Se durante a instrução do processo por crime ambiental não houver dúvida sobre o bioma desmatado e seu estágio de regeneração, poderá haver a dispensa da prova pericial.
Para tanto, necessários que os depoimentos da autoridade de fiscalização ambiental confirmem terem encontrado vestígios da supressão de vegetação, e no caso do Bioma Mata Atlântica, qual seu verdadeiro estágio de regeneração — o que depende, para nós, de que o depoente tenha qualificação técnica específica, não bastando mera condição de servidor público.
Além do mais, deve existir nos autos, fotografias e relatórios confeccionados pela fiscalização ambiental durante a ocorrência, bem como, auto de infração ambiental dando conta da supressão ou destruição de vegetação, aliados à confissão da parte acusada.
Portanto, se existentes tais provas nos autos, a autoridade judiciária poderá considerá-las suficientes para ocorrência e autoria do crime ambiental, dispensando a realização de perícia, o que impõe muita cautela na condução da defesa do acusado.
Em se tratando de infração que deixa vestígios, a realização da perícia ambiental que verifique a existência do dano ao bem jurídico é essencial para a configuração da justa causa para a ação penal, o que decorre diretamente do disposto no art. 158 do Código de Processo Penal.
Diante da ausência de justificativa para a não realização da referida perícia, as demais provas e documentos colhidos pela autoridade de fiscalização ambiental, em que pese a sua relevância probatória, não são suficientes para embasar uma decisão condenatória por crime ambiental.
Especificamente no caso de supressão de vegetação, sem a realização de perícia não é possível determinar se a vegetação supostamente destruída fazia parte do Bioma protegido.
Da mesma forma, não se pode verificar se as demais supressões ocorreram em área de preservação permanente.
Nos casos do Bioma Mata Atlântica, em especial, a perícia é fundamental para comprovar se a vegetação destruída era primária ou secundária, além do estágio de regeneração em que se encontrava quando de sua supressão.
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Cuidado: materialidade pode ser suprida com outros meios de prova
Há casos em que a autoria e a materialidade aparentemente fica comprovada por depoimentos testemunhais colhidos extra ou judicialmente, confissão da parte acusada, imagens do alegado dano e demais documentos elaborados pela autoridade de fiscalização, o que, para nós, não estampa de forma clara a materialidade do crime ambiental.
Ordinariamente, nos delitos que deixam vestígios, a realização de exame pericial faz-se necessária. A regra, todavia, não é absoluta, consoante exegese dos arts. 156 e 167, ambos do Código de Processo Penal, de modo que não se descarta a comprovação da materialidade por outros meios legais, como já deliberou o Superior Tribunal de Justiça:
Resta suficientemente demonstrada a materialidade delitiva com base na notícia de infração penal ambiental, no auto de infração ambiental, no termo de embargo, no levantamento fotográfico, no auto de constatação, bem como nos depoimentos dos policiais militares que evidenciam o corte de árvores nativas do Bioma Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, sendo dispensável a elaboração de laudo por perito oficial mormente se os autores provocaram incêndio na floresta para a limpeza do local, comprometendo assim os vestígios deixados pelo delito e impossibilitando ou dificultando a perícia (AgRg no REsp 1.601.921, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 6.9.16).
Logo, excepcionalmente, admite-se a não realização de prova pericial quando não houver margem a nenhuma incerteza de que o acusado praticou o crime ambiental, cuja materialidade pode ser extraída de documentos e depoimentos.
Crime ambiental do artigo 38-A
O art. 38-A da Lei 9.605/98 é norma penal em branco homogênea, pois a definição do objeto material da conduta proibida (“vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica”) remete o intérprete à legislação extrapenal oriunda da mesma fonte legiferante.
O art. 2º da Lei 11.428/06 dispõe que se:
“consideram integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste”.
Tais “formações florestais nativas e ecossistemas associados”, no que diz respeito ao tipo de vegetação (se primária ou secundária), são conceituadas pela Resolução 4/94 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), em seus arts. 1º e 2º, os quais contam com a seguinte redação:
Art. 1º: vegetação primária é aquela de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos das ações antrópicas mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies, onde são observadas área basal média superior a 20,00 m²/ha, DAP médio superior a 25 cm e altura total média superior a 20 m.
Art. 2º: vegetação secundária ou em regeneração é aquela resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer árvores remanescentes da vegetação primária.
A mesma resolução trata dos estágios de regeneração no art. 3º, e as informações colhidas na diligência que ocasionou a confecção do auto de infração ambiental coincidem com caracteres que definem o estágio intermediário a avançado de recuperação:
I – Estágio inicial de regeneração:
a) Nesse estágio a área basal média é de até 8 metros quadrados por hectare;
b) Fisionomia herbáceo/arbustiva de porte baixo; altura total média até 4 metros, com cobertura vegetal variando de fechada a aberta;
c) Espécies lenhosas com distribuição diamétrica de pequena amplitude: DAP médio até 8 centímetros;
d) Epífitas, se existentes, são representadas principalmente por líquens, briófitas e pteridófitas, com baixa diversidade;
e) Trepadeiras, se presentes, são geralmente herbáceas;
f) Serapilheira, quando existente, forma uma camada fina pouco decomposta, contínua ou não;
g) Diversidade biológica variável com poucas espécies arbóreas ou arborescentes, podendo apresentar plântulas de espécies características de outros estágios;
h) Espécies pioneiras abundantes;
i) Ausência de subosque;
j) Espécies indicadoras: […]
II – Estágio médio de regeneração:
a) Nesse estágio a área basal média é de até 15,00 metros quadrados por hectare;
b) Fisionomia arbórea e arbustiva predominando sobre a herbácea podendo constituir estratos diferenciados; altura total média de até 12 metros;
c) Cobertura arbórea variando de aberta a fechada, com ocorrência eventual de indivíduos emergentes;
d) Distribuição diamétrica apresentando amplitude moderada, com predomínio dos pequenos diâmetros: DAP médio de até 15 centímetros;
e) Epífitas aparecendo com maior número de indivíduos e espécies em relação ao estágio inicial, sendo mais abundantes na floresta ombrófila;
f) Trepadeiras, quando presentes, são predominantemente lenhosas;
g) Serapilheira presente, variando de espessura, de acordo com as estações do ano e a localização;
h) Diversidade biológica significativa;
i) Subosque presente;
j) Espécies indicadoras: […]
III – Estágio avançado de regeneração:
a) Nesse estágio a área basal média é de até 20,00 metros quadrados por hectare;
b) Fisionomia arbórea dominante sobre as demais, formando um dossel fechado e relativamente uniforme no porte, podendo apresentar árvores emergentes; altura total média de até 20 metros;
c) Espécies emergentes ocorrendo com diferentes graus de intensidade;
d) Copas superiores horizontalmente amplas;
e) Epífitas presentes em grande número de espécies e com grande abundância, principalmente na floresta ombrófila;
f) Distribuição diamétrica de grande amplitude: DAP médio de até 25 centímetros;
g) Trepadeiras geralmente lenhosas, sendo mais abundantes e ricas em espécies na floresta estacional;
h) Serapilheira abundante;
i) Diversidade biológica muito grande devido à complexidade estrutural;
j) Estratos herbáceo, arbustivo e um notadamente arbóreo;
k) Florestas nesse estágio podem apresentar fisionomia semelhante à vegetação primária;
l) Subosque normalmente menos expressivo do que no estágio médio;
m) Dependendo da formação florestal pode haver espécies dominantes;
n) Espécies indicadoras: […]
Conclusão
Como visto, se não houver dúvida de que a área desmatada era composta por vegetação do Bioma Mata Atlântica, bem como, se primária ou secundária e qual seu estágio de regeneração, poderá haver a flexibilização das normas que determinam a realização de prova pericial.
Para tanto, necessários que os depoimentos da autoridade de fiscalização ambiental confirmem terem encontrado vestígios da supressão de vegetação, e no caso do Bioma Mata Atlântica, qual seu verdadeiro estágio de regeneração — o que depende, para nós, de que o depoente tenha qualificação técnica específica, não bastando mera condição de servidor público.
Além do mais, deve existir nos autos, fotografias e relatórios confeccionados pela fiscalização ambiental durante a ocorrência, bem como, auto de infração ambiental dando conta da supressão ou destruição de vegetação, aliados à confissão da parte acusada.
Portanto, se existentes tais provas nos autos, a autoridade judiciária poderá considerá-las suficientes para ocorrência e autoria do crime ambiental, dispensando a realização de perícia, o que impõe muita cautela na condução da defesa do acusado.