Os animais silvestres apreendidos, especificamente no caso do Ibama são, em geral, encaminhados aos Centros de Triagem de Animais Silvestres – Cetas, locais mantidos pela Autarquia Ambiental e aptos a receber os animais apreendidos, resgatados ou entregues espontaneamente pela população.
Nele, há servidores federais formados em Biologia, Gestão Ambiental, Medicina Veterinária e ainda técnicos ambientais que trabalham de modo especializado, com assistência e parcerias com universidades, faculdades, hospitais e clínicas veterinárias e também outros órgãos públicos, realizando excelentes trabalhos de reabilitação de animais silvestres provenientes de cativeiro.
Nos Cetas do Ibama, os animais apreendidos são mantidos saudáveis, alimentando-se adequadamente, o que lhes garante os primeiros passos em busca de uma vida livre, e afasta o mito de que, uma vez separado de seu possuidor, o animal invariavelmente morreria.
Além disso, as técnicas e os conhecimentos científicos aplicados nos processos de treinamento e reabilitação do Cetas garantem significativas chances aos animais silvestres de reverter o quadro comumente identificado no animal de uma indesejada “domesticação”.
Comércio de animais da fauna silvestre
A Lei 5.197, de 03 de janeiro de 1967, que trata da proteção à fauna, proíbe, em seu artigo 3º, o comércio (e via de consequência a guarda irregular) de espécimes da fauna silvestre, excetuando apenas “os espécimes provenientes de criadouros devidamente legalizados”.
Merece destaque o fato de que o tráfico de animais silvestres, uma das principais causas da perda de biodiversidade e extinção de espécies no Brasil, é alimentado pelo mercado consumidor desses animais.
Cada pessoa que adquire, ganha, ou mantém animal proveniente da natureza colabora com esse ciclo nefasto que poderá resultar, por fim, na perda de um patrimônio natural irreparável e fundamental ao saudável modo de vida do próprio ser humano e da população brasileira.
Com a finalidade de diminuir o risco de tráfico de animais silvestres, considerado o terceiro negócio ilícito mais rentável do planeta[1], o Brasil tornou-se signatário da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES. Esta convenção possui 3 apêndices que dividem as espécies quanto ao grau de ameaça.
Animal silvestre em cativeiro entregue espontaneamente
Cabe destacar que muitos dos mitos gerados sobre os efeitos da separação do animal daquele que o mantém cativo estão baseados na interpretação antropocêntrica e humanizadora do comportamento desses animais.
Alega-se, por exemplo, que os animais criados em cativeiro não conseguem sobreviver na natureza. Contudo, espécimes da fauna silvestre provenientes de entrega espontânea de populares são encaminhados diariamente aos Cetas, presentes em todo o território nacional, que lhes garantem uma reabilitação adequada.
Há muitos casos de animais que permaneceram durante dezenas de anos em posse de uma pessoa, e que, após a entrega e com assistência técnica correta que é praticada pelos Centros, formaram grupos com os demais animais da mesma espécie obtendo, inclusive, sucesso reprodutivo pós-soltura.
Os registros dos Cetas mostram que os animais, com técnicas científicas, porém de execução relativamente simples, assim que agrupados com seus semelhantes, perdem gradativamente os hábitos artificiais e humanizados que adquiriram ao longo da vida em cativeiro doméstico e “reaprendem” os hábitos inerentes à vida silvestre, formando casais e procriando.
Após o trabalho de reabilitação, muitos desses animais se tornam aptos ao retorno à natureza, oferecendo uma oportunidade de recomposição da fauna silvestre extremamente prejudicada pela sua retirada predatória.
A título de exemplo, o Relatório Consolidado Geral dos Cetas referente ao ano de 2013, informa que os 25 Centros do Ibama receberam 61.990 animais entre aves, répteis, mamíferos, peixes e anfíbios, provenientes de apreensões, entregas voluntárias e resgates e realizaram 35.675 solturas, correspondentes a 57,54% dos animais recebidos.
Em situações nas quais os animais não são considerados aptos à soltura, eles podem participar dos programas de conservação, por meio da produção de descendentes, que poderão ser utilizados em projetos de soltura ou de conservação em cativeiro.
Ainda podem ser destinados a programas de pesquisa para aumentar o conhecimento científico da espécie e de suas funções ecológicas.
O fato é que animais isolados em cativeiro doméstico estão mortos para a natureza e não cumprem seu papel biológico importante, sendo necessária a reversão desse quadro.
Permanecendo com o infrator, esses animais estão perdidos, visto que não há um compromisso do homem com a conservação das espécies, sendo bastante difícil a reprodução de animais em cativeiro sem o auxílio de técnicas científicas e manejo apropriado.
Animal silvestre bem cuidado em guarda domiciliar
É necessário entender que a usual alegação do infrator de que o animal silvestre estava bem cuidado em guarda domiciliar, nem sempre reflete a realidade para a saúde do animal.
Com frequência, o que se constata, são animais com a alimentação inadequada para a espécie, ou desbalanceada, ocasionando-lhes problemas de saúde.
Por serem considerados animais de estimação, sua alimentação e comportamento são descaracterizados e indevidamente humanizados.
Com muita frequência, o que se vê é animais em hospitais veterinários, inclusive sendo diagnosticados com obesidade, gota úrica, pólipo lipídico, alopecia (doenças causadas por uma má nutrição) e até auto-mutilação e alopecia (causadas por estresse).
Adicionalmente, a ausência de espaço próprio para os animais, que muitas vezes são mantidos em quintais com as penas ou asas cortadas, amarrados, ou nunca estimulados a voar para não “fugir”, ocasiona atrofia muscular em decorrência da falta de exercícios físicos.
Impedir o voo do animal, no caso das aves, um de seus instintos mais básicos, certamente não condiz com a ideia de que o animal “é tratado como um filho”, já que o mesmo tratamento a um humano equivaleria ao cárcere privado.
Animal silvestre identifica possuidor como parceiro
Nos casos em que o animal identifica o seu possuidor como o seu parceiro (ocasionado pelo imprinting, isto é, uma “estampagem” de comportamento que o possuidor lhe aplica ao mantê-lo), este animal tentará inutilmente a cópula com o ser humano.
Várias são as evidências comportamentais que comprovam esta afirmação, mas que são erroneamente interpretados pelos leigos no assunto como comportamento “dócil” e “belo”.
Vê-se, diante disso, que a concessão de guarda doméstica de animais silvestres é uma forma de legalizar o ilícito, incentivando inclusive mais pessoas a cometerem a mesma infração, com o fim de conseguir a suposta “legalização” da guarda.
Além de tudo isso, importa destacar que os animais silvestres podem ser fontes de infecção de algumas zoonoses quando criados em cativeiro[2].
O que se sabe é que animais silvestres são vetores de doenças com impactos sérios na saúde humana, e os animais provindos do tráfico não recebem o cuidado necessário.
A psitacose e a influenza são dois exemplos de enfermidades que se encontram nas aves silvestres e causam pneumonias atípicas[3].
Concessão de guarda doméstica definitiva
A concessão da guarda doméstica, em caráter definitivo, de um animal silvestre, ao arrepio da lei, traz malefícios ao animal, à sociedade brasileira e à conservação do meio ambiente, finalidade última da Constituição da República de 1988.
O lugar dos animais silvestres é definitivamente na natureza, onde possuem um papel a cumprir para o equilíbrio do meio-ambiente.
Não se pode permitir, pois, que se erija o suposto direito individual de se permanecer com a posse de animal obtido de forma clandestina acima do direito difuso da humanidade à natureza preservada e equilibrada.
Não bastasse isso, existe uma gama imensa de animais domésticos que podem servir de companhia para o ser humano (cachorros, gatos etc).
Em face da legislação vigente e de todos esses fatores ambientais aqui analisados, no âmbito do Poder Judiciário, há inúmeras decisões no sentido de que a restituição dos animais silvestres sem licença, sem que a conduta da fiscalização tenha se evidenciado ilegal, absurda ou desproporcionada, gera consciência de impunidade no meio social.
E ainda, há decisões que entendem ser desarrazoada relegar a um segundo plano o bem estar do animal, a importância da educação ambiental e da preservação das espécies (com expressa previsão legal, visando também coibir o tráfico ilícito), tão-somente em nome de possível laço afetivo de animal silvestre com o seu possuidor/dono.
Conclusão
A Lei 5.197/67, que tratava da proteção à fauna, em seu art. 3° já proibia o comércio (e via de consequência a guarda irregular) de espécimes da fauna silvestre, excetuando apenas “os espécimes provenientes de criadouros devidamente legalizados”.
Lugar de animais silvestres não é dentro de gaiolas ou viveiros, onde, na maioria das vezes, adquirem comportamento completamente fora de seus padrões naturais e servem, nos mais das vezes, como mero adorno para deleite inexplicável dos seres humanos.
A Lei 9.605/98 proíbe expressamente a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de animais silvestres.
Devem ser vistas com reserva as alegações de que os animais são bem tratados no cativeiro e/ou estão com a família há muito tempo.
Tais assertivas merecem interpretação restritiva, sempre condicionada à prova, em cada caso concreto, de que seja o melhor para o animal, sob pena de tornar inócua a legislação protetora da fauna, e, ainda, conceder argumento para incentivar a prática ilegal.
O procedimento mais adequado em situações em que animais silvestres são encontrados ou doados à alguém, é a comunicação aos órgãos ambientais para que sejam tomadas as medidas cabíveis, inclusive com a reinserção dessas espécies ao seu ambiente natural.
Mesmo que assim fosse, ou seja, o fato de manter animais silvestres em cativeiro, transformando aves com hábitos silvestres em animais domésticos, contraria a legislação aplicável, que exige a readaptação da espécie ao seu habitat natural (art. 1º da Lei 5197/67).
Todavia, em que pese o objetivo da legislação ambiental de buscar a efetiva proteção dos animais, quando este estiver há muito tempo em convivência domiciliar e possuir bons tratos, a sua apreensão não se mostra razoável, de modo que deve ser mantida a guarda do animal com os seus donos, compelindo ainda, o órgão ambiental a adoção de procidências para sua regularização, o que pode ser feito através de ação judicial própria.