Justiça aceita pedido da defesa em ação declaratória de nulidade de ato administrativo e suspende execução fiscal de multa ambiental proposta pelo IBAMA sem necessidade de garantir o juízo.
Após cientificada da lavratura do auto de infração ambiental, a Autora (autuada) ofereceu defesa administrativa negando a prática da infração ambiental, e demonstrando nos autos do processo administrativo suas alegações.
A manifestação instrutória da autoridade ambiental que analisou a defesa administrativa foi realizada, limitando-se, pois, a arguir que não havia como comprovar as alegações da Autora e sugeriu a redução do valor da multa imposta de R$ 130.000,00.
A intimação para apresentação de alegações finais foi realizada através do Edital, mas a Autora não teve conhecimento do ato e os autos seguiram para julgamento, que julgou procedente e homologou o auto de infração, mantendo a multa no valor de R$ 130.000,00, sem qualquer motivação.
Em ato subsequente, a autuada foi notificada da decisão, em que constou o prazo para pagamento da multa ambiental ou para interposição de recurso administrativo, sob pena de ser inscrita em dívida ativa e cobrada através de execução fiscal.
A autuada não apresentou recurso nem efetuou o pagamento da multa ambiental, razão pela qual foi inscrita em dívida ativa e ajuizada execução fiscal para satisfação do crédito da Fazenda Pública.
E, apesar de grande parte da jurisprudência entender pela obrigatoriedade de garantia de juízo, a liminar foi deferida sem tal necessidade, acolhendo pedido da defesa, visto que defendido a inconstitucionalidade da garantia do juízo.
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Índice
1. Teses de defesa contra o auto de infração ambiental
Como visto, optou-se pelo ajuizamento de ação declaratória de nulidade de ato administrativo para que se pudesse produzir provas em face do auto de infração ambiental lavrado pelo IBAMA que resultou na aplicação de multa ambiental, que, atualizada, ultrapassa R$ 273.000,00. Para tanto, foram levantadas as teses de defesa a seguir.
1.1. Nulidade do auto de infração por ausência de motivação e não indicação dos parâmetros da dosimetria do valor da multa
Em obediência ao princípio da motivação dos atos administrativos, expresso no art. 2º, caput, da Lei 9.784/99, e no art. 1º, caput, inciso II e parágrafo único, art. 5º, incisos XXXV e LIV e 93, inciso X, todos da Constituição Federal, devem os atos editados pela Administração Pública serem motivados, sob pena de nulidade do ato, principalmente quando imporem ao administrado penalidades administrativas.
No entanto, no exame do ato administrativo que impôs elevada multa a autora, verificou-se que embora a conduta infratora lá estivesse descrita, não havia no campo referente a penalidade aplicada qualquer motivação ou fundamentação do agente autuador quanto aos parâmetros utilizados para se alcançar o valor indicado a título de multa.
Por esse motivo, foi requerida a declaração de nulidade integral do auto de infração, pois o vício existente contaminou todo o ato administrativo, cuja finalidade principal é a aplicação da penalidade pecuniária, não tendo razão de ser a manutenção deste de forma parcial, apenas para reconhecer a existência de infração ambiental.
1.2. Nulidade do processo administrativo por ausência de motivação da decisão julgadora
Outra tese levantada discutida nos autos da ação declaratória, foi a nulidade integral do processo administrativo por ausência de motivação da decisão que impôs a penalidade, sobretudo quanto ao não enfrentamento das alegações da Autora apresentadas em sede de defesa.
É que as decisões das autoridades ambientais proferidas em processos administrativos instaurados para apuração de infração ambiental, devem ser motivadas, e no caso, quando homologou o auto de infração, a Autoridade Julgadora não motivou sua decisão concordando com fundamentos de anterior parecer e informações.
Prova disso, foi que a manifestação instrutória que sugeriu a redução do valor da multa, sequer foi mencionada na decisão julgadora, o que evidenciou que a decisão julgadora foi proferida de forma genérica e padronizada, o que viola o princípio da motivação.
1.3. Imprecisão dos dados que embasaram a lavratura do auto de infração
Também foi constado vício quanto à imprecisão dos dados lançados no auto de infração, em razão das divergências entre o próprio auto, laudos e ofícios, que impossibilitavam o dimensionamento do suposto dano ambiental.
Para imposição de penalidade, o auto de infração deve conter todas as informações essenciais para que se possa determinar com razoabilidade e proporcionalidade o valor da multa, e, portanto, sua gravidade e gradação. Sem essa acurada análise, a aplicação de sanções torna-se arbitrária e ilegal e viola frontalmente as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Logo, esse vício da imprecisão dos dados que embasaram o auto de infração também é motivo para a declaração de nulidade do ato administrativo e seu respectivo processo, pois inviável a impugnação racional dos fatos que determinam a materialidade da infração e o valor da multa.
1.4. Nulidade do processo administrativo por ausência de relatório de fiscalização
A Instrução Normativa IBAMA 10 de 07.12.2012, vigente à época dos fatos e somente revogada em 29 de janeiro de 2020 pela Instrução Normativa Conjunta 2, expressamente dispunha que ao agente autuador compete elaborar o relatório de fiscalização, o qual instruirá o processo.
No caso, porém, ao analisar os autos do processo administrativo, constatou-se que não havia Relatório de Fiscalização, o qual deveria ter sido elaborado pelo agente autuador do IBAMA, devendo constar elementos suficientes a caracterização da infração.
A ausência de tais elementos, em especial a descrição clara e inequívoca da irregularidade imputada e as circunstâncias consideradas para a fixação do valor da multa, macula o processo administrativo por não se oportunizar ao autuado o adequado exercício da ampla defesa à autuada.
1.5. Intimação para apresentar alegações finais por edital resultou em prejuízo à defesa
Como mencionado, após a manifestação instrutória que analisou a defesa administrativa, o IBAMA intimou a Autora para apresentação de alegações finais através do Edital, violando o princípio do devido processo legal e limitando o direito do interessado.
Isso porque, a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, estabelece, no §3º e §4º do art. 26, que a intimação deve ser feita por meio que assegure a certeza da ciência do interessado, e, quando estes forem indeterminados, desconhecidos, ou tenham domicílio indefinido, a intimação deverá ser efetuada por meio de publicação oficial.
É dizer, a notificação por edital constitui exceção à regra de notificação pessoal ou postal, cabível somente quando frustradas tais tentativas de intimação do autuado, ou quando estiver ele em lugar incerto e não sabido.
Assim, constatamos a existência de mais essa irregularidade no processo administrativo, pois apesar de possuir o endereço, o IBAMA optou por notificar a Autora para apresentação das alegações finais por meio de edital, hipótese excepcional que só pode ser utilizada quando frustradas as demais modalidades previstas na legislação, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
1.6. Responsabilidade administrativa ambiental é de índole subjetiva
Não se pode confundir o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil ambiental, pois a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, ou seja, exige demonstração de que a conduta foi cometida pelo alegado transgressor, além de prova do nexo causal entre o comportamento e o dano, conforme pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ nos autos dos embargos de divergência no REsp 1.318.051.
No caso, constatamos ainda que a responsabilidade administrativa da Autora não restou adequadamente comprovada, porque, além de negar a prática da conduta, apresentou prova cabal nos autos de que sua atividade estaria regular.
Importante destacar, que a mera lavratura de auto de infração ou condição de proprietário não comprova que os pressupostos, ou seja, demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e o dano estão presentes, sobretudo quando os fatos narrados pelo agente que lavrou o auto de infração é apenas suposto, e não comprovado, como exige a teoria da responsabilidade subjetiva.
Logo, concluímos que o IBAMA não logrou êxito em comprovar a responsabilidade administrativa da Autora, a qual exige demonstração de que a conduta foi cometida pelo alegado transgressor, além de prova do nexo causal entre o comportamento e o dano, e por isso, também requeremos que o auto de infração ambiental fosse declarado nulo.
2. Desnecessidade de garantia do juízo para suspensão da execução fiscal
Como dissemos no início, tramita contra a autora da ação declaratória de nulidade de ato administrativo (auto de infração), uma execução fiscal movida pelo IBAMA para satisfação de crédito não tributário inscrito em dívida ativa decorrente do mesmo auto de infração discutido.
Ocorre que foi imposto restrição no veículo da autora e os atos de avaliação e penhora estão em andamento, de modo que a suspensão de tais atos somente é admitida, por grande parte da jurisprudência, quando houver a garantia do juízo, conforme previsão do parágrafo 1° do art. 16 da Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal).
Tal previsão normativa estabelece que a garantia do juízo é condição essencial para a suspensão da execução fiscal, de maneira que, uma vez não oferecida, como no caso, a medida (tanto pela via de conhecimento como nos embargos) poderia ser indeferida.
Porém, quando ajuizamos a ação declaratória com pedido de suspensão da execução fiscal, defendemos que a Constituição Federal de 1988, que assegura a todos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa, não foi recepcionada pela referida norma de 1980.
Desse modo, concluímos que a exigência de garantia do juízo para ajuizamento de demanda que visa suspender execução fiscal, não foi recepcionada pela nova Ordem Constitucional de 1988, razão pela qual pugnamos, no controle difuso, pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 16, §1º da Lei 6.830/80.
Vale destacar, que no controle difuso, não se recorre ao Judiciário com o objetivo principal de se ver declarada uma inconstitucionalidade; nela, aquele que a levanta, busca a defesa de um interesse subjetivo, passando este, antes, incidental e acessoriamente, pela inconstitucionalidade da lei suporte da pretensão, não sendo, pois, esse o objetivo principal da ação.
3. Conclusão
Diante do apresentado na ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental, a liminar foi deferida suspendendo a execução fiscal ajuizada pelo IBAMA contra a autora, pois restou demonstrado a existência de elementos que evidenciaram a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano e risco ao resultado útil do processo.
Também foi demonstrado a inaplicabilidade do art. 16, §1º da Lei 6.830/80, cuja inconstitucionalidade pode ser reconhecida em controle difuso, de maneira incidental e como condição necessária para solução da lide, não sendo, pois, esse o objetivo principal da ação.
Assim, restou concedida a tutela antecipada de urgência, sem a garantia do juízo. Ao contrário, a autora precisaria garantir o juízo com o valor que hoje, atualizado, ultrapassa R$ 283.000,00.
Contra a decisão que deferiu a liminar ainda cabe recurso, e o processo será instruído e seguirá para julgamento definitivo com boas possibilidades de a decisão liminar deferida ser confirmada, visto que o processo administrativo realmente está maculado por diversos vícios que impedem a pretensão do IBAMA de cobrar a multa ambiental.