição Federal no artigo 129 ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, em seu inciso III, in verbis:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Quanto a competência institucional da autarquia, suas funções são definidas na Lei n. 7.735/89 a qual dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências, desse modo o IBAMA é o órgão responsável pela gestão e execução da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme o artigo 2º transcrito abaixo:
Art. 2º É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I – exercer o poder de polícia ambiental;
II – executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente;
III – executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
A Constituição Federal declinou a competência para que seja promovida a defesa ambiental perante o poder judiciário, através das funções institucionais do Ministério Público, não abrangendo as autarquias federais.
O IBAMA através do poder de polícia ambiental, conferido pela Lei citada acima, apenas deve adotar as providencias necessárias perante o Ministério Público, para que este tome as medidas judiciais cabíveis ao caso concreto.
Não obstante a Lei 7.347/85 autorize as autarquias federais a figurarem no polo ativo de tais demandas, tem-se que esta disposição afronta nossa Constituição Federal.
Desse modo, o IBAMA não possui a legitimação e competência legal, pertencente tão somente ao Ministério Público, para ajuizar ações civis públicas em defesa do meio ambiente nos termos da Constituição Federal.
Ausência de legitimação do IBAMA para propor reconvenção
O IBAMA é o órgão responsável pela gestão e execução da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, encontrando-se as suas finalidades previstas no art. 2º da Lei 7.735/89, assim definidas:
Art. 2º É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I – exercer o poder de polícia ambiental;
II – executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e
III – executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
Da leitura dos dispositivos legais em referência, verifica-se que, dentre as funções institucionais do IBAMA, não se encontra arrolada a legitimidade para o ajuizamento de ação judicial, visando o resguardo do meio ambiente, tal qual a reconvenção travestida de ação civil pública.
Com efeito, em que pesem as disposições constantes do art. 5º, inciso IV, da Lei 7.347/85, a Constituição Federal conferiu tal incumbência de propor ação civil pública para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos apenas ao Ministério Público (CF, art. 129, inciso III).
Vê-se, assim, que, em se tratando de proteção ambiental, a legitimidade para a propositura da respectiva reconvenção ou ação civil pública é do Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais.
Assim, diante de uma ocorrência infracional às normas ambientais, o IBAMA, no exercício regular dessas funções, deve adotar as providências necessárias perante o Ministério Público, a quem a Constituição confiou a sua defesa perante o Judiciário, visando a adoção das medidas judiciais cabíveis, para fins de supressão e reparação do dano ambiental.
Não se desconhece que o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem entendimento contrário, contudo, discordamos de tal e reafirmo que o IBAMA não possui legitimidade ativa ad causam para propor reconvenção tampouco ação civil pública, devendo qualquer uma delas ser extinta.
O que diz a jurisprudência sobre legitimidade do IBAMA
Ademais, é necessário ressaltar que essa matéria já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF-1, segundo o qual o IBAMA não tem a legitimação originária para propor ação civil pública, o que se estende, obviamente, à reconvenção que tem a mesma natureza.
Da mesma forma, conforme entendimento do TRF-1, a competência legal para ajuizar ações civis públicas em defesa do meio ambiente foi reservada pela Constituição tão só ao Ministério Público.
Ou seja, a competência institucional e a legitimação ordinária para o ajuizamento, bem como, para a abertura do inquérito civil e o posterior ajuizamento das ações civis públicas em defesa do meio ambiente pertence ao Ministério Público, e não ao IBAMA.
Assim, eventual reconvenção apresentada pelo IBAMA no bojo de ação anulatória de auto de infração ambiental que possui afeição de ação civil pública deverá ser extinta, por ilegitimidade da autarquia federal, conforme TRF-1:
“Em se tratando de ação civil pública, ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em que se busca a proteção do meio ambiente, como no caso, não dispõe a referida autarquia de legitimidade ativa ad causam, ante a não recepção pelo Texto Constitucional em vigor das disposições do art 5º, inciso IV, da Lei nº 7 347/85, no particular” (AC 0002980-88 2011 4 01 3905 / PA, Rel DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, eDJF1 p 247 de 26/03/2014).
Outrossim, com esse mesmo entendimento a quinta turma do TRF-1, decidiu por negar o provimento ao recurso de apelação do IBAMA, in verbis:
EMENTA: AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA JURISDICIONAL DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 129, III). ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
I – Nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, são funções institucionais do Ministério Público, dentre outras, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. II – Em se tratando de ação civil pública, ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em que se busca a proteção do meio ambiente, como no caso, não dispõe a referida autarquia de legitimidade ativa ad causam, ante a não recepção, pelo Texto Constitucional em vigor, das disposições do art. 5º, inciso IV, da Lei nº. 7.347/85, no particular. III – Apelação desprovida. Sentença mantida, por outros fundamentos. ACÓRDÃO: Decide a Turma, à unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação. Quinta Turma do Tribunal Regional Federal – 1ª Região – Em 28/08/2013.
O Juiz Federal Roberto Carlos de Oliveira, compartilha desse entendimento a respeito da reconvenção, conforme abaixo:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. RECONVENÇÃO. PROCEDIMENTO INADEQUADO. DECISÃO DE EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPROVIMENTO. 1. A reconvenção é instituto processual que tem por escopo a economia e a eficiência do processo, cuja utilização submete-se a condições de procedibilidade próprias, não sendo adequada a sua utilização em se tratando de lides que não tenham relação de conexão e que venham retardar a solução da ação originária, nos termos do que dispõe o art. 343 do CPC. (AC 1000566-26.2017.4.01.3603, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 19/07/2021 PAG.) 2. Agravo de instrumento desprovido. (AG 1015339-84.2018.4.01.0000, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 16/11/2021 PAG.)
De fato, compete institucionalmente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a execução da política nacional do meio ambiente, seja na implementação de medidas protetivas (precatórias ou repressivas) e atuar, ainda que supletivamente, no licenciamento de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras.
Contudo, essa competência institucional não confere à referida autarquia legitimidade para a propositura de reconvenção tampouco ação civil pública, para buscar, na esfera judicial, a defesa do meio ambiente.
Conclusão
Conforme visto, nos casos de ação civil pública proposta pelo IBAMA se tem entendido por sua ilegitimidade, embora haja entendimento contrário no Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, como demonstrado, o IBAMA não detém legitimidade para propor ação civil pública, tampouco para propor reconvenção em ação anulatória de auto de infração ambiental.
O IBAMA não pode reconvir, apresentando pretensão em nome de outrem, da sociedade, agindo como substituto processual, pois haveria alteração na sua qualidade jurídica.
Ainda, não ocorre a economia processual ao processar reconvenção com caráter de ação civil pública em ação anulatória, vez que a pretensão reconvencional e o seu rito são totalmente diversos daqueles da ação anulatória.
Assim, ausente o pressuposto processual de constituição válido do processo, o pedido de processamento da reconvenção deve sempre ser indeferido, não cabendo qualquer possibilidade do ajuizamento de ação civil pública em forma de reconvenção.
Portanto, não restam dúvidas de que o IBAMA não possui legitimidade para propor perante o judiciário uma ação de indenização de danos ambientais por meio de reconvenção em uma ação anulatória de auto de infração ambiental.