A instauração da ação penal para apurar a prática de crime ambiental delimita as condutas a serem apuradas, de modo que o crime permanente fica interrompido na ação do Estado em seu direito de iniciar a repressão criminal, passando-se, após a atuação estatal, a novo delito.
Assim, na hipótese de apuração do crime ambiental permanente, com por exemplo, o do art. 48 da Lei 9.605/08, o recebimento da denúncia deve ser o marco inicial para a contagem do prazo prescricional dos fatos mencionados na denúncia.
O art. 48 da Lei 9.605/98 prevê que:
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
A consumação do referido crime ambiental, assim como ocorre com outros crimes permanentes, não se dá instantaneamente, mas, ao contrário, se protrai no tempo, pois o bem jurídico tutelado é violado de forma contínua e duradoura, renovando-se, a cada momento, a consumação do delito.
Assim, tratando-se de crime permanente, o lapso prescricional somente começa a fluir a partir do momento em que cessa a permanência, exceto se proposta a ação penal.
Crime ambiental permanente cessa com o recebimento da denúncia
O crime ambiental previsto no art. 48 da Lei 9.605/1998, utilizado como exemplo neste artigo, é crime permanente, cuja consumação se alonga no tempo em que o agente continuar impedindo a regeneração natural da vegetação afetada, sendo que o prazo prescricional se inicia somente com a cessação da permanência, nos termos do art. 111, III, do Código Penal.
Todavia, embora não tenha havido a cessação da permanência, a instauração da ação penal delimita as condutas a serem apuradas, de modo que o recebimento da denúncia deve ser tido como termo inicial do prazo prescricional dos fatos a ela anteriores.
Índice
O que diz a doutrina sobre termo inicial da prescrição
No sentido acima defendido, ensina Rui Stoco[1]:
“Voltando ao crime permanente, há situações em que, mesmo após o início da perseguição penal, continua a haver consumação, porque a conduta incriminada persiste.
Por exemplo, no crime de abandono material por falta de pagamento de pensão alimentícia, pode ocorrer que, mesmo após a instauração do inquérito policial ou da ação penal, o agente permaneça na mesma conduta anterior, de deixar de prover o cônjuge, filhos menores etc.
Na hipótese, qual o termo inicial da prescrição, se não há, na verdade, cessação da permanência? O problema não tem solução na letra da lei.
A jurisprudência, por interpretação, fixou o critério de se considerar a data do início da persecução penal para esse fim, com base em duas possibilidades: a instauração do inquérito ou da ação penal.
Parece-nos adequado o alvitre da instauração da ação penal, correspondente ao recebimento da denúncia. Isso porque os fatos ocorridos durante o inquérito podem perfeitamente figurar na denúncia.
Mas, uma vez recebida esta, os fatos a serem considerados são os pretéritos, e não os futuros (ressalvada a possibilidade de aditamento da denúncia).
Como os fatos que constituem a acusação formal já configuram, por si só, o crime permanente, a existência de condutas posteriores não pode ser levada em conta no mesmo processo.
Daí a necessidade de interromper, ainda que artificialmente, a permanência. O entendimento diverso levaria ao absurdo de se considerar que, enquanto o agente não cessar a permanência, não seria possível dar início à ação penal, porque seria necessário aguardar que cessasse a condição de consumação.
Na prática, o criminoso ficaria com o poder de impedir a persecução penal. Quer dizer, por uma questão de razoabilidade, quando a permanência não tiver cessado, apesar do inquérito e da denúncia, o termo inicial da prescrição é de ser considerado na data do recebimento da denúncia.”
Tratando-se de ação penal para apurar crimes ambientais, embora não haja evidência da cessação da permanência do crime, não se pode considerar fatos posteriores ao recebimento da denúncia para se afastar a ocorrência da prescrição, na medida em que na denúncia é o marco para delimitação dos fatos a serem apurados.
Logo, deve ser considerada a ocorrência da prescrição intercorrente, a contar do recebimento da denúncia.
Contagem da prescrição do crime ambiental permanente é a data do recebimento da denúncia
Nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, a prescrição é uma das formas de extinção da punibilidade do agente, e, antes do trânsito em julgado da sentença final, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime (art. 109, caput, do CP).
Desse modo, e considerando a orientação doutrinária[2], “como os fatos que constituem a acusação formal já configuram, por si só, o crime permanente, a existência de condutas posteriores não pode ser levada em conta no mesmo processo. Daí a necessidade de interromper, ainda que artificialmente, a permanência”.
Ainda que com certeza se alegue que, para o início do curso do prazo prescricional em crimes permanentes, necessário se faz que seja cessada a permanência do delito, o termo inicial do prazo prescricional para que o Estado tome conhecimento do fato e, talvez, ofereça denúncia, é a data que toma conhecimento do fato criminoso.
A previsão tem sentido na medida em que, em se tratando de crime permanente, até o dia em que a autoridade tomou conhecimento, estava-se cometendo o delito.
Portanto, a partir daquele momento, é que se inicia o prazo para a apuração delitiva, evitando-se a perda do direito de punir de fatos que se iniciaram muito tempo antes de sua descoberta.
A partir do momento em que toma conhecimento dos fatos, o Órgão Ministerial define a conduta do acusado, expondo-a na peça acusatória e, iniciada a relação processual com o recebimento da denúncia, delimitados estarão os fatos nela contidos – dos quais o acusado promoverá sua defesa -, não havendo que se cogitar em punição ou qualquer desdobramento de fatos que sequer constavam da inicial.
Não se ignora a possibilidade de o réu continuar na prática do crime, todavia, cabe à acusação trazer a informação aos autos e tomar as providências que entender cabíveis.
Continuada ou não a prática delituosa, o marco interruptivo do recebimento da denúncia não pode ser ignorado, ex vi do art. 117, inc. I, do Código Penal, verbis:
Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa
Afinal, a partir dele começa a transcorrer o prazo para o Estado julgar o processo dentro de um tempo limitado.
Do contrário, ignorar todos os marcos interruptivos da prescrição, na crença de que o acusado ainda permanece praticando o delito, acaba por torná-lo imprescritível no âmbito criminal, contrariando, inclusive, norma constitucional.
É bom que se diga que não se desconhece a tendência das Cortes Superiores em ampliar a imprescritibilidade de crimes, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou ser imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental ( RE 654.833 , de 24.06.2020) e a imperiosa necessidade de o Estado combater delitos de tais natureza, que afetam toda a coletividade.
Dano ambiental é imprescritível na esfera cível, não na penal
Não se pode aceitar que um crime seja permanente somente após ser descoberto pelo Estado, e continue sendo cometido, sem que os órgãos competentes tenham coibido a ação delitiva.
E mais, inadmissível que o Estado se valha de sua própria omissão, para julgar o réu no tempo que bem entender, sob o pretexto de que a prática delitiva ainda continua e, por consequência, compreenda que sequer iniciou o prazo prescricional.
Não bastasse, se não cessada a prática delituosa pelo réu ou pelo órgão fiscalizador, a partir do momento em que o Estado começa a ação penal, nos limites da exordial acusatória oferecida pelo Ministério Público, há o início do curso do prazo prescricional daqueles fatos contidos na denúncia e cometidos anteriormente a esta.
Desta forma, estarão respeitados os princípios da correlação entre a denúncia e a sentença, assim como da razoabilidade, além da garantia da duração razoável do processo.
Assim, quando não descrito na denúncia o momento em que cessou o delito de natureza permanente, a atuação estatal, por meio da propositura da ação penal, deve ser interpretada como marco delimitador da conduta apurada, sob pena de tornar a infração penal imprescritível mesmo diante da inércia do poder público, o que é inadmissível em Direito Penal.
Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci[3]:
“Embora o delito permanente esteja consumado a partir de uma única ação (ex.: sequestrar pessoa, privando-a da sua liberdade), o fato é que a subsequente omissão do agente (ex.: não soltar a vítima, após a privação da liberdade) permite a continuidade da consumação. Assim, para não haver dúvida a respeito do início da prescrição, estipulou o legislador que, enquanto não cessada a permanência (leia-se, a consumação), não tem início a prescrição. Eventualmente, em caso de não haver cessação da permanência (ex.: a vítima do sequestro não mais é localizada), começa-se a contar a prescrição a partir do início do inquérito ou do processo pelo Estado para o fim de localização da pessoa ofendida”
Em resumo, não cessada a permanência do crime ambiental, o recebimento da denúncia é considerado marco inicial para contagem do prazo prescricional.
Conclusão
Alguns crimes ambientais são considerados permanentes, cuja consumação se protrai no tempo e cessa com o fim de permanência.
Contudo, o recebimento da denúncia deve ser considerado como o marco inicial para contagem do prazo prescricional, ou seja, o recebimento da denúncia é o primeiro marco interruptivo da prescrição, ainda que se trate de crime ambiental permanente.
Assim, embora não tenha havido cessação da permanência do crime ambiental, a instauração da ação penal delimita as condutas a serem apuradas, de modo que o recebimento da denúncia deve ser tido como termo inicial do prazo prescricional dos fatos a ela anteriores.
Portanto, ainda que o crime continua sendo permanente, o recebimento da denúncia não pode ser desconsiderado como fator interruptivo da prescrição, na medida em que sempre e necessariamente a exordial acusatória vai se reportar a fatos passados, significando que a partir dela há, por assim dizer, um corte temporal na cadeia delituosa.
[1] FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 588.
[2] FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 588.
[3] Curso de Direito Penal: parte geral, arts. 1º a 120 do Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 856.