O embargo ambiental cautelar ou acautelatório, assim como a prisão preventiva com a qual se propõe uma reflexão, tem natureza distinta da decisão proferida em julgamento, e somente pode ser aplicado se presente elementos que revelem a efetiva indispensabilidade da medida.
E mais. Mesmo diante da existência de indícios suficientes da autoria e materialidade do ilícito ambiental, o embargo não pode ser utilizado como forma de antecipação de pena ou como decorrência automática da lavratura do auto de infração ambiental.
De fato, a medida cautelar de embargo de empreendimento ou de atividades para fins de resguardar o meio ambiente tem previsão legal, não dependendo de prévio contraditório, podendo a medida ser implementada imediatamente, diante da urgência, sem contraditório.
Entretanto, muitos embargos ambientais, da forma que são aplicados, são totalmente ilegais, sobretudo diante da ausência de motivação e contemporaneidade.
Uma simples fiscalização ambiental não é suficiente para impor embargo e paralisação de todas as atividades de uma empresa ou administrado, sem que seja devidamente especificada as circunstâncias concretas que poderiam, excepcionalmente, justificar o embargo.
Vale dizer, a medida cautelar de embargo da atividade somente pode ser utilizada quando for estritamente necessária e justificada, não podendo a autoridade fiscalizadora impor embargo ambiental, utilizando-se de motivação genérica com o objetivo de impedir a continuidade de um suposto dano ambiental e a continuidade de processos produtivos em desacordo com a legislação ambiental, se não demonstrar sua imprescindibilidade.
Daí porque a analogia do embargo ambiental com a prisão preventiva, porque ambas, enquanto medidas cautelares, além de visar o resguardo de um bem jurídico ou resultado útil do processo, privam o particular de alguma forma, e por isso são medidas excepcionais, somente aplicáveis se devidamente justificadas e necessárias.
Índice
Analogia entre embargo ambiental e prisão preventiva
As infrações administrativas ambientais possuem natureza subjetiva, assemelhando-se às penais, porque tanto o auto de infração como a denúncia ofertada pelo Ministério Público no processo penal, são peças acusatórias que apenas inauguram o devido processo legal.
Instaurado o devido processo legal, apurar-se-á o fato tido como ilícito que, ao final, pode resultar na aplicação de sanções previstas em lei, diferenciando-se nas referidas esferas apenas em relação à gravidade e a autoridade que às impõe, mas ambas são penas impostas ao indivíduo que adota um comportamento antijurídico.
Admite-se, contudo, tanto no processo administrativo ambiental como no penal, a adoção de medidas cautelares e preventivas como instrumentos processuais a serem implementados antes da condenação do infrator no processo administrativo ou do réu na ação penal, sendo imprescindível, para tanto, da presença dos requisitos legais para ser aplicada.
Embargo como medida administrativa cautelar
As medidas cautelares administrativas podem ser aplicadas pelo agente de fiscalização quando constatada a infração ambiental, para de imediato fazer cessar a infração, “prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo”, conforme dispõe o artigo 101 do Decreto 6.514/08.
O artigo 108 do mesmo diploma, especificamente dispõe que “o embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas tem por objetivo impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada, devendo restringir-se exclusivamente ao local onde verificou-se a prática do ilícito”.
Prisão preventiva é medida cautelar
Não é diferente com a prisão preventiva enquanto medida cautelar, a qual tem seus requisitos regulamentados pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, podendo ser:
“decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.
Percebe-se que o objetivo da prisão preventiva é garantir, de um lado, o interesse da sociedade em manter a tranquilidade social — que foi rompida pela periculosidade do agente pelo fundado receio de reiteração da prática criminosa e gravidade da conduta —, mas de outro, garantir os direitos constitucionais do acusado que se pretende prender antes da sentença penal.
Com efeito, mesmo diante da presença de indícios de autoria e materialidade de ilícitos penais, a prisão preventiva é medida excepcional, intimamente ligada à natureza cautelar desta espécie de segregação, somente cabível quando presentes elementos concretos e contemporâneos dos fatos justificadores dos riscos que se pretende com a prisão evitar.
Além disso, a prisão preventiva demanda decisão devidamente fundamentada que justifique a imprescindibilidade de restrição ao direito constitucional à liberdade de locomoção.
Nesse sentido, a prisão preventiva, para atender às finalidades a que a norma se dirige, deve estar justificada por circunstâncias que a tornem estritamente necessária como forma de garantia da ordem jurídica e preservação da paz social, para assegurar a aplicação da lei penal, evitar a interferência na investigação ou na instrução criminal, bem como, evitar a prática de infrações penais (art. 312 CPP).
Embargo ambiental não pode ser usado para antecipar a sanção
O embargo ambiental enquanto medida acautelatória deve estar devidamente justificado para atender a finalidade prevista na norma, qual seja, impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada (art. 108 do Decreto 6.514/08).
Entretanto, a medida cautelar, seja penal ou administrativa, não pode ser utilizada como forma de cumprimento antecipado de pena, e somente se justifica em casos excepcionais nos quais se demonstre absolutamente necessária.
Nas duas esferas, a falta de contemporaneidade do ilícito e a inocorrência de fatos novos tornam a medida ilegal, por não atender ao requisito essencial da cautelaridade.
Apesar de se tratar de esferas independentes — porém, institutos similares na medida que restringem o administrado de forma antecipada —, a prisão preventiva e o embargo ambiental, enquanto medidas cautelares ou acautelatórios, não podem assumir natureza de antecipação da pena, nem decorrer, automaticamente, da natureza abstrata do ilícito ou do ato processual praticado.
Além disso, o ato que impõe a medida cautelar, judicial ou administrativa, deve se apoiar em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair a real necessidade de restrição do investigado ou dos riscos para os meios ou os fins do processo.
A questão é que enquanto no processo penal “a urgência intrínseca às cautelares exige a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende evitar com a prisão processual” (HC 379.319/SP, STJ), no processo administrativo a imposição da medida cautelar de embargo tem sido automática — e não deveria —, independente da continuidade do dano ambiental, em total desatendimento com a norma jurídica.
Isso porque, como medida de polícia, o embargo ambiental é destinado à satisfação de finalidades específicas a garantir o resultado prático do processo administrativo, o que não se verifica, sobretudo, nos casos de situação estável, que perdura há anos.
Em casos assim, que o dano ambiental é pretérito, obviamente inexiste o perigo da demora a justificar a drástica imposição de embargo acautelatório, se afigurando nestas hipóteses como verdadeira medida sancionatória, isto é, antecipação da pena.
Se não houver correspondência entre as medidas de polícia e a finalidade para a qual foram criadas, alguns pressupostos de validade do ato administrativo não estarão preenchidos, pois as medidas cautelares devem ser destinadas a promover consequências no mundo fático.
Isso, especificamente quanto ao Direito Administrativo Sancionador Ambiental, para prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
Diferença entre embargo ambiental acautelatório e sancionatório
Vale lembrar, que de fato, o embargo ambiental previsto na legislação federal e na maioria das normas estaduais e municipais, pode ser aplicado pelas autoridades de fiscalização como medida sancionatória ou acautelatória.
A diferença é que enquanto esta é aplicada no ato da fiscalização em caráter de urgência para prevenir ou cessar a infração ambiental caracterizada, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, aquela se traduz em uma pena imposta pela autoridade competente ao final do processo administrativo, de natureza sancionatória.
Na prática, quando constada uma infração às normas ambientais, o agente de fiscalização lavra o auto de infração, que nada mais é que a peça acusatória na qual são indicadas as sanções cabíveis, dentre elas o embargo, que nesse momento ganha o status de cautelar ou acautelatório.
O embargo acautelatório ou cautelar pode ser mantido até o julgamento do processo administrativo pela autoridade competente. Se o embargo é confirmado quando do julgamento, seu status se altera para sanção.
Entretanto, o embargo, enquanto medida cautelar, não pode ser imposto como forma de se antecipar a sanção, principalmente quando lavrado como medida acessória ao auto de infração ambiental, haja vista a necessidade do contraditório e da ampla defesa e dilação probatória para apurar o ilícito.
Até porque, muitos embargos são impostos a partir de presunções de ocorrências de dano, pretéritos, inclusive, e não servem para “prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo”.
Ainda que reconhecida a importância de proteção ambiental, não se mostra razoável que ao administrado seja imposta uma situação provisória e por tempo indeterminado, cautelarmente, que restringe sua atividade ou empreendimento, muitas vezes aplicada de forma genérica e padronizada, sem a devida motivação e fundamentação que o ato administrativo exige.
Ora. Se não há a continuidade do dano ambiental (contemporaneidade), não há que se falar em embargo para cessar a infração; se o dano é pretérito, o embargo não servirá para garantir o resultado prático do processo administrativo, tão pouco para propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada, porque se comprovado, dependerá da execução de outras medidas, como elaboração e execução de Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD.
Neste último caso, aliás, o embargo pode ser mais prejudicial, sobretudo quando imposto em áreas rurais, na medida em que permitirá o crescimento de espécimes exóticas.
Medida cautelar que restringe o patrimônio do administrado
Se é verdade que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, então a imposição de embargo acautelatório — que restringe o uso de área ou desenvolvimento de atividade do administrado —, exige do agente de fiscalização a demonstração da urgência pela contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende evitar.
Seja para cessar o dano, seja para propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada, o embargo ambiental não pode ser imposto de forma automática como mero termo acessório do auto de infração ambiental.
Se não houver motivação, nem demonstração do risco concreto gerado pela infração que ainda será apurada em processo administrativo próprio, no qual deve ser assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), ou sem a indicação de circunstância contemporânea apta a respaldar a imperiosidade do embargo, a sua imposição se configurará medida ilegal, por não atender ao requisito da cautelaridade.
Apesar de ser dever do poder público a preservação e proteção do meio ambiente, sua atuação deve ser ponderada à vista das peculiaridades do caso, não podendo agir manu militari, desproporcionalmente, impondo obrigações desarrazoadas, como a indisponibilidade total e restrição dos bens do pretenso infrator, com o risco de violação flagrante do direito constitucional a atividade econômica e comprometimento da função social da propriedade.
O receio que justifica a atuação do poder geral de cautela é o que se relaciona a um dano provável, embasado em circunstâncias concretas ─ e não apenas possível ou eventual ─, e, ainda, a um perigo iminente, de forma que a espera do curso normal do processo resultaria na inutilidade do provimento.
Conclusão
Frise-se que o embargo pode ser imposto na modalidade de sanção — ao final do processo administrativo, assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa —, com previsão legal específica, cabível quando a decisão final entender que houver risco de a continuidade da atividade agravar os danos ao meio ambiente.
Porém, inexistindo a possibilidade de um dano iminente irreversível, falece razão à medida de embargo acautelatório, mormente nos casos de situação estável, que perdura há anos.
Em que pese em se tratando de preservação ambiental deva prevalecer o interesse público sobre o particular, a maioria dos embargos acautelatórios, como impostos pelos órgãos ambientais, extrapolam seu objeto e se afiguram como verdadeiras medidas que antecipam a pena eventualmente imposta ao infrator.
O fato é que quando reconhecida a ilegalidade do embargo acautelatório, o mal já está feito, tendo sido o prejudicado impossibilitado do uso dos seus bens, às vezes, por anos, décadas.
Dito isso, é de se reforçar que, o embargo acautelatório, assim como as medidas cautelares impostos no processo penal, devem estar atrelado aos requisitos previstos na norma.
Não se pode admitir que ao agente de fiscalização seja dado o poder de impor embargo por mera discricionariedade, só porque lavrou um auto de infração que será julgado não por ele, mas por uma autoridade competente com poderes para aplicar sanções por ocasião do julgamento.
Portanto, feita a analogia com a prisão cautelar e o embargo acautelatório, conclui-se que apesar de admitidos antes da condenação definitiva, são institutos excepcionais, que somente podem ser impostos quando demonstrada a sua necessidade concreta. O que não se pode confundir, é cautela com antecipação de pena.
1 Comentário. Deixe novo
Ótimo artigo sobre embargo ambiental, recomendo a leitura.