A Justiça de São Paulo concedeu uma liminar, nesta segunda-feira (18.12), para determinar a imediata restituição de “Tatá”, animal silvestre da espécie Jabuti-Tinga (Chelodoidis denticulata) que convivia com a autora da ação há 25 anos, e embora adaptada em ambiente doméstico foi apreendida pela Polícia Militar Ambiental
A Jabuti “Tatá” é espécime que não consta na Portaria MMA 148/ 202, ou seja, não é ameaçada de extinção, e mesmo assim, após a apreensão, a Polícia Militar Ambiental destinou “Tatá” ao CETRAS SP – Centro de Recuperação de Animais Silvestres.
A apreensão de “Tatá” ocorreu após denúncia anônima, e a própria Polícia Militar Ambiental registrou na descrição do Registro de Ocorrência que “Tatá” vivia “espaço adequado possuindo a sua disposição água e alimentação adequados, com proteção e abrigo contra as intempéries do tempo”.
A Polícia Militar Ambiental também não constatou qualquer indício de maus-tratos ou interesse comercial, mas mesmo assim, lavrou o auto de infração ambiental por possui animal silvestre em cativeiro sem autorização e realizou a apreensão do Jabuti “Tatá” de maneira totalmente desproporcional e irrazoável.
Contudo, a Jabuti “Tatá” vivia solta, em convivência plenamente adaptada à família, amigos e outros animais domésticos encontrados no local, de modo que a retirada a manu militari de animais mesmo que silvestres adaptados há anos em ambiente doméstico é mais gravosa do que a sua manutenção, podendo resultar em risco concreto de morte, já que desenvolveu hábitos domésticos e laços afetivos indissolúveis com a parte autora e sua família.
Após a autora e dona da Jabuti “Tatá” procurar o Escritório Farenzena & Franco Advocacia Ambiental, foi proposta uma ação anulatória de auto de infração com regularização de guarda de animal silvestre cumulada com pedido de tutela provisória de urgência para devolução/restituição de animal apreendido em menos de 5 horas do protocolo da ação foi proferida decisão que concedeu a tutela antecipada e determinou a devolução do animal silvestre.
No caso, além da farta documentação que comprovada a posse longa (mais de 25 anos), também foram apresentadas declarações testemunhais dos vizinhos e amigos comprovando que a Jabuti “Tatá” era bem cuidada, de modo que a apreensão e destinação de qualquer espécime há muito tempo adaptada em ambiente doméstico viola o princípio da razoabilidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana, além de atentar contra a própria saúde do animal.
Recentemente, o Escritório Farenzena & Franco Advocacia Ambiental também foi responsável por obter outras decisões liminares favoráveis, relembre-as:
- Justiça manda devolver papagaios apreendidos a idoso
- Justiça concede liminar para impedir a apreensão do papagaio Bicudo pelo IBAMA
Índice
O que diz a decisão liminar
Assim, ao analisar o pedido de tutela antecipada, o Magistrado entendeu pela possibilidade de devolução da Jabuti “Tatá” à autora da ação:
Considerando que o animal encontra-se na posse da autora por cerca de duas décadas e meia, certamente, a convivência entre estes desenvolveu laços afetivos e até mesmo dependência mútua. Eventual retorno do animal ao habitat natural poderia restar comprometido depois anos no convívio familiar.
O espécime não está incluído como animal em extinção nas relações trazidas pela ICMBio e pelo Decreto Estadual de nº 63.853, de 27 de novembro de 2018, o que autorizaria a manutenção do jabuti em poder da autora.
Segundo jurisprudência, a possibilidade da aplicação do perdão judicial e isenção da multa administrativa para os casos em que o animal silvestre, mantido em cativeiro e que não consta da lista dos ameaçados de extinção, justifica a não penalização da conduta e, por conseguinte, autorizaria a permanência na guarda doméstica. […]
Pelo exposto, DEFIRO a tutela para autorizar a restituição e guarda do jabuti à autora bem como para que a ré se abstenha de promover qualquer tipo de sanção administrativa ou penalidade em razão da posse do animal silvestre indicado na exordial, autorizando que o patrono desde logo leve diretamente esta decisão para liberação do animal.
A decisão do Magistrado está pautada na jurisprudência consolidada no sentido de que o animal silvestre adaptado em ambiente doméstico (como é o caso do Jabuti “Tatá”) não deve ser devolvido à natureza por não haver qualquer benefício ao animal, sendo viável a regularização e permanência com seus tutores.
Jurisprudência reconhece a possibilidade de regularização de animal silvestre
O tratamento legal a ser conferido à posse de animais deve observar as nuances do caso concreto, à luz da razoabilidade, sempre buscando zelar pelo bem estar dos animais.
Isso porque, embora possa ser, em tese, antijurídica a conduta do possuidor que mantém em ambiente doméstico animal silvestre sem permissão do órgão ambiental, é possível que a devolução do animal ao seu habitat natural produza, na prática, mais prejuízos do que ganhos à sua saúde e bem-estar.
Em casos parecidos, a Justiça Estadual de São Paulo proferiu sentenças semelhantes reconhecendo a possibilidade de devolução de animais da espécie “Jabuti” apreendidos:
TJSP – Sentença 1002259-18.2020.8.26.0238 – Procedimento do Juizado Especial Cível – Revogação/Anulação de multa ambiental: Diante do exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a ação para reconhecer o direito da autora MARIA DE FÁTIMA DE CASTRO VIEIRA DE AQUINO à manutenção da guarda do animal da raça jabuti, espécie quelônio, em ambiente doméstico, sob seus cuidados, sem prejuízo de eventual necessidade de regularização perante os órgãos ambientais competentes. Consequentemente, presentes os requisitos autorizadores, concedo ao autor o pedido antecipatório da tutela consistente na imediata restituição do animal ao autor, servindo a presente sentença como ofício para seu integral cumprimento. […].
TRF-3 – Sentença 5002290-71.2020.4.03.6113 – 1ª Vara Federal de Franca – Revogação/Anulação de multa ambiental: ANTE O EXPOSTO, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, o pedido para determinar a restituição JULGO PROCEDENTE à autora dos animais apreendidos em sua residência, atualmente consistentes em um papagaio e um jabuti, descritos no Termo de Apreensão IPQ32RN (id 40973311). […].
Não há dúvidas que a legislação ambiental impõe à Administração Pública o dever de apreensão do animal silvestre e sua reinclusão em ambiente que propicie a convivência com outros da mesma espécie.
Todavia, a Administração Pública deve sempre considerar as peculiaridades do caso, especialmente que a eventual tentativa de reinserção do animal ao ambiente natural ou mesmo sua criação por órgãos ambientais é mais gravosa do que a sua manutenção com a família em que foi integrado e convive há tantos anos, devendo sobressair o vínculo afetivo estabelecido como valor jurídico que deve ser considerado.
Conclusão
A Jabuti “Tatá” estava há pelo menos 25 anos, adaptado à vida em ambiente doméstico, e não possuí qualquer condição de ter sido retirados a manu militari do seu atual e verdadeiro habitat que é com a parte autora.
Mesmo sob a responsabilidade de técnicos, o Jabuti “Tatá” não terá o cuidado e amor devido diante da sua convivência adquirida ao longo dos anos com a parte autora em um ambiente tranquilo e familiar. Faltar-lhe-á, o afeto ao qual está acostumado a receber e dar a parte autora e sua família.
E, eventual tentativa de excluir esses laços afetivos lhes causará, com toda certeza, danos irreparáveis e até a morte, sobretudo por se tratar de animal senciente. A reintegração do Jabuti “Tatá” em local diverso e longe do a parte autora pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, considerando que ele já possui inúmeros hábitos domésticos referentes ao seu convívio familiar.
Além disso, as normas de direito ambiental visam a proteção e bem estar da fauna, contudo, frisa-se que em nenhum momento ficou constatado ou sequer demonstrado evidências de maus-tratos, nem na notificação, tampouco no auto de infração.
Aliás, a autuação ambiental se tratou de mera formalidade cujo objetivo é o estrito cumprimento da lei, sem atentar-se que ao apreender animal que convive há décadas em ambiente familiar se está causando mais prejuízo do que benefício.
Desse modo, evidente que a apreensão do animal silvestre e sua destinação para um local desconhecido por ele, privado do convívio e afeto das pessoas que o cuidou há anos, é extremamente danoso e lhe causa sofrimento pelo simples fato de estar longe de seu lar e sua família, o que por si só é capaz de gerar grande sofrimento e ocasionar inclusive risco de morte.
Portanto, considerando que no caso haviam demonstrações verdadeiras de dedicação, amor e afeto entre a parte autora e a Jabuti “Tatá”, conforme fotografias e declarações testemunhais juntadas no processo, e visando a proteção do animal, a medida mais adequada ao caso em tela foi a justa determinação de restituir o Jabuti “Tatá” à parte autora com a guarda provisória até o julgamento definitivo da ação.
2 Comentários. Deixe novo
gostaria de conversar sobre a possibilidade de transformar meu sítio numa instituição de proteção a natureza, já que não tenho herdeiros diretos, sou biólogo e estou fazendo faculdade de veterinária, para ajudar mais ainda os animais domésticos e silvestres, e minha intenção é paralelamente a instituição agregar um criadouro conservacionista, pois estamos ao lado da reserva biológica do Tinguá, na área rural de Nova Iguaçu RJ.
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