A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, regulamentada pelo Decreto 6.514/08, prevê as sanções cabíveis ao autuado que infringir a legislação ambiental, dentre elas, a pena de perdimento, assim referida:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
Embora exista previsão legal para a pena de perdimento de bens utilizados na prática de infração ambiental, a medida deverá ser aplicada de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do disposto no art. 6º da Lei 9.605/98, que assim prevê:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
No que diz respeito à aplicação da pena de perdimento da embarcação, prevista no art. 72 da Lei 9.605/1998, é de se analisar sua proporcionalidade.
O inciso I do art. 6º da Lei 9605/98, estabelece que “para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente”, é um parâmetro para que a administração pública e o judiciário apliquem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em cada caso concreto.
Índice
Pena de perdimento e o princípio da proporcionalidade
A Lei 9.605/98 não tipifica cada uma das condutas infracionais administrativas contrárias ao direito ambiental, mas apenas define, genericamente, a infração administrativa como violação às leis de proteção ambiental, sendo, na verdade, um tipo aberto.
O Decreto 6.514/08, procurando dar um tratamento isonômico, adequou às sanções previstas na lei às diversas condutas contrárias à legislação ambiental, cominando as respectivas penalidades.
Ou seja, o Decreto 6.514/08 especificou as sanções administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, regulamentando a Lei 9.605/98, em consonância com ela e com a definição constante de seu art. 70.
Assim, a pena de apreensão e perdimento dos bens, ainda que encontre previsão expressa na Lei 9.605/98 (art. 72, IV) e no Decreto 6.514/08 (art. 2º, IV), deve levar em conta a proporcionalidade, a fim de evitar a imposição exagerada de penalidade o que constituiria abuso passível de anulação por via judicial.
O que diz a jurisprudência sobre a pena de perdimento
A jurisprudência, em que pese não ser pacífica, é no sentido de que a proporcionalidade da pena de perdimento não é razoável quando o equipamento é de elevado custo, é instrumento de trabalho e não utilizado para a prática reiterada de infração, e ainda, quando a reparação do dano e o valor da multa ambiental é mínima:
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PENA DE PERDIMENTO DE EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. NULIDADE.
1. Integralmente mantida a sentença, uma vez que a solução dada à lide – ao devidamente considerar desproporcional a pena de perdimento aplicada – encontra-se conforme aos elementos presentes nos autos e aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade.
2. Nulidade da pena de perdimento de embarcação, imposta pelo IBAMA. (TRF-4 – AC: 50019542420184047208 SC 5001954-24.2018.4.04.7208, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 26/01/2021, TERCEIRA TURMA).
ADMINISTRATIVO – APREENSÃO DE CARGA TRANSPORTADA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL – RETENÇÃO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR – PENA DE PERDIMENTO – IMPOSSIBILIDADE PARA BEM DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO DE BOA-FÉ – DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA – SENTENÇA MANTIDA.
1. A apreensão e eventual aplicação da pena de perdimento de veículo transportador pressupõe a prova da responsabilidade e má-fé de proprietário pelo ilícito administrativo ambiental. Jurisprudência consolidada no STJ e no TRF3.
2. O acervo probatório acostado à impetração indica que a parte impetrante foi regularmente contratada para a prestação de serviços de transporte e que os bens apreendidos pela prática de infração ambiental são lícitos, inexistindo, portanto, elementos suficientes para elidir a presunção de boa-fé que existe em seu favor.
3. Desproporcionalidade da pena de perdimento tendo em conta a disparidade existente entre o valor do veículo retido e o da carga transportada.
4. Não demonstrada a responsabilidade pessoal da parte apelada e considerando o princípio da proporcionalidade, impossível a retenção de veículo para a eventual aplicação da pena de perdimento.
5. Remessa oficial e recurso de apelação improvidos. (TRF-3 – ApReeNec: 00045801520134036106 SP, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, Data de Julgamento: 06/06/2018, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2018).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – DIREITO AMBIENTAL – INOVAÇÃO RECURSAL – NÃO CONHECIMENTO DE PARTE DO RECURSO – INFRAÇÃO AMBIENTAL – PERDIMENTO DO VEÍCULO UTILIZADO NA PRÁTICA DA INFRAÇÃO – DESPROPORCIONALIDADE – EVIDENCIADA – DECISÃO ANULADA – SENTENÇA REFORMADA.
Se a questão relativa à ofensa ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo administrativo sequer foi alegada na instância de origem, é certo que a referida tese não pode sequer ser conhecida, por se tratar de patente inovação recursal, o que é inadmissível, diante da afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição.
A Administração Pública ao aplicar as penalidades previstas na legislação deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, inclusive permitindo-se ao Poder Judiciário adequar as sanções aos referidos parâmetros, sem que isso implique em invasão do mérito administrativo.
À luz do caso concreto, é inequívoca a desproporcionalidade da pena de perdimento do veículo aplicada ao recorrente, seja em razão da exorbitância do valor de avaliação do bem em relação à multa administrativa, a qual, inclusive, já foi devidamente quitada pelo apelante, seja porque presentes os requisitos autorizadores da devolução do bem, na forma do art. 94 do Decreto nº 47.383/2018 e, portanto, imperiosa a reforma da sentença para anular a decisão administrativa que converteu a apreensão do veículo em perdimento.
(TJ-MG – AC: 10000212196018001 MG, Relator: Yeda Athias, Data de Julgamento: 03/05/2022, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2022).
Vale lembrar, contudo, que o auto de infração ambiental goza de presunção de legitimidade e legalidade, cabendo ao autuado demonstrar nos autos do processo administrativo ambiental as irregularidades na sua imposição e desproporcionalidade da pena de perdimento.
Deve demonstrar ainda, que a multa ambiental aplicada pelo órgão ambiental e a apreensão dos bens foram suficientes para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam, prevenir e reprimir a violação das normas de proteção ambiental, sendo desproporcional a aplicação de pena de perdimento.
Conclusão
A apreensão dos instrumentos utilizados na prática de infração ambiental é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresentaria razoável a apreensão de equipamento de elevado custo se a reparação do dano é diminuta.
Em casos assim, é de se concluir que se o dano ambiental não foi de grande monta e o bem não é utilizado como reiteração na prática de infração ambiental, a pena de perdimento de um bem que é superior ao valor do dano ou da própria multa ambiental mostra-se desproporcional.
Isso porque, na maioria dos casos, a multa aplicada pelo órgão ambiental e a apreensão dos bens relacionados diretamente com a infração são suficientes para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam, prevenir e reprimir a violação das normas de proteção ambiental.
É bem verdade que o dano ambiental, muitas vezes, não pode ser precisamente quantificado, de modo a se avaliar a adequada proporção da pena com o dano que se pretende evitar.
Todavia, há casos em que a pena de perdimento dos instrumentos utilizados para a prática de infrações ambientais mostram-se, de forma evidente, desproporcional ao dano causado.
Não fosse isso, é de se distinguir entre o instrumento criado para a prática infracional (o que revela uma ação preordenada) e aquele utilizado apenas circunstancialmente, mas que tem destinação ordinária voltada à prática de atividade lícita, como é o caso de um bem apreendido que serve também como instrumento de trabalho ao autuado.
Apesar de a apreensão do bem utilizado na prática de infração ambiental ser uma medida que encontra assento legal no art. 72 da Lei 9.605/98, sendo, portanto viável, deve-se verificar a proporcionalidade da pena de perdimento.
Para tanto, deve ser considerada a extensão do dano, os antecedentes do infrator e a proporcionalidade da medida para a aplicação da pena de perdimento, considerando a sua importância econômica em face do agente.
Portanto, ainda que a infração administrativa mereça ser mantida, diante da efetiva prova que o autuado praticou a infração, cujo auto de infração ambiental possui a presunção de veracidade e legitimidade, há de ser sopesada a pena de perdimento.
2 Comentários. Deixe novo
Claudio, houve a imputação de perdimento da madeira porque o Receptor não havia o CTF, mas o depósito ficou com o fornecedor que no momento requerido não entregou o bem apreendido (madeiras), mas pagou multa correspondente. Pode incidir reparação ambiental sendo que a decisão estabeleceu que a infração não decorreu dano ambiental?
Muito obrigada!
Roberta, há casos que o órgão propõe ação civil pública pedindo apenas a condenação ao pagamentos de indenização por danos morais e materiais ambientais, mas não reparação do dano in natura em si. Já em relação a não entrega da madeira, o órgão pode propor ação para entrega da madeira, e caso não seja localizada, a ação é convertida em perdas e danos.