Os órgãos administrativos ambientais como IBAMA, ICMBio, IMA, SEMA, SEMAD, IAT e outros, além de serem parciais na produção de prova parcial, geralmente não possuem dentre as suas funções institucionais o dever de funcionar como perito judicial ou órgão auxiliar do Ministério Público, o que os impede de serem nomeados como peritos judiciais.
Contudo, temos visto muitos magistrados proferindo decisões para que órgãos ambientais realizem “pericias” ou vistorias em processos que visam a apuração de danos ambientais, principalmente em ações civis pública ambientais.
Em alguns casos, inclusive, determina-se a intimação do órgão administrativo ambiental para realizar perícia técnica ou judicial sob pena de aplicação de multa e apuração de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).
Ocorre que tais decisões são nulas, porque determinar que órgãos administrativos ambientais sejam responsáveis pela execução de perícia técnica em ações judiciais em que se discute, justamente, a existência de dano ambiental, significa comprometer a neutralidade da prova pericial, indispensável para o deslinde da causa.
É que esses órgãos ambientais exercem o poder de polícia ambiental, bem como são responsáveis pela fiscalização e aplicação de penalidades administrativas ambientais ou compensatórias pelo não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.
Isso, por si só, demonstra a parcialidade dos atos desses órgãos administrativos ambientais que os impedem de realizar perícias, vistorias ou de funcionar como assistentes do Ministério Público.
Índice
A função do perito judicial
A função de perito judicial consiste na prestação de assistência ao Poder Judiciário na instrução probatória de feitos judiciais, compreendendo a realização de vistorias e perícias em campo, a elaboração de pareceres técnicos, a resposta aos quesitos das partes, tudo a fim de elucidar questões de fato e de direito relacionadas à uma determinada causa.
A complexidade da situação a ser enfrentada pelo perito, que varia de processo para processo, demanda muitas vezes deslocamento do local de trabalho, mobilização de vários técnicos – podendo abranger mais de uma área de conhecimento especializado – e por longo período de tempo
A atividade de perito judicial é própria de agente nomeado judicialmente para exercer tal mister, com pagamento, inclusive, de honorários periciais, a serem suportados pelas partes processuais. É no mínimo estranha, para não dizer absurda, a indicação de autarquia pública para atuar no papel de perito.
Nesse sentido, estabelece o Código de Processo Civil:
Art. 156. (…) § 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
§2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
Assim, o CPC prevê que a atividade de perito judicial deve ser prestada por particulares – profissionais de nível universitário. Os órgãos técnicos ou científicos são os devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
Dessa forma, não pode, nem deve um órgão administrativo ambiental atuar como perito judicial no processo em questão. Na maioria das normas que criam órgãos de fiscalização, tal atribuição não está prevista em lei, nem compõe as suas finalidades.
Além da ausência de previsão legal para a realização de perícia judicial por órgãos administrativos com poder de polícia ambiental, vale registrar, ainda, a não obrigatoriedade na aceitação do encargo. O Código de Processo Civil, em seu art. 157, estabelece que o perito “pode, todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo”.
Afinal, se razões de interesse pessoal podem ser consideradas motivo legítimo para dispensar um particular do encargo, com mais razão ainda os motivos de não nomear o órgão ambiental ao encargo de perito ou assistente judicial, já que afeto ao interesse público de proteção do meio ambiente nacional.
CPC determina a nomeação de peritos
Como se sabe, a indicação de profissional especializado garante a imparcialidade da prova pericial, sobretudo quando se revela como elemento probatório essencial ao deslinde da causa.
Justamente por isso, o artigo 465 do Código de Processo Civil prevê que “o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo”, devendo o exame pericial, à vista disso, ser realizado por particular qualificado e com conhecimento técnico sobre a matéria, mediante o pagamento de honorários periciais.
Ademais, é de conhecimento antigo, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a perícia judicial, seja no procedimento cível ou no criminal, deve ser realizada por profissional não só devidamente qualificado e com conhecimento técnico sobre a matéria em debate, mas também isento dos interesses das partes envolvidas no litígio.
Atribuir ao órgão administrativo ambiental a tarefa de realizar perícias judiciais comprometeria não só a imparcialidade que deve existir na produção, em Juízo, de qualquer prova pericial, como também o exercício das atividades precípuas do próprio órgão, que inclusive já demandam a utilização de muitos recursos do Poder Público, de ordem pessoal e patrimonial.
Órgão administrativo ambiental não pode fazer perícia judicial
Conclui-se que os órgãos administrativos ambientais, por ostentarem a atribuição fiscalizatória, são, naturalmente parciais na realização de perícias e não pode exercer a função de expert judicial, até porque, em alguns casos, a ação de reparação de danos decorre justamente da própria fiscalização do órgão administrativo.
Sendo o órgão administrativo ambiental criado e com atribuições definidas por lei para fiscalização, sem qualquer referência à realização de perícia judicial, por óbvio não pode ser ele solicitado à realizar perícias ou funcionar como assistente do Ministério Público.
Afinal, estando as entidades da Administração Pública sujeitas à observância do princípio da legalidade, devem elas desempenhar suas atividades nos exatos termos da legislação de regência.
A prestação de atividade de perito judicial, ainda mais em processos judiciais em que órgãos administrativos ambientais não são partes, foge completamente das suas atribuições institucionais, já que elas são, na maioria dos casos, voltadas à fiscalização ambiental, além de colocar em risco o satisfatório exercício de suas verdadeiras funções.
Conclusão
Muito embora a função jurisdicional tenha natureza pública, presta-se frequentemente à resolução de conflitos estritamente particulares, sendo difícil imaginar o interesse de órgãos administrativos ambientais nessa espécie de conflito.
Além disso, se não há previsão legal do exercício da função de perito judicial por servidores públicos de órgãos administrativos ambientais – e quase sempre não há -, tal atribuição implicaria ofensa ao princípio da legalidade estrita – que significa que Administração Pública e seus agentes só podem e devem agir de acordo com o que autoriza a lei.
Vale lembrar, por fim, que o princípio da legalidade, positivado no âmbito exclusivo da Administração Pública, no art. 37 da Constituição Federal, significa que – ao contrário do particular, que pode fazer tudo que não seja proibido em lei – a Administração e seus agentes só devem agir de acordo com as determinações legais.
Eventual determinação imposta ao órgão administrativo ambiental para realizar fiscalização ambiental deve ser revista, caso contrário, além de prejudicar as principais atribuições desses órgãos, tais como licenciamento ambiental e fiscalização das atividades danosas ao meio ambiente, haverá parcialidade na perícia.
Portanto, não parece razoável determinar que um órgão administrativo ambiental seja responsável pela execução de perícia técnica em ação que se discute, justamente, a existência de dano ambiental, uma vez que restará comprometida a neutralidade de prova pericial indispensável para o deslinde da causa.