É possível a absolvição pelo crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/1998 quando ausente a prova da potencialidade poluidora do estabelecimentos, obra ou serviço, em razão de comprometer a verificação de elementos normativos do tipo penal.
Isso porque a conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços, para fins penais, somente é criminalizada se for potencialmente poluidora.
Assim, necessária a demonstração, pelo Ministério Público, do efetivo risco ao meio ambiente para configuração do crime ambiental, de modo que inexistindo qualquer evidência de conduta efetivamente potencialmente a verificação de elementos normativos do tipo penal resta comprometida a ensejar a absolvição do réu.
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O que diz o crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/08
O crime ambiental previsto no artigo 60, da Lei 9.605, de 1998, trata da conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Veja-se:
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.
Percebe-se que o art. 60 da Lei Federal 9.605/98 sanciona o ato de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços sem licença de órgãos ambientais o que configuraria crime ambiental.
Ao comentar a infração penal em foco, Gina Copola[1] assevera:
O crime em tela, porém, somente restará configurado se praticado sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.
Ou seja, pratica o crime aquele que não detém licença ou autorização para a construção reforma, ampliação, instalação ou funcionamento de estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, ou aquele que, detendo a licença ou autorização age em desacordo com as normas legais, constitucionais e regulamentares aplicáveis.
É cediço em direito ambiental, que toda obra ou serviço potencialmente poluidor depende de prévio licenciamento ou prévia autorização da autoridade competente para ser devido e regular funcionamento.
É cediço que o licenciamento ambiental constitui o mais relevante instrumento tendente a viabilizar o desenvolvimento sustentável, e, ainda é o procedimento administrativo de avaliação de impactos ambientais para toda instalação ou realização de obra ou atividade potencialmente causadora de impacto ambiental, e sua imposição é determinada pelo art. 10, da Lei Federal nº 6.938/81.
Merece destaque a lição da mencionada doutrinadora acerca do elemento subjetivo, sujeito ativo e classificações do crime em estudo, a saber:
O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Não é admitida a forma culposa desse delito. Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa física ou jurídica.
É crime comissivo, porque é praticado por ação. É crime material, sendo admitida a tentativa. É, ainda, crime de perigo, que se consuma com a simples possibilidade de dano ambiental, não sendo necessária, portanto, a efetiva lesão do bem ambiental.
Com efeito, não basta para a aplicação da pena a simples realização de construir sem a licença do órgão ambiental competente, sendo indispensável a demonstração de ser a atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora, circunstância que, se não demonstrada, impõe-se a absolvição do réu.
Crime ambiental depende da poluição potencial
Conforme o doutrinador Capez, os elementos normativos do crime ambiental do artigo 60 da Lei 9.605/98 estão representados pelas expressões ‘território nacional’, ‘potencialmente poluidores’ e ‘sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes’.
O dolo, por sua vez, é definido pelo autor como a vontade livre e consciente de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.
Como se vê, trata-se de crime de ação múltipla, cujo núcleo do tipo é expressado pelos verbos ‘construir’, ‘reformar’, ‘ampliar’, ‘instalar’ e ‘fazer’ funcionar estabelecimento, obra ou serviço potencialmente poluidor.
Na hipótese do núcleo do tipo ser construir, há de se observar, primeiramente, se a obra construída tem o caráter potencialmente poluidor, pois este é um requisito necessário para que a conduta se enquadre no referido tipo penal.
Após, há de se vislumbrar a necessidade de autorização (ou licença) dos órgãos ambientais para a obra em destaque, uma vez que, ausente a necessidade de permissibilidade prévia pelo Poder Público da obra ou serviço, o crime não se configura.
O que é atividade potencialmente poluidora
O crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/98 é norma penal em branco e por isso, a definição das atividades potencialmente poluidoras depende de normas legais próprias que especifiquem quais serão as atividades potencialmente poluidoras que dependem de licença sem a qual o crime estará configurado.
Assim, deve-se analisar o eventual caráter potencial poluidor da conduta para se verificar possibilidade de aplicação da lei penal, ou seja, não é qualquer conduta que configura o crime ambiental em estudo, mas somente aquelas que sejam causadoras de danos efetivos ao meio ambiente.
Não obstante, infere-se dos termos estabelecimento, obras ou serviços referências à atividade econômica desempenhada eventualmente por pessoa física ou jurídica, e não sobre hipótese de punibilidade de construção de imóvel estritamente para fins de habitação, como se percebe do caso do acusado.
Ademais, tem-se que a finalidade da norma penal disposta no artigo 60 da referida Lei de Crimes Ambientais é a punição à exploração de atividades econômicas, potencialmente poluidoras, desempenhadas à míngua de licenciamento ambiental.
Repercussão na esfera administrativa
Se o crime ambiental tem origem na lavratura de auto de infração ambiental, no qual também não há qualquer menção aos riscos ambientais causados pela conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, tem-se por atípica a conduta, nas duas esferas.
Ora. Não há como vislumbrar a prática do crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 se não ter sido demonstrado os aspectos efetiva ou potencialmente poluidores da conduta em nenhuma das esferas.
Importante lembrar que, em regra, as sentenças proferidas pelo juízo criminal não interferem nas demais searas, seja a cível, seja a administrativa. E como também é de conhecimento geral, as áreas cível, penal, e administrativa, em seu substrato, são independentes, não sendo vinculado o juízo de uma ao de outra.
Todavia, como toda regra, há exceções e uma delas é a que se a mesma conduta que ensejar a ação penal foi objeto de infração administrativa, sendo naquela realizada instrução que sabidamente é mais ampla e resultou no reconhecimento da ausência de potencialidade efetiva, haverá repercussão na esfera administrativa para anular o auto de infração ambiental.
Conclusão
Vale lembrar que mesmo diante de um eventual descumprimento das regras de licenciamento ambiental, a simples conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar obras ou serviços sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes não configura crime ambiental se ausente a potencialidade poluidora.
Isso porque, o direito penal não se utiliza de imputações objetivas, nas quais simplesmente por haver uma situação concreta de aparente violação a um dever de proteção ao meio ambiente, estar-se-ia diante de um ilícito.
Há de se ressaltar, sobretudo, que ausente as evidências da potencialidade poluidora da conduta, a qual não é automática, ela será atípica não configurando o crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/98.
É que essa imputação criminal demanda algo mais, uma robustez probatória que evidencie ao Juízo, além de qualquer dúvida razoável, o risco que aquela conduta provocou, ou provoca, ao meio ambiente.
Portanto, tendo em vista que o objeto da prescrição normativa do artigo 60 da Lei 9.605/98 destina-se à punibilidade de estabelecimento, obra ou serviços destinados à exploração econômica, deve-se absolver o condenado se não comprovada a elementar do tipo.
[1] COPOLA, Gina. A Lei dos Crimes Ambientais Comentada Artigo por Artigo. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 150
2 Comentários. Deixe novo
Sobre o Estudo de Caso #49 foi elucidativo que terminou do jeito que todo mundo gosta, com um final feliz!
Quanto a receita do bolo foi uma inovação gourmet bem humorada no meio de assuntos legais normalmente entediantes. Parabéns pela a ideia!!!
Muito obrigado Dr. Francisco. Que bom que gostou do Estudo de Caso #49. Todas as Terças e Sextas-feiras enviamos estudos de caso por e-mail. E sobre a receita de bolo, posso garantir que é uma das melhores 😉