Se não havendo lesão de bens, serviços ou interesses da União ou das suas autarquias ou empresas públicas, o julgamento de ação penal que apura a prática de crimes ambientais é da Justiça Estadual.
A Lei 9.605/98, que define os crimes ambientais, não estabelece que a competência para o processo e julgamento de crimes, de modo que para a definição da competência deve-se levar em conta se houve lesão a bens, serviços ou interesses da União.
Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 23, incisos VI e VII, prevê que a proteção ao meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo que, quanto aos crimes ambientais, não há dispositivo constitucional ou legal que expresse qual a Justiça competente para julgamento.
Contudo, a competência da Justiça Federal se encontra expressamente prevista na Constituição Federal, enquanto que a Estadual é remanescente. Em relação àquela, dispõe o art. 109, inciso IV, da Constituição Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Se não ficar evidenciando qualquer das hipóteses previstas no artigo referido, mesmo no caso de crimes ambientais, cabe à Justiça Comum Estadual, como regra, o processo e julgamento das ações penais que tratam de crimes ambientais.
Índice
O que diz a doutrina sobre competência em matéria penal ambiental
Acerca do tema da competência em processos criminais ambientais, cita-se o seguinte ensinamento doutrinário de Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas[1], bastante didático e esclarecedor:
Os crimes contra a flora são, em princípio, da competência da Justiça Estadual. […] Em realidade, nada há que justifique a competência federal, exceto se o delito foi praticado em detrimento de bem da União, ou seja, a uma unidade de conservação federal. Aí incide a regra geral do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal. Por exemplo, se o infrator corta árvores clandestinamente no Parque Nacional de Itatiaia, incorrendo no delito previsto no art. 38 da Lei nº 9.605, de 1998, a competência será da Justiça Federal. Porém, se ele pratica a mesma ação contra árvores pertencentes a particulares ( Código Civil, arts. 43 e 528), ao Estado ou a um Município, razão não há para a competência ser da Justiça Federal: a uma, porque as árvores não pertencem à União; a outra, porque a fiscalização não é mais privativa do órgão federal, mas comum aos órgãos ambientais estaduais ou municipais ( CF, art. 23, incs. VI e VII). Nesse sentido, há dezenas de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, dos quais se menciona um a título de exemplo. Aqui merece referência a regra do art. 225, § 4º, da Constituição Federal, que atribui o caráter de patrimônio nacional à Floresta Amazônica, Serra do Mar, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira. Isto não quer dizer que a propriedade é da União, mas sim que se trata de patrimônio comum a todos os brasileiros, cabendo-lhes zelar por ele. Ou, como ensina José Afonso da Silva, “o significado primeiro e político da declaração constitucional de que aqueles ecossistemas florestais constituem patrimônio nacional está em que não se admite qualquer forma de internacionalização da Amazônia ou de qualquer outra área.” Logo, não constitui, em princípio, competência da Justiça Federal julgar os crimes praticados contra as referidas áreas protegidas. O Supremo Tribunal Federal, ainda que sem adotar a posição de Silva, no sentido de que o objetivo é evitar a internacionalização da Amazônia, reconheceu que o patrimônio nacional não se confunde com o da União.
Jurisprudência sobre competência para julgar crimes ambientais
Sobre a competência para julgar ação penal por crime ambiental, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente, desde o início da Lei de Crimes Ambientais, são uníssonas no sentido de que a competência da Justiça Federal é residual:
CRIMINAL. RESP. COMPETÊNCIA. INTIMAÇÃO DO DENUNCIADO. DESNECESSIDADE. RELAÇÃO JURÍDICA NÃO CONSOLIDADA. CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTE DE MADEIRA SEM AUTORIZAÇÃO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR E FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DE NORMAS AMBIENTAIS PELA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO NÃO DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO DESPROVIDO.
II. Tendo em vista que a competência para legislar acerca de matéria ambiental – bem como de exercer o poder de polícia com o fim de assegurar o cumprimento das normas – é concorrente, sendo repartida entre a União, os Estados e os Municípios, somente a lesão específica aos interesses da União é capaz de atrair a competência da Justiça Federal, para o julgamento de eventuais crimes ambientais.
III. Existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, a ensejar a competência da Justiça Federal não demonstrada. IV. Cancelamento da Súmula n.º 91 por esta Corte.
V. Recurso desprovido. (STJ, 5ª Turma, RESP 697585/TO, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ: 18/04/2005, p. 383).
COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 50 DA LEI N.º 9.605/98. DESTRUIR OU DANIFICAR VEGETAÇÃO DE CERRADO SEM AUTORIZAÇÃO DO IBAMA, AUTARQUIA FEDERAL. DELITO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
Hipótese em que não se configura a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito, nos termos do art. 109, inciso IV, da Carta Magna, porque o interesse da União, no caso, se manifesta de forma genérica ou indireta.
Recurso Extraordinário não conhecido. (STF, 1ª Turma, RE 349191/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ: 07/03/2003).
Logo, apesar de a competência para legislar acerca de matéria ambiental, bem como de exercer o poder de polícia com o fim de assegurar do cumprimento das normas é concorrente, sendo repartida entre a União, os Estados e os Municípios, somente a lesão específica aos interesses da União é capaz de atrair a competência da Justiça Federal, para o julgamento de eventuais crimes ambientais.
Conclusão
De fato, não se justifica a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais, quando inexistir demonstração de lesão ou indicativos de ofensa direta a bens da União, cabendo, portanto, à Justiça Estadual processar e julgar demandas dessa natureza.
Assim, constatada a ausência de lesão ao patrimônio público federal, cabe a decretação de nulidade de todos os atos decisórios, com a declinação de competência, com base no art. 567 do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.
Daí porque o advogado deve ficar atento a competência para julgar a ação penal pelo crime ambiental, porque se tal foi iniciada na Justiça Federal e não há lesão à bens da União, haverá o declínio para a Justiça Estadual, com a nulidade dos atos proferidos até então, podendo repercutir na contagem do prazo prescricional.
Vale destacar que quando houver o declínio para a Justiça Estadual, caberá a esta decidir pelo aproveitamento da prova já colhida.
Portanto, a Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes ambientais quando caracterizada lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, em conformidade com o art. 109, inciso IV.
[1] Freitas, Vladimir Passos de e Freitas, Gilberto Passos de, Crimes Contra a Natureza (de acordo com a Lei 9.605/98), 7ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p. 60.