Indenização por mau cheiro. Município deve indenizar morador que sofre com alagamento. Indenização por esgoto a céu aberto. Indenização por dano moral decorrente de alagamento.
A Companhia Saneador do Estado do Rio Grande do Sul – CORSAN e o Município de Passo Fundo foram condenados a pagar, de maneira solidária, uma indenização de caráter individual, a moradores que sofrem com problemas de esgoto (mau cheiro) a céu aberto e enchentes (alagamentos), devido ao precário fornecimento do serviço de saneamento básico.
Na sentença constou:
Não é apenas falha na drenagem pluvial a causa dos danos ora reclamados. O contrato existente entre Município e Corsan é claro quanto as atribuições de cada parte. Há concorrência de responsabilidades dos integrantes do polo passivo na execução do serviço público e na fiscalização das condições do sistema de escoamento/tratamento e construções na região.
Importante mencionar que o Município e a Companhia Saneadora (CORSAN), possuem um contrato que determina que o saneamento local deve ser prestado de modo eficaz e de maneira universalizada, em toda a cidade. Daí porque a solidariedade, ou seja, a indenização pode ser cobrada de qualquer um deles.
1. Entenda o caso
Os Autores propuseram a ação relatando que residem em uma rua que fica em declive com as demais ruas do bairro, próximo a um córrego e que a princípio seria uma ótima localização para residir.
Mencionaram os Autores que sequer conseguem se alimentar, dormir, tomar um chimarrão no pátio de casa, devido ao forte odor de esgoto, gerado pelo descaso total dos Réus, e quando há chuva intensa, a água e esgoto adentram na residência, causando diversos prejuízos,
Isso ocorre, devido ao fato de que, após obras realizadas pela CORSAN no lado inverso da rua (não houve obras no lado da rua onde os autores residem) e toda vez que chove, a água e esgoto que descem pelo lado da rua, adentrando na casa dos Autores, causando problemas e prejuízos constantes. Inclusive já houve reportagens denunciando o problema, mas até a presente data ainda não houve solução pelos Réus.
Nesse diapasão, os Autores vêm sofrendo diversos danos causados, decorrentes da displicência e falta de respeito dos Réus para com os moradores daquela localidade, uma vez que, mesmo após diversas reclamações e movimento dos moradores, nada foi feito.
A chuva, juntamente com o esgoto da região adentram a residência, causando diversos transtornos, dentre eles a danificação dos móveis, rachaduras nas paredes, mofo por toda a residência, além do sofrimento na tentativa de tirar a água com baldes e vassouras após a parada das chuvas.
Tal situação perdura anos, sendo simplesmente insuportável aos Autores, pois toda vez que chove, os mesmos ficam angustiados, ansiosos e com medo do prejuízo que a intensidade da chuva pode causar.
A sensação da família, é de pânico quando sabem que a previsão é de chuva, devido aos autos riscos de serem contaminados por doenças graves, dentre elas leptospirose. Como se não bastasse já aconteceu de vários membros da família não conseguirem ir trabalhar, ou ainda, não conseguir entrar na residência, tamanha a proporção de água que estava dentro da residência.
Os Autores mencionaram ainda, que buscaram ajuda junto aos Réus, sendo que são simplesmente ignorados, sendo que incalculáveis danos foram causados a eles, tanto materiais como morais. Este problema é resultado da má organização do saneamento do local.
Com o aumento das chuvas, os canos, que já são antigos, não conseguem fluir normalmente os dejetos, fazendo com que, os mesmos entupam o encanamento e provoquem os danos relatados, sendo esses danos de grande abalo monetário e moral aos Autores.
Toda a população circundante corre o risco de contaminação por diversas doenças, transmitidas por ratos, e proliferadas pelas más condições de saneamento básico, além do odor, decorrente do esgoto, dentre vários outros problemas gravíssimos também, que comprovam a calamidade no local.
A sentença julgou procedente as demandas, condenando solidariamente a CORSAN e o Município ao pagamento de indenização por dano moral decorrente de mau cheiro e alagamento.
Os réus recorreram, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação por entender que estariam pressupostos
2. Leia a íntegra do Voto do Relator
[…] O cerne da questão é a origem do mau cheiro. Nesse sentido, a prova dos autos é clara. Não é apenas falha na drenagem pluvial a causa dos danos ora reclamados. O contrato existente entre Município e Corsan é claro quanto as atribuições de cada parte. Há concorrência de responsabilidades dos integrantes do polo passivo na execução do serviço público e na fiscalização das condições do sistema de escoamento/tratamento e construções na região.
Quanto ao ponto, adoto como razões de decidir o Parecer do Ministério Público, muito bem lançado pela Procuradora Ivete Brust (Evento 11): (…).
2.1. Da responsabilidade da CORSAN e da culpa concorrente dos autores:
Em relação à legitimidade da CORSAN para figurar no polo passivo da demanda bem como à sua responsabilidade em indenizar os alegados danos enfrentados pelos autores, não merece qualquer reparo a sentença de primeiro grau. Isso porque, diferentemente do defendido pela recorrente adesiva, o evento danoso narrado na peça portal não diz respeito, exclusivamente, à ausência de drenagem pluvial, mas ao mau cheiro provocado pela omissão no devido tratamento do esgoto.
Dessa forma, tendo em vista o objeto do contrato de concessão pactuado entre os réus, não há como afastar a legitimidade e a responsabilidade da demandada CORSAN no caso dos autos. Cabe, inclusive, transcrever trecho do pacto em questão, que aponta o objeto da concessão (Evento 2 – SENTENÇA77 – do processo de origem). In verbis:
“[…] exploração, execução de obras, ampliações e melhorias, com a obrigação de implantar, fazer, ampliar, melhorar, explorar e administrar, com exclusividade, os serviços de abastecimento de água potável e esgoto sanitário, na área urbana da sede do município, áreas rurais contínuas ou aglomerados urbanos localizados na zona rural, devidamente identificados na cláusula quinta, incluindo a captação, adução de água bruta, tratamento, adução de água tratada, distribuição e medição do consumo de água, bem como a coleta, transporte, tratamento e destino final de esgoto […]”
Ademais, diante da efetiva comprovação nos autos acerca da má prestação do serviço, do resultado danoso aos autores e do nexo de causalidade, por meio dos depoimentos, das matérias jornalísticas e do expediente administrativo, resta clara a responsabilidade solidária dos réus.
Todavia, como bem demonstrado na decisão guerreada e no parecer ministerial de primeiro grau, verifica-se a ocorrência de culpa concorrente na situação ora em análise, uma vez que a ausência de fossa séptica e a construção irregular do imóvel devem ser atribuída aos demandantes, ainda que a omissão na fiscalização seja de responsabilidade dos requeridos.
No particular, cumpre também colacionar excerto do parecer do Ministério Público em atuação na origem, da lavra do Ilustrado Promotor de Justiça, Dr. Marcelo Juliano Silveira Pires (Evento 2 – PROMOÇÃO63 – do processo de origem):
“Há que se ressaltar que o evento danoso é causado pela concorrência de culpa, do Município de Passo Fundo, da CORSAN e, particularmente, por parte dos autores. Esses contribuem de forma significativa para gerar o mau cheiro, pois além de construírem sua casa em área de preservação ambiental, de forma irregular, não possuem fossa séptica para tratamento individual do esgoto.”
Dessa forma, tem-se que deva ser totalmente desprovido o recurso adesivo da CORSAN, não merecendo acolhimento a irresignação dos autores quanto à culpa concorrente verificada pela sentença. (…).
No que diz com o quantum indenizatório, cito magistério de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:
Impõe-se a rigorosa observância dos padrões adotados pela doutrina e jurisprudência, inclusive dentro da experiência registrada no direito comparado para evitar-se que as ações de reparação de dano moral se transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e injustificáveis.
As duas posições, sociais e econômicas, da vítima e do ofensor, obrigatoriamente, estarão sob análise, de maneira que o juiz não se limitará a fundar a condenação isoladamente na fortuna eventual de um ou na possível pobreza do outro. (Dano Moral, Editora Juarez de Oliveira, 2ª edição, 1999, p. 43).
Inexistindo outra forma de determinar o quantum compensatório que não o arbitramento, os critérios do julgador devem se balizar pela prudência e equidade na atribuição do valor, moderação, condições da parte ré em suportar o encargo e a não aceitação do dano como fonte de riqueza, cumprindo atentar-se, ainda ao princípio da proporcionalidade.
No mesmo sentido, o ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 7ª edição, Ed. Atlas, 2007, fl. 90, disserta sobre os critérios para fixação de indenização, a saber:
Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro.
A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. (…)
Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.
No particular, em casos que guardam semelhante colorido fático, ainda que em outro Município, o colendo 5º Grupo Cível deste Tribunal (9ª e 10ª Câmaras Cíveis) assim vem decidindo:
Ementa: APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO A CÉU ABERTO. MAU CHEIRO. CONDIÇÕES INSALUBRES. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. (…) QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. Em atenção aos parâmetros estabelecidos pela doutrina e jurisprudência pátrias para a fixação do montante indenizatório, atento às particularidades do caso concreto, o quantum indenizatório, acrescido de correção monetária e juros moratórios legais, se mostra razoável e proporcional. (…) APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70076599885, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 30/05/2018)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO. IRREGULARIDADES NA CONSTRUÇÃO. MAU CHEIRO. PROLIFERAÇÃO DE VETORES. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. PRECATÓRIO E JUROS APLICADOS À FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. (…) Quantum indenizatório (…) APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077000917, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 25/04/2018)
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. CORSAN. MAU CHEIRO, DANO MORAL. QUANTUM. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA. – (…) – Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor fixado em sentença (…), observando os parâmetros desta Câmara. (…) DERAM PROVIMENTO EM PARTE À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70077013340, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 25/04/2018.
Assim, tenho que a quantia fixada em sentença deva ser mantida para cada demandante. Sobre o montante deverá incidir correção monetária e juros de mora na forma em que fixados na origem.
Ressalto, ainda, a impropriedade da majoração da indenização também fundada na concorrência de culpa dos próprios demandantes, que construíram suas residências em área de preservação ambiental, sem a devida autorização da municipalidade que, como supramencionado, falha na fiscalização. […]
Isso posto, voto por negar provimento aos recursos.”
3. Conclusão
Por fim, destaca-se que o valor da indenização levou em consideração a melhoria dos problemas no decorrer da demanda, a qual mostrou a boa-fé dos Réus que buscaram sanar o problema, objeto da demanda.
Isto é, o plano de fundo da ação não era apenas buscar a indenização por dano moral pelo mau cheiro e alagamento, mas também compelir os réus a adotaram as medidas necessárias para evitar que os moradores continuassem sofrendo com mau cheiro e alagamentos.