É comum que se busque a via judicial para anular autos de infração ambiental, e igualmente comum que após ser citado o órgão ambiental réu ofereça sua contestação acompanhada de reconvenção requerendo a improcedência da ação anulatória e procedência da reconvenção para condenador o autor e reconvindo ao dever de reparar os danos ambientais decorrente do auto de infração ambiental que buscou anular.
A reconvenção, neste caso, ganha formato de ação civil pública, por meio da qual o órgão ambiental pleiteia a reparação integral do dano ambiental causado pelo autor da ação anulatória de auto de infração ambiental.
Ocorre que não cabe reconvenção em ação anulatória de auto de infração ambiental para a reparação integral do dano ambiental em razão da incompatibilidade de procedimentos.
Ora, não há conexão entre a ação que visa anular o auto de infração que aplicou penalidade administrativa com eventual ação de indenização por danos causados ao meio ambiente, diante da autonomia das instâncias.
Trata-se de matérias e ritos procedimentais diversos, sendo a ação anulatória relacionada ao direito administrativo que tramita pelo procedimento comum ordinário, enquanto a reconvenção trata de responsabilidade civil ambiental ganhando aspectos de ação civil pública (Lei 7.347⁄1985), a qual tem rito próprio e diverso daquele.
A reconvenção não pode inaugurar no processo uma lide totalmente distinta do processo inicialmente ajuizado, no qual através de reconvenção o órgão ambiental quer comprovar a ocorrência de dano ambiental por conduta que não está sendo discutida, sobretudo quando o objeto da inicial é a anulação do auto de infração ambiental por algum tipo de descumprimento de regras legais ou procedimentais formais para aplicação da sanção administrativa.
Há, portanto, manifesta distinção e ausência de conexão entre a causa de pedir da ação original (nulidade do ato administrativo) e seu pedido (anulação do auto de infração) com a causa de pedir da reconvenção (suposto dano ambiental) e seu pedido (indenização por danos ambientais).
Também é manifesta a distinção e ausência de conexão entre a matéria de defesa (legalidade do ato administrativo) e a causa de pedir e o pedido veiculado na reconvenção (suposto dano ambiental e indenização por danos causados ao meio ambiente).
É inviável acreditar que a reconvenção é conexa com a ação principal e com o fundamento da defesa, e não tem cabimento quando o autor da ação apenas buscar anular o auto de infração ambiental, tornando equivocada a propositura da referida ação coletiva.
Índice
O que é reconvenção
A reconvenção é um instituto do processo civil que permite ao réu de uma ação judicial apresentar uma demanda em seu próprio favor contra o autor da ação.
Em outras palavras, a reconvenção é uma espécie de ação autônoma proposta pelo réu, que se aproveita da mesma ação proposta pelo autor para defender seus interesses.
A reconvenção é apresentada como uma resposta à ação inicial, na qual o réu pode apresentar pedidos de natureza diversa, desde que haja uma conexão entre esses pedidos e a demanda inicial.
O objetivo da reconvenção é evitar a necessidade de um segundo processo, economizando tempo e recursos para as partes e para o próprio Judiciário.
Além disso, a reconvenção permite que as partes apresentem todos os seus pedidos de uma só vez, evitando a propositura de novas ações para discutir questões que já poderiam ter sido resolvidas no mesmo processo.
Embora a reconvenção seja um instituto processual que tem por escopo a economia e a eficiência do processo, sua utilização submete-se a condições de procedibilidade próprias, não sendo adequada a sua utilização em se tratando de lides que não tenham relação de conexão e que venham retardar a solução da ação originária.
Para ser legítima, a reconvenção necessita observar o que dispõe o art. 343 do Código de Processo Civil – CPC[1], assim, precisa guardar clara conexão com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Descabimento de reconvenção em ação anulatória de auto de infração ambiental
Não há conexão entre a ação originária, que visa à declaração de nulidade de auto de infração ambiental, lavrado com respaldo do poder de polícia da autarquia, e eventual reconvenção travestida de ação civil pública com intuito de compelir o infrator à reparação do dano ambiental, obrigação pautada na responsabilidade por dano difuso. São controvérsias distintas, originárias de causas de pedir e pedidos que não se relacionam.
Assim, é possível afastar a conexão entre as ações, não se mostrando adequada a utilização da via reconvencional, diante da literalidade da disciplina acerca do instituto, que estabelece, além da identidade de partes da ação inicial, a necessidade de que o objeto da reconvenção seja conexo ao objeto da causa originária ou ao fundamento da defesa.
Logo, a reconvenção proposta pelo órgão ambiental em ação anulatória de auto de infração ambiental é desconexa, pois apresenta fundamentação de natureza civil, ou seja, discussão totalmente destoante do objeto da ação principal e com os fundamentos da própria contestação, ambos de natureza administrativa.
Tal desconexão resta clara ao verificar que objeto da ação principal é a declaração de nulidade de ato administrativo pautado no poder de polícia, enquanto que a reconvenção proposta busca a responsabilização civil do reconvindo por suposta violação de direitos difusos relacionados ao meio ambiente, o que demanda instrução probatória independente e mais complexa, inclusive.
O que diz a jurisprudência sobre a reconvenção em ação anulatória
Como visto, não existe conexão entre o objeto da ação que visa anular auto de infração e multa ambiental ou até mesmo o processo administrativo, como a ação que busca a condenação do autor (reconvindo) ao pagamento de indenização e reparação dos danos ambientais. Esse também é o entendimento da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTUAÇÃO DECORRENTE DO DEPÓSITO IRREGULAR DE MADEIRA SERRADA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE. LEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE RECONHECIDA ADMINISTRATIVAMENTE. MANUTENÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES. PERDIMENTO DOS BENS APREENDIDOS. CABIMENTO. RECONVENÇÃO. DESCABIMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.[…]
Essa distinção a inviabilizar a pretensão reconvencional se evidencia ao se analisar o objeto da ação quanto à nulidade do ato administrativo pautado no poder de polícia, cuja sanção tem natureza administrativa, e àquela tratada na reconvenção, que objetiva condenação do infrator por danos difusos ao meio ambiente, de natureza eminentemente cível, afastando-se, destarte, qualquer possibilidade de conexão com o objeto da ação primeira ou ao fundamento da defesa. […].
VI Apelação parcialmente provida. Sentença reformada, em parte, tão somente, para julgar improcedente o pedido reconvencional do IBAMA, mantendo-se, no mais, o referido julgado, no ponto em que julgou improcedente o pleito formulado na inicial. (TRF-1 – AC: 00001641620184013606, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 11/05/2021, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 17/05/2022)
Não é demais repetir que inexiste conexão entre a ação que visa anular o auto de infração que aplicou penalidade administrativa com eventual ação coletiva de responsabilização civil por violação de direito difusos e danos causados ao meio ambiente, diante da autonomia das instâncias.
É importante destacar que a Ação Civil Pública, nesta esteira, é regida de forma específica pela Lei 7.347/85, a qual não contempla reconvenção, dada sua peculiar finalidade, legitimação restrita e eficácia sentencial abrangente, conforme jurisprudência:
“Penso que essa atuação que vem do Império de autoridade, essa atuação pela ação civil pública se confronta com esse direito de acesso que o cidadão tem para o controle dos atos administrativos. Então, são duas ações com procedimentos distintos, com bases empíricas distintas, porque, de alguma forma, há uma ampliação objetiva com a apresentação da reconvenção, quer dizer, há uma ampliação dos pedidos, e esses pedidos que são apresentados pela entidade da Administração Pública contra o cidadão terminam sobrecarregando um processo que se pretendia tão somente anular o ato administrativo. […]
Assim, admitir-se uma reconvenção – não digo só neste caso, mas em outros também -, uma reconvenção se dá por meio de uma ação civil pública, conjuntamente com uma simples ação que pretende anular uma atuação administrativa, gera efeitos simbólicos e conceituais também que podem, de alguma forma, reprimir essa atuação de cidadania. Então não vejo razão para admitir essa proposição da reconvenção na própria contestação, […].
(TRF-1 – AI: 00473060420174010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 02/02/2021, Data de Publicação: PJe 02/02/2021)”
Assim, quando o órgão ambiental apresenta, em sede de contestação, pedido de reconvenção pretendendo transformar o feito de anulação de auto de infração em verdadeira ação civil pública pela prática de dano ambiental, há incompatibilidade de ritos, afigurando-se a pretensão absolutamente inviável, porque o rito e propósito privado de uma simples ação anulatória é totalmente incompatível com os propósitos difusos de uma ação civil pública – ACP.
Conclusão
Conforme visto, embora a reconvenção seja um instituto processual que tem por escopo a economia e a eficiência do processo, submete-se ela a condições de procedibilidade próprias e não pode ser utilizada em se tratando de lides que não tenham relação de conexão e que venham retardar a solução da ação originária.
Desse modo, eventual reconvenção em ação anulatória de auto de infração ambiental deve ser indeferida, em razão de pretender instaurar discussão totalmente destoante do objeto da ação principal, demandando, inclusive, instrução probatória independente e mais complexa.
Essa distinção, a inviabilizar a pretensão reconvencional, evidencia-se mediante análise do objeto da ação principal, referente à nulidade de atos administrativos pautados no poder de polícia, cuja sanção tem natureza administrativa, em confronto com a matéria tratada na reconvenção.
Repita-se que se o objetivo da reconvenção é a condenação do infrator à reparação dos danos supostamente causados ao meio ambiente, de natureza eminentemente cível, não haverá qualquer possibilidade de conexão com o objeto da ação primeira ou ao fundamento da defesa, devendo ser indeferida ou extinta.
Portanto, conclui-se que não há conexão entre a ação que visa anular o auto de infração ambiental que aplicou penalidade administrativa com eventual ação de indenização por danos causados ao meio ambiente, diante da autonomia das instâncias.
Além de se tratar de matérias e ritos procedimentais diversos, a ação anulatória se refere a questão de direito administrativo que irá tramitar pelo procedimento comum ordinário, enquanto a ação de indenização que busca a responsabilidade civil pelo dano ambiental deve ser postulada através de ação civil pública (Lei 7.347/1985), não encontrando espaço em sede de reconvenção.
[1] Art. 343 (CPC): Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
2 Comentários. Deixe novo
Bom Dia!!! Dr. Cláudio, Parabéns, essa distinção de ritos, poucos tem conhecimento. Muito clara e objetiva a explanação do não cabimento de reconvenção. Trabalho nessa área e recentemente ocorreu em ação idêntica, Declaratório de Nulidade de Ato Administrativo (auto de infração), que foi distribuída para Vara Especializada do Meio Ambiente, porém comuniquei o equívoco na distribuição. Na verdade é Vara da Fazenda Publica.
Obrigado Dr. Ivan!