O processo administrativo ambiental para apurar a prática de uma infração ambiental tem origem a partir da lavratura de um auto de infração ambiental pelas autoridades integrantes do SISNAMA.
Assim, constatada a ocorrência de uma infração administrativa ambiental, a autoridade competente lavra o auto de infração ambiental, dando-se ciência ao autuado e assegurando o contraditório e a ampla defesa.
Após ser cientificado, o autuado poderá, perante o órgão ou a entidade da administração pública federal responsável pela lavratura do auto de infração ambiental, apresentar defesa administrativa.
A defesa deve ser formulada por escrito e conter todos os fatos e fundamentos jurídicos que contrariem o disposto no auto de infração ambiental e termos que o acompanham, bem como a especificação das provas que o autuado pretende produzir a seu favor, devidamente justificadas.
Não é demais lembrar que o auto de infração goza de presunção de veracidade e legitimidade, inerente aos atos de ofício. Por consequência, ocorre a inversão do ônus da prova, cabendo ao autuado demonstrar que não violou o dispositivo legal indicado, ônus do qual não se desincumbiu.
E por vezes, quando o autuado está representado por um Advogado especialista em Direito Ambiental, com atuação exclusiva na área e ampla experiência, são apresentados no mesmo prazo da defesa, documentos aptos a comprovar de forma cabal que o auto de infração ambiental padece de vício e é nulo.
Embora os atos administrativos gozem de presunção de legitimidade e legalidade, existindo elementos de prova suficientes para corroborar a assertiva de que o autuado não foi o responsável pela infração ambiental, afasta-se a presunção de veracidade do auto de infração ambiental, com o reconhecimento da nulidade de sua autuação.
Ocorre que, na maioria das vezes, ainda que o autuado e seu advogado apresentem documentos e provas cabais suficientes a demonstrar a nulidade do auto de infração ambiental, a autoridade julgadora despreza o alegado pelo autuado e homologa o auto de infração ambiental em decisão sem qualquer motivação e fundamentação, aplicando a penalidade de forma totalmente ilegal, desarrazoável e desproporcional.
E pior. Nestes casos, que se espraiam aos montes pelo Brasil, a autoridade julgadora sequer analisa e muito menos rebate os argumentos, provas e documentos apresentados pelo autuado, mantendo uma autuação eivada de vício que somente acarreta mais e mais prejuízo à Administração Pública, além de ferir o princípio da moralidade e eficiência.
Índice
Autoridade julgadora que não analisa as alegações do infrator ambiental
Conforme mencionado, quando o autuado apresenta defesa prévia contra o auto de infração ambiental que foi julgada improcedente em primeira instância e disso interpõe recurso administrativo que igualmente é improvido em segunda instância, sem qualquer análise de suas alegações, está-se diante de um vício de motivação e fundamentação das decisões julgadoras.
É comum que, em total desconformidade com a legislação, as autoridades ambientais não motivem suas decisões, ou então, motivem, porém, concordando com fundamentos de anterior parecer e informações que sequer analisaram a defesa e recurso do autuado e nem são aptos a interromper a prescrição intercorrente.
Ora. A observância do devido processo legal, com o respeito ao contraditório e à ampla defesa, não se encerra ao se oportunizar ao infrator a contradita do fato infracional que lhe é imputado.
Para que o princípio seja coerentemente observado, imprescindível que a defesa apresentada e todos os seus documentos, a tempo e modo devidos, assim como as postulações no curso do processo, sejam analisadas e exerçam influência na tomada da decisão.
Com efeito, apenas facultar a apresentação de defesa, mas não permitir que os argumentos e documentos apresentados influam no convencimento, não prestigia o princípio que assegura ao autuado por infração ambiental que se defenda, mas tão somente significando o cumprimento de uma formalidade legal, que só traria mais ônus ao autuado.
Essa, definitivamente, não é a finalidade da garantia constitucional que prestigia a ampla defesa e o contraditório, tanto no âmbito administrativo quanto no judicial.
Caso concreto
Em um caso concreto, o Escritório foi contratado para propor ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental, porque a cliente foi autuada pelo IBAMA por construir a 23 metros de um curso d’água, o que seria uma área de preservação permanente em razão do suposto curso d´água, que na verdade é canalizado e está inserido em loteamento aprovado pelos órgãos competentes há 40 anos.
Após ser cientificada, a cliente/autuada apresentou na esfera administrativa, sua defesa prévia alegando que a sua edificação continha:
- Consulta de viabilidade;
- Aprovação do projeto arquitetônico;
- Alvará de licença para construção;
- O parecer da municipalidade atestando a inexistência de danos ambientais da obra.
No caso, a cliente/autuada, que adquiriu um lote dentro de um loteamento devidamente aprovado e autorizado pelo Município, percorreu o correto caminho para edificar sua casa, qual seja, fez a consulta de viabilidade, sob o qual elaborou o projeto arquitetônico que posteriormente foi apresentado ao órgão municipal e aprovado, emitindo-se o alvará de licença para construção, e, quando concluiu a obra, recebeu da municipalidade o “habite-se”.
Contudo, em que pese ser permitido à autoridade ambiental julgadora que adote fundamentos de anteriores pareceres, informações ou decisões, bastando sua declaração de concordância ao julgar processo administrativo (art. 125, do Decreto 6.514/08), o Parecer emitido pela Procuradoria Federal Especializada – IBAMA não apresentou os critérios mínimos exigidos, porque se limitou a indicar que competia a cliente/autuada a produção de provas, deixando de emitir qualquer parecer razoável.
Julgamento do auto de infração ambiental sem análise de provas
Depois da fase de instrução e com todas as provas apresentadas pela cliente/autuada, ao julgar o auto de infração ambiental, a autoridade de primeira instância fundamentou assim a sua decisão:
“As alegações e documentos apresentados na defesa administrativa foram objeto de análise técnica e jurídica, sendo as informações prestadas pela área técnica e fiscal na instrução dos autos aliadas ao Parecer Jurídico da Procuradoria Federal Especializada são suficientes para motivar a presente decisão, não sendo necessária sua reprodução.
Desta forma, nos termos do art. 125, parágrafo único, do Decreto 6.514, de 2008, concordo com os fundamentos apresentados pelo Parecer Jurídico da Procuradoria Especializada e homologo as informações prestadas pela área técnica e fiscal desta Autarquia Federal, fazendo-os parte integrante deste ato decisório.”
Com o indeferimento da defesa administrativa, foi interposto o recurso administrativo tempestivamente, requerendo a reforma da decisão de primeira instância, porque essa sequer teria analisado as provas apresentadas pela cliente/autuada.
Todavia, a autoridade de segunda instância, decidiu pelo improvimento do recurso pelos seguintes motivos:
“Não havendo no recurso interposto elementos capazes de modificar o ato decisório de primeira instância, em face de razões de legalidade e de mérito – conforme Parecer Técnico Recursal para Recurso do Interessado nº 1561 – QTR (fl. 79) e DESAPACHO nº 0333/2012/EQT/PRESI (fl. 80) – DECIDO: apelo improvimento do recurso, pela manutenção do Auto de Infração, da multa aplicada e do Termo de Embargo/Interdição e pela demolição da obra e recuperação da área degrada, nos termos do art. 70, § 4º, e art. 72, incisos II e VII, ambos da Lei nº 9.605/98; do art. 3º, incisos II e VII, art. 108 e art. 127, § 2º, todos do Decreto nº 6.514/08; e do art. 152, § 1º, da Instrução Normativa nº 14/09.”
Ora! Não poderiam essas autoridades julgadoras concordar com pareceres que não apreciaram as provas, documentos e argumentos levantados pela cliente/autuada, limitando-se a rechaçar a defesa de forma genérica e vazia, sem combater as teses ali apresentadas.
Ou seja, tanto os pareceres de primeira e segunda instância e principalmente as próprias decisões que aplicaram e mantiveram as penalidades, em nenhum momento analisaram e sequer mencionaram as provas, documentos, defesa e recurso da cliente/autuada, configurando pareceres e decisões administrativas genéricas e padronizadas que violam direitos do administrado.
No caso citado, é evidente que apenas foi oportunizado o direito a defesa e ao contraditório à parte autuada para cumprimento de formalidade legal, de modo que, a autuação foi mantida com base em parecer visivelmente padronizado, que irrefutavelmente ofende o princípio da motivação e conduz à anulação da imposição da penalidade de multa.
Ausência de motivação e fundamentação da decisão
No caso citado, não há dúvidas que os pareceres usados como forma de decidir não serviram como fundamento de decidir, porque se limitaram, dentre outros pontos, a dizer que “todos os argumentos e alegações trazidos pelo autuado no recurso e que constam na defesa foram analisados pela autoridade julgadora”, quando de fato não foram.
É notório que em casos onde não há a análise da defesa prévia, nem de recurso e muito menos das provas juntadas pelo autuado, há violação do princípio da legalidade, da motivação e fundamentação das decisões administrativas que impõe penalidades.
Ora. Não se pode considerar como motivado um ato administrativo que não combate a defesa prévia e recurso administrativo apresentados pelo administrado, limitando-se a decisões genéricas, vazias e padronizadas.
A conclusão extraída disso, é que há expressa violação ao art. 20, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42); aos art. 1º, art. 5º, LIV e LV, art. 37, caput, e art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988; art. 2º e art. 50 da Lei Federal 9.784/99; e, art. 95 do Decreto 6.514/08, assim descritos:
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Constituição Federal de 1988
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
Art. 93. […]:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Lei Federal 9.784
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. […]
Decreto 6.514/08
Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Os dispositivos acima tratam do óbvio: a fundamentação e motivação tem como pressuposto a análise das alegações apresentadas pelas partes, o efetivo contraditório e o exercício da ampla defesa. Em última análise, trata-se do respeito ao devido processo legal.
Motivação e fundamentação per relationem
Não se desconhece que a autoridade julgadora pode motivar sua decisão na declaração de concordância com fundamento em pareceres e demais informações constantes nos autos.
Ocorre que, as informações dos autos do processo administrativos e principalmente dos pareceres, se não consistirem em motivação explícita, clara e congruente, muito menos possuírem a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos aptos a desqualificar a defesa do autuado, justamente porque não há qualquer análise do que foi dito pela autuada, então, não haverá obediência ao princípios e normas que regem o processo administrativo.
É de lembrar que a motivação funciona como instrumento para verificar se a Administração Pública fez cumprir os princípios constitucionais, tais como: o da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, expressamente previstos no art. 37 da Constituição Federal.
O que diz a doutrina sobre motivação
Continuando, leciona DI PIETRO[1] que “o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões” e que a “sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos”.
E continua a doutrinadora a sublinhar que esta exigência está regrada no parágrafo único, inciso I, Art. 2º da Lei 9.784/199 no qual se exige a “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”. Além disso, destaca que “a motivação consta de pareceres, informações, laudos, relatórios […]”, feitos pelo próprio órgão ou por outros, “sendo apenas indicados como fundamento da decisão. Nesse caso, eles constituem a motivação do ato, dele sendo parte integrante”.
Isso significa que, os pareceres, informações, laudos e relatórios que constituem a motivação do ato devem se prestar a combater de forma satisfatória aquilo que é alegado pelo administrado, e sendo assim, não podem ser patronizados, vazios e genéricos, como aconteceu no caso em tela.
Por fim, DI PIETRO[2] assevera no que tange a teoria dos fatos determinantes:
“Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado….
Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade.
Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. […].
A motivação não pode limitar-se a indicar a norma legal em que se fundamenta o ato. É necessário que na motivação se contenham os elementos indispensáveis para controle da legalidade do ato, inclusive no que diz respeito aos limites da discricionariedade.
É pela motivação que se verifica se o ato está ou não em consonância com a lei e com os princípios a que se submete a Administração Pública. Verificada essa conformidade, a escolha feita pela Administração insere-se no campo do mérito.
A exigência de motivação, hoje considerada imprescindível em qualquer tipo de ato, foi provavelmente uma das maiores conquistas em termos de garantia de legalidade dos atos administrativos.”
De acordo com ALEXANDRINO e PAULO[3] a motivação é:
[…] a declaração escrita do motivo que determinou a prática do ato. É a demonstração, por escrito, de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente estão presentes, isto é, de que determinado fato aconteceu e de que esse fato se enquadra em uma norma jurídica que impõe ou autoriza a edição do ato administrativo que foi praticado. […] Em regra, a motivação, quando obrigatória, deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato, sob pena de nulidade deste. […]”
Como se indicou, o princípio da motivação é instrumental e corolário do princípio do devido processo da lei (art. 5.º, LIV, da Constituição), tendo necessária aplicação às decisões administrativas, assim como nas decisões judiciárias.
Decisão e atos administrativos devem ser fundamentados
Por “decisão”, não se deve entender, porém, qualquer ato administrativo ou judiciário que apenas contenha um mandamento, senão aquele cujo comando aplique uma solução a litígios, controvérsias e dúvidas, conhecendo, acolhendo ou denegando pretensões, através das adequadas vias processuais, ainda que atuando de ofício.
Essa, a ratio do art. 50 da Lei 9.784, impõe à Administração Pública o dever de motivar os atos administrativos que neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses dos administrados, não podendo os fazer com base em pareceres jurídicos padronizados, genéricos e omissos às alegações do administrado em sede de defesa.
Os atos administrativos devem ser sempre motivados para assegurar que as decisões administrativas velem pelos direitos e garantias individuais, além de garantir o controle popular e o atendimento ao princípio da publicidade. A motivação consiste em dar uma justificativa ou exposição das razões originárias daquele ato administrativo.
Logo, a falta de motivação no ato discricionário abre a possibilidade de ocorrência de desvio ou abuso de poder, dada a dificuldade ou, mesmo, a impossibilidade de efetivo controle judicial e popular, pois, pela motivação, é possível aferir a verdadeira finalidade buscada pelo agente na prática do ato administrativo. Assim, verifica-se que a necessidade de motivação também visa garantir o princípio da moralidade, já que faz transparecer a eticidade da atuação do agente público.
O ilustre Professor Diogenes Gasparine[4] ensina que, “a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, pois a falta de motivação ou indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo devido a Lei n.º 9.784/99, em seu art. 50, que prevê a necessidade de motivação dos atos administrativos sem fazer distinção entre atos vinculados e os discricionários, embora mencione nos vários incisos desse dispositivo quando a motivação é exigida. ”
Cediço que a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, inclusive em anteriores pareceres que embasam decisão das autoridades julgadoras.
Sem isso, fica prejudicada a análise das condutas administrativas, sem as razões motivadoras que permitissem reconhecer seu afinamento ou desafinamento com os princípios administrativos como da legalidade, da finalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da moralidade, do contraditório e ampla defesa, permitindo assim formar uma linha divisória entre os atos praticados dentro da legalidade ou atos eivados de vício.
Assim, a mera enunciação do artigo da lei ou alegação de que caberia à autuada produzir prova em contrário capaz de derruir o ato administrativo, não é suficiente para se considerar suprida a exigência de motivação.
Também não basta a simples enumeração dos fatos que deram margem ao ato, devendo ser substancialmente motivado, não servindo mera fundamentação formalística, vazia e padronizada, exigência necessária em virtude do direito que se tem em saber o motivo da imposição da penalidade.
Acompanhando o pensamento aqui lançado, vale destacar a doutrina de DI PIETRO[5]:
“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias.
A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle da legalidade dos atos administrativos.”
Obrigatoriedade de motivar decisões administrativas em processos ambientais
A obrigatoriedade de motivar decisões, estendeu-se, com a Constituição Federal de 1988, a seus próprios atos administrativos com características decisórias (art. 93, X).
Por via de consequência, o princípio da motivação abrange as decisões administrativas tomadas por quaisquer dos demais Poderes, corolário inafastável do princípio do devido processo da lei.
Com efeito, se o Poder Judiciário, a quem caberá sempre o controle final da juridicidade de qualquer decisão, está obrigado à motivação das suas decisões administrativas, com mais razão, a ela também estarão os Poderes Legislativo, Executivo e os órgãos constitucionalmente autônomos, cada um em suas respectivas decisões administrativas, pois só assim ficará garantida a efetividade do controle.[6]
Em outras palavras, o dever de motivação e fundamentação dos atos administrativos decorre tanto da necessidade de se assegurar a ampla defesa e o devido processo ao administrado, quanto também do princípio constitucional da publicidade – poderoso instrumento posto à disposição da cidadania para exercer o controle da administração, sobretudo a partir da análise dos motivos que deflagram a expedição de atos que limitam direitos dos administrados.
Assim, sempre que houver a imposição de sanção ou a prática de ato administrativo gravoso ao administrado, a Administração tem o dever de motivá-lo.
E, repise-se, que tal motivação amparada no Parecer colacionado ut retro e outros documentos produzidos pelo Réu nos autos do processo administrativo, não consistiram em motivação explícita, clara e congruente, muito menos analisaram as provas acostadas ou indicaram os fatos e fundamentos jurídicos aptos a desqualificar a defesa da Autora.
Conclusão
Embora não haja regra formal no ordenamento jurídico brasileiro que apresente cominação expressa de sanção em razão do descumprimento da obrigação de motivar os atos administrativos, pode-se afirmar, com fundamento no princípio da legalidade administrativa, que o ato administrativo sem fundamentação, com motivação obscura ou incongruente padece de vício que, em princípio, pode acarretar sua invalidade[7].
Em resumo: ato desprovido de motivação é ato insuscetível de compor objeto do controle analítico de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 53 da Lei 9.784/99 e Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal.
Logo, o gravame imposto autuado que não tem suas alegações analisadas deve ser anulado, sob pena de se criar um processo administrativo de nítido cunho inquisitório.
Não se desconhece que o auto de infração constitui ato administrativo dotado de presunção juris tantum de legalidade e veracidade, de modo que para que seja declarada a ilegalidade de um ato administrativo, cabe ao administrado provar os fatos constitutivos de seu direito, e a inexistência dos fatos narrados como verdadeiros no auto de infração.
Com efeito, não adianta a Administração Pública oportunizar ao autuado o direito ao contraditório e a ampla defesa apenas para cumprir direito constitucionalmente assegurado, se as alegações produzidas por ele forem desconsideradas sem o mínimo de análise.
Se os documentos apresentados em sede de defesa não são objeto de análise, nem pelas autoridades que emitiram pareceres, muito menos pelas autoridades julgadoras de primeira e segunda instância, limitando-se a decisões vazias, genéricas e padronizadas, as decisões proferidas são nulas.
Portanto, tendo o órgão ambiental se limitado a negar a pretensão do autuado em sede administrativa, sem qualquer justificativa plausível e sem realizar a efetiva subsunção da norma ao caso concreto ou análise das provas apresentadas, baseando-se unicamente em anteriores pareceres e informações não fundamentados e muito menos motivados, o ato administrativo que resultou na aplicação de penalidade é eivado de vício, pois proferido de forma tirana.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30ª ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. P. 118-119.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30ª ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. P. 225-230.
[3] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 25ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 592.
[4] Gasparini, Diogenes. Direito Administrativo – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 23.
[5] DI PIETRO, 2001, p. 82.
[6] Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial / Diogo de Figueiredo Moreira Neto. – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense, 2014, p.153-154.
[7] MORAES, Germana de Oliveira – 1997/1998/1999, p. 13.