Os mecanismos para o exercício do poder de polícia administrativa visando o controle da poluição estão previstos na Lei Federal 6.938/81, na Lei Federal 9.605/98 regulamentada pelo Decreto Federal 6.514/2008 e art. 225 da Constituição Federal.
A Lei Federal 6.938/81 dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e em seu art. 6º criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA – constituído pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Assim, são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental em combate à poluição, os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA.
Índice
1. Causar poluição – artigo 61 do Decreto 6.514/08
O art. 61 do Decreto Federal 6.514/08 está assim redigido:
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Conforme redação do art. 61, não há expressa definição dos níveis mínimos para a incidência da sanção.
Desse modo, basta que haja lançamento em níveis tais que possam resultar danos à saúde humana, ou que provoquem mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade para caracterizar a infração.
No entanto, para caracterizar a infração administrativa do art. 61, é imprescindível a comprovação da elementar do tipo “níveis tais”, ou seja, o dano deve ser efetivo, que tenha potencialidade de gerar prejuízos à saúde humana, provoque mortandade de animais ou extermine a flora.
É dizer que, a simples elaboração de relatório de inspeção, relatório técnico ou laudo técnico, independente da nomenclatura, elaborado pelo órgão competente não é suficiente para embasar a aplicação da multa ambiental por causar poluição.
2. Nulidade de auto de infração lavrado por causar poluição
Como visto, a simples elaboração de laudos ou relatórios técnicos não se presta a comprovar a poluição.
Em muitos casos, temos observado em processos administrativos ambientais, que sequer são constatados qualquer poluição efetiva, limitando-se, os agentes de fiscalização, a anexar fotos que não demonstram a existência de poluição, ou inferir em relatório e até no próprio auto de infração, a existência de poluição.
Também percebemos com frequência, a ausência de descrição clara da conduta do infrator que tenha causado poluição, nem se a quantia seria capaz de ocasionar, ainda que potencialmente, danos à saúde humana, mortandade de animais ou destruição da biodiversidade.
Se nada indica que o infrator tenha causado poluição “em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade”, não há que se falar em infração administrativa.
Logo, havendo presunção de poluição, inexistindo qualquer prova mínima da ocorrência de poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos, impõe-se a nulidade do auto de infração ambiental.
Importante destacar, que a inspeção e o relatório devem ser elaborados no momento da poluição, não sendo possível presumir que suas proporções relevantes tenham atingindo a vida humana.
E, ainda, o art. 61 do Decreto 6.514/08, exige que o infrator tenha causado poluição, ou seja, exige efetiva ação do poluidor, inexistindo previsão de responsabilidade por omissão.
Sendo assim, inexistindo prova efetiva de danos ao meio ambiente, mas meras presunções, não se pode falar em fixação de multa ambiental por causar poluição, já que não respeitadas as exigências legais.
3. Multa ambiental tem natureza sancionadora
A jurisprudência tem pacificado o entendimento de que a responsabilidade civil do poluidor e a responsabilidade administrativa do infrator não se confundem.
Isso porque, a responsabilidade civil do poluidor pelo dano ambiental é objetiva e tem fundamento nos art. 3º, IV (poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental) e 14, § 1º da Lei 6.938/81 (sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade).
Já a responsabilidade administrativa do infrator é subjetiva e tem fundamento no art. 14, caput, da Lei 6.938/81 (que descreve as sanções a que sujeitos os transgressores) e art. 225, § 3º da Constituição Federal (as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados).
A lei é clara e não permite a confusão dos conceitos, como se fossem um só.
A poluição decorre da atividade e o poluidor é obrigado a reparar o dano ambiental, independente de culpa e sem prejuízo da responsabilidade civil e administrativa.
A infração decorre do descumprimento da lei e sujeita o infrator ou transgressor à sanção nela prevista, em responsabilidade subjetiva como é próprio ao direito sancionador.
Em outras palavras, as sanções administrativas são impostas aos infratores por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente condutas e atividades praticadas pelos infratores.
É dizer, as sanções somente são aplicadas a quem, pessoalmente ou por pessoa a si ligada, pratica a conduta proibida na lei ou no regulamento.
4. Jurisprudência do STJ
Debruçado sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça assim definiu:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. CARÁTER SUBJETIVO. LEGISLAÇÃO LOCAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. […]
Pacificada nesta Corte a compreensão de que, no campo ambiental, “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano” (EREsp 1.318.051/RJ).
(AgInt no AREsp 1459420/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 23/10/2020)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO CORRETA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ILÍCITOS DE MERA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
Ao Recurso Especial foi negado seguimento monocraticamente, visto que, nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva, ao contrário da responsabilidade civil pelo dano ambiental.
O acórdão do Tribunal de origem está em sintonia com o entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. A responsabilidade administrativa é subjetiva, mesmo que fundamentada em mera conduta, não se confundindo com o standard objetivo adotado na responsabilidade civil ambiental. Essa a posição do STJ (EREsp 1.318.051/RJ, Rel.
(AgInt no REsp 1818627/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 25/06/2020)
5. Conclusão
Com visto, a responsabilidade administrativa é subjetiva, exigindo demonstração de seu elemento subjetivo, além do nexo causal entre a conduta e o dano.
Assim, se não houver comprovação de efetiva ocorrência de lesão ao meio ambiente por causar poluição, torna-se inviável a imposição da multa ambiental, já que desrespeitadas as suas exigências legais.
Sem olvidar da importância do poder de fiscalização conferido aos agentes e órgãos públicos, tal deve ser exercido com extrema diligência, a fim de se evitar a violação às garantias constitucionais de ampla defesa e contraditório asseguradas aos acusados em geral.
Portanto, não é qualquer tipo de poluição que enseja a lavratura de auto de infração ambiental e imposição de multa ambiental, devendo ainda, constar em tais documentos, prova efetiva do dano à saúde humana, à fauna ou à flora, sob pena de nulidade.