Alguns leitores e colegas advogados têm nos perguntado se o IBAMA, ICMBio e outros órgãos ambientais podem propor reconvenção em ação que busca declarar a nulidade de auto de infração ambiental ou do seu respectivo processo administrativo, baseada nos mesmos fatos narrados na inicial da declaratória, postulando a reparação integral do dano ambiental causado pelo autor da ação que passa ser o reconvindo.
Perceba-se que a reconvenção é proposta na mesma petição da contestação, ocasião em que o autor da declaratória será intimado para apresentar réplica à contestação, bem como se manifestar sobre o cabimento da reconvenção.
Ou seja, não é necessário que o autor reconvindo conteste toda a matéria alegada em sede de reconvenção, podendo se limitar a alegar seu descabimento, e caso recebida pelo magistrado, o reconvindo será citado para apresentar contestação à reconvenção.
Alguns magistrados acabam recebendo a reconvenção e determinando a citação do reconvindo (ou seja, daquele que propôs a ação declaratória) para contestar, momento no qual deve-se apresentar contestação à reconvenção impugnando toda a matéria.
Seja em réplica ou, caso recebida, o reconvindo deve demonstrar de maneira clara o descabimento de reconvenção proposta em ação declaratória na qual se busca a nulidade de auto de infração ou do processo administrativo ambiental, e caso recebida pelo magistrado, sugere-se pedido para ser reconsiderada a decisão que a recebeu, por ser manifestamente incabível nestes casos.
Índice
Impugnação à reconvenção em ação anulatória
É que, consoante o artigo 315, do Código de Processo Civil, “o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”.
Não há conexão entre a ação que visa a nulidade de auto de infração ambiental que aplicou penalidade administrativa com eventual ação de indenização por danos causados ao meio ambiente, diante da autonomia das instâncias.
Tratam-se de questões, matérias e ritos procedimentais diversos, a primeira, de Direito Administrativo, pelo procedimento comum ordinário, e a segunda, de Responsabilidade Civil Ambiental, a ser postulada através de ação civil pública (Lei 7.347/1985).
A reconvenção não pode inaugurar no processo uma lide totalmente distinta do processo inicialmente ajuizado, como ocorre no caso em que o autor ajuíza ação declaratória objetivando a nulidade de auto de infração ambiental ou do processo administrativo.
Igualmente, descabe falar em reconvenção por meio da qual o IBAMA, ICMBio ou outro órgão ambiental pretende comprovar a ocorrência de dano ambiental por conduta que não está sendo ali discutida, pois o objeto da inicial será o descumprimento de regras procedimentais ou legais para aplicação da multa administrativa.
Há, portanto, manifesta distinção e ausência de conexão entre a causa de pedir da ação original (nulidade do ato administrativo que aplicou a multa, seja por descumprimento de requisitos formais ou legais) e seu pedido (anulação do auto de infração ambiental) com a causa de pedir da reconvenção (suposto dano ambiental) e seu pedido (indenização por danos ambientais).
Ausência de conexão entre reconvenção e ação anulatória
Também é manifesta a distinção e ausência de conexão entre a matéria de defesa (legalidade do ato administrativo que aplicou a multa) e a causa de pedir e o pedido veiculado na reconvenção (suposto dano ambiental e indenização por danos causados ao meio ambiente).
Comentando o artigo 315, do Código de Processo Civil, Humberto Theodoro Júnior[1], em sua obra Curso de Direito Processual Civil, assim se manifesta:
“II – Conexão. Só se admite a reconvenção, se houver conexão entre ela e a ação principal ou entre ela e o fundamento da defesa (contestação) (art. 315, caput):
a) A conexão entre as duas causas (a do autor e a do réu) pode ocorrer por identidade de objeto ou de causa petendi.
Há identidade de objeto quando os pedidos das duas partes visam o mesmo fim (ex.: o marido propõe ação de separação por adultério da esposa e esta reconvém pedindo a mesma separação, mas por injúria grave cometida pelo esposo; um contraente pede a rescisão do contrato por inadimplemento do réu e este reconvém pedindo a mesma rescisão, mas por inadimplemento do autor).
Há identidade de causa petendi quando a ação e a reconvenção se baseiam no mesmo ato jurídico, isto é, ambas têm como fundamento o mesmo título (ex.: um contraente pede a condenação do réu a cumprir o contrato, mediante entrega do objeto vendido; e o réu reconvém pedindo a condenação do autor a pagar o saldo do preço fixado no mesmo contrato).
b) A conexão pode ocorrer entre a defesa do réu e o pedido reconvencional, quando o fato jurídico invocado na contestação para resistir à pretensão do autor, sirva também para fundamentar um pedido próprio do réu contra aquele (ex.: a contestação alega ineficácia do contrato por ter sido fruto de coação e a reconvenção pede a sua anulação e a condenação do autor em perdas e danos, pela mesma razão jurídica).”
Jurisprudência sobre reconvenção em ação declaratória de nulidade de auto de infração
Sobre o descabimento da reconvenção proposta em ação declaratória ajuizada com o objetivo de declarar a nulidade de auto de infração ambiental e de processo administrativo, a jurisprudência é a seguinte:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. RECONVENÇÃO. NÃO ADMISSÃO. SENTENÇA MANTIDA.
A reconvenção é instituto processual que tem por escopo a economia e a eficiência do processo, cuja utilização submete-se a condições de procedibilidade próprias, não sendo adequada a sua utilização em se tratando de lides que não tenham relação de conexão e que venham retardar a solução da ação originária, nos termos do que dispõe o art. 343 do CPC.
Deve-se indeferir a petição inicial relativamente à reconvenção que pretende instaurar discussão totalmente destoante do objeto da ação, que inclusive demanda instrução probatória independente e mais complexa.
Essa distinção a inviabilizar a pretensão reconvencional se evidencia ao se analisar o objeto da ação quanto à nulidade do ato administrativo pautado no poder de polícia, cuja sanção tem natureza administrativa, e àquela tratada na reconvenção, que objetiva condenação do infrator por danos difusos ao meio ambiente, de natureza eminentemente cível, afastando-se, destarte, qualquer possibilidade de conexão com o objeto da ação primeira ou ao fundamento da defesa.
Remessa necessária a que se nega provimento. Sentença mantida. (TRF-1 – REO: 00061916820114013603, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 24/03/2021, QUINTA TURMA, Data de Publicação: PJe 30/03/2021).
APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. AMBIENTAL. IBAMA. PODER DE POLÍCIA. COMPETÊNCIA DE OUTRA ESFERA. MONTANTE DA PENA PECUNIÁRIA. OBSERVÂNCIA DAS BALIZAS LEGAIS. ADVERTÊNCIA. CASOS DE MENOR LESIVIDADE. RECONVENÇÃO. REPARAÇÃO DO DANO AO MEIO AMBIENTE. INADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL. […]
Inexiste conexão entre a ação tendente a anular o auto de infração que aplicou penalidade administrativa e eventual ação de indenização por danos causados ao meio ambiente, por se tratarem de matérias e ritos procedimentais diversos, sendo a primeira de direito administrativo (procedimento comum ordinário), e a segunda, de responsabilidade civil ambiental, a ser postulada através de ação civil pública.
(TRF-4 – AC: 50048725920174047006 PR 5004872-59.2017.4.04.7006, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 04/05/2020, SEGUNDA TURMA)
Conclusão
Conquanto o CPC preveja, no artigo 343, que, na contestação, o réu poderá propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, a ação civil pública é regida por lei especial (Lei 7.347/1985).
Tal lide não contempla o instituto processual da reconvenção, dada sua específica finalidade, legitimação restrita e eficácia sentencial abrangente. Desta forma, é entendimento uníssono na jurisprudência a inadmissão da reconvenção em ação ordinária quando venha a demandar o rito da ACP diante a incompatibilidade de procedimentos.
Sobreleva notar que a reconvenção em ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental instaura formação suplementar que atenta contra a instrumentalidade, celeridade e eficiência do processo, não podendo ser admitida, sob pena ainda, de afronta o princípio da economia processual.
Portanto, eventual reconvenção apresentada pelo IBAMA, ICMBio ou outro órgão ambiental deve ser extinta diante da ausência de pressupostos processuais (incompatibilidade procedimental da reconvenção com a ação ordinária e de conexão entre elas).
[1] Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 36ª ed., pág. 345.