Cediço que a marcha processual é orquestrada por uma cadeia concatenada de atos dirigidos a um fim. Na distribuição da atividade probatória, o julgador deve proceder à instrução do processo administrativo ambiental de forma a garantir à autuante e autuado, paridade de armas.
Assim, ao constatar uma infração ambiental, cabe às autoridades a lavratura do auto de infração ambiental, que se caracteriza como uma peça acusatória que inaugura o processo administrativo com vistas a apuração do fato, o qual deve assegurar condições iguais tanto a quem acusa (agente de fiscalização) como a quem se defende (autuado).
Aliás, durante a instrução, a autoridade ambiental julgadora deve assegurar que o processo administrativo ambiental obedeça aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Mais que isso, as normas que regem o processo administrativo ambiental também preveem a observância, entre outros, dos seguintes critérios:
- atuação conforme a lei e o Direito;
- atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
- objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
- atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
- divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
- adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
- indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
- observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
- adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
- garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
- proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
- impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
- interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
A forma estabelecida em lei serve ao tratamento igualitário entre as partes e proporciona o devido processo legal com paridade das armas na tutela dos direitos controvertidos.
Com efeito, as estratégias disponíveis às partes do processo administrativo — autuante e autuado —, seja na apuração do fato ou na defesa dos respectivos interesses envolvidos no processo não podem se transformar em subterfúgios ilegítimos para desequilibrar a balança da justiça.
Índice
Paridade de armas
A Constituição da Republica traz um conjunto de princípios fundamentais, dentre os quais o devido processo legal, que resolve a dúvida em favor daquele que se encontra no polo passivo e, porque não dizer, em situação de vulnerabilidade.
O arcabouço jurídico brasileiro, é expresso na defesa do Princípio da Paridade de Armas, senão vejamos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Vale lembrar que em toda a persecução administrativa, o autuado possui presunção de culpa, a qual pode ser relativizada através do devido processo legal.
Ocorre que na busca pela verdade processual, o órgão ambiental autuante possui o dever legal de apresentar tudo que existe em desfavor do autuado, sob pena, de promover disparidades na relação processual entre defesa e acusação, o que fere os alicerces do devido processo legal e consequentemente gera nulidade processual.
Conforme ensina o professor Daniel Amorim Assumpção Neves, a completa realização do princípio do contraditório, em especial quando analisado como forma de garantir a “paridade de armas” no processo exige uma igualdade real entre as partes para que as reações possam efetivamente igualar suas situações jurídicas[1].
Esse equacionamento legal é decorrente do Princípio da Paridade de Armas, que exige um tratamento paritário entre os sujeitos processuais, promovendo iguais oportunidades de participação, o que consequentemente produz equilíbrio na formação da culpa ou da inocência.
Nesse sentido, havendo dúvida razoável sobre a manutenção ou não do auto de infração, cabível a aplicação do princípio in dubio pro reo, por ser a solução que melhor observa o devido processo legal, além de primar pela imparcialidade, isonomia e paridade de armas, tão caras ao Estado Democrático de Direito.
Conclusão
A paridade de armas nada mais é do que um desdobramento do princípio da igualdade na seara processual, garantindo às partes tratamento isonômico perante o julgador.
A quebra de tal paridade configura vício de procedimento grave, na medida em que viola o princípio constitucional da igualdade.
Logo, a paridade de armas, de instrumentos jurídicos, constitui garantia inerente ao contraditório e à isonomia, sem o que uma das partes — autuante ou autuado — teria maior poder que a outra na formação da prova e na capacidade de influenciar a formação da convicção da autoridade julgadora.
O ordenamento jurídico pátrio consagrou amplamente o direito de igualdade entre os sujeitos processuais no processo administrativo sancionador, o qual, de forma alguma pode ser flexibilizado na busca da aplicação de uma sanção.
O sistema processual protege taxativamente os princípios da paridade de armas, da ampla defesa e do contraditório, e apesar de não existir hierarquia sobre estes princípios, tem-se como premissa máxima, a plenitude de defesa e igualdade com a acusação.
Ademais, a presunção de legitimidade e veracidade do auto de infração não é absoluta e não isenta o órgão ambiental autuante de apresentar indício probatório suficientes de autoria e materialidade.
Logo, não é razoável que o órgão ambiental apenas lavre o auto de infração ambiental e instaure processo administrativo a partir de meras alegações de fato e transfira todo o encargo probatório para a parte autuada, porque isso afronta a paridade das armas.
Diante disso, impõe-se a aplicação do princípio da paridade de armas no processo administrativo ambiental para prestigiar o texto constitucional à medida que propõe uma solução que melhor assegura o devido processo legal — processual e substantivo —, além de primar pela imparcialidade, isonomia e paridade de armas.
[1] Manual de Direito Processual Civil – Daniel Amorim Assumpção Neves – 11a Ed.